Não sei quanto a você, mas quando ouço falar em hidrogênio, a primeira coisa que me vem à cabeça é aquela clássica imagem do dirigível alemão Hindenburg explodindo em chamas em Nova Jérsei em 1937 e que – pelo menos para a minha geração – ficou imortalizada na capa do primeiro disco da banda de rock Led Zepelin, de 1969. Ou seja, como muitos, associo o tal do gás a perigo, barulho, fumaça, desastre… Pois são justamente características opostas a essas que fazem com que essa levíssima e renovável substância seja hoje considerada como uma das principais alternativas aos derivados de petróleo para movimentar os veículos automotores, entre outras máquinas.
Uma opção tão relevante que as nipônicas Honda (com o modelo Clarity) e Toyota (com o Mirai), primeiras grandes montadoras a investir mais séria e consistentemente nessa tecnologia, já oferecem comercialmente modelos que utilizam células de combustível a hidrogênio – este é o nome técnico da coisa – no Japão e nos EUA e, em menor (e quase experimental) escala, em parte da Europa, onde literalmente todas as montadoras germânicas possuem projetos nesse sentido (veja aqui o da Audi) e devem fazer o mesmo em breve.
Na prática, o que faz com que esses carros efetivamente se movimentem é a eletricidade. Mas, diferentemente dos modelos elétricos – EV tradicionais, nos quais um conjunto de baterias se encarrega de alimentar os motores, os novos veículos utilizam o gás para gerar essa energia. Existem, também protótipos com motores movidos diretamente pelo hidrogênio, como combustível, mas aí os riscos envolvidos são maiores e isso é assunto para um outro texto.
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Vantagens? Para começo de conversa, uma redução considerável no peso e no espaço, já que para garantir uma autonomia razoável (acima de 150 km) nos elétricos “comuns” são necessárias muitas baterias, que são volumosas e pesam bastante. Além disso, enquanto o processo de recarga completa num EV leva horas, nos “hidrogenados” o tanque é completado em poucos minutos. O hidrogênio é fácil de comprimir e, mesmo computados o reservatório reforçado e todo o sistema de geração, acaba sendo muito mais leve para levar a bordo.
Outro ponto a favor é que, pelo menos até aqui, não foram desenvolvidas baterias realmente limpas e sustentáveis que possam ser totalmente recicladas após o final de sua vida útil. Para piorar, quando esse prazo de validade termina – em algo como cinco anos – é necessário comprar todo um novo jogo de baterias a um custo altíssimo, que pode chegar à metade do que vale o carro inteiro. No caso da célula de hidrogênio, como não há necessidade de acumular energia, a única bateria a bordo é semelhante a que seu carro tem hoje e que alimenta faróis, ar-condicionado e outros acessórios. E o resultado do consumo do gás é – literalmente – água, o velho e puro H20. E só.
É claro que nem tudo são flores sustentáveis. Para que se produza hidrogênio gasoso por um processo chamado hidrólise (lembra das aulas de química e de física dos tempos de escola?), é preciso gastar bastante energia elétrica. Ou, em bom português, na realidade o papel do gás nessa história toda é de vetor energético, ou seja, um intermediário: ele torna possível transportar e armazenar a energia, da usina de geração até as rodas do automóvel – ou para o motor de qualquer outro tipo de máquina elétrica. A chave para fazer com que essa conta intrincada tenha um resultado mais sustentável está, claro, na maneira de gerar a eletricidade usada na produção do gás. Na Califórnia, por exemplo, onde a maior parte do território é composta de desertos permanentemente ensolarados e varridos por ventos, isso parece ser perfeitamente possível. Lá, a geração eólica (com “florestas” de cataventos) e a solar (com “mares” de painéis fotovoltaicos) já é uma abundante realidade.
Por isso mesmo, diferentemente do que aconteceu com os automóveis movidos a gasolina, no entanto, a ideia é que os modelos com célula de combustível sejam utilizados somente em regiões específicas, nas quais os custos da geração de eletricidade e produção do gás tornem toda a operação sustentável também financeiramente. Nesse raciocínio, num futuro próximo veremos veículos com tipos diferentes de tecnologias circulando em diferentes regiões do mundo ou mesmo de um país, caso dos EUA.
Bombas (inofensivas) de hidrogênio
O maior complicador para o uso em maciço da nova tecnologia, no entanto, é de ordem logística. Assim como os nossos velhos conhecidos gasolina, álcool, diesel e GNV (gás natural veicular), o hidrogênio precisa estar disponível em uma rede de postos de abastecimento para que possa ser efetivamente utilizado pelos motoristas. Quanto maior a rede, mais longe eles poderão chegar – a autonomia desses modelos, hoje, é de no máximo uns 590 km.
É claro que não se estabelece uma rede como essa de uma hora para outra, com reservatórios, bombas (ops!) e todos os sistemas de segurança específicos que um combustível poderoso como o tal do gás demandam. Mas a coisa também não é tão complexa assim. Na Europa, por exemplo, onde Alemanha, Reino Unido e os países da Escandinávia começam a colocar os primeiros veículos desse tipo na rua, a previsão realista é de que comecem a ser utilizados como os carros de hoje – em termos de “usabilidade” – somente a partir de 2020. No Japão, onde as distâncias são relativamente menores, esses carros têm sua circulação restrita a alguns dos maiores e principais centros urbanos.
Já nos EUA, o processo de implantação dos postos começou um pouco antes e, atualmente, já é possível percorrer praticamente todo o estado da Califórnia sem problemas de abastecimento, pois lá estão localizados 32 dos 35 postos existentes no país. Os outros três postos estão localizados em pontos da Costa Leste, nos estados de Massachusetts, Connecticut e Carolina do Sul, mas 12 novos pontos, entre Nova Yorque e Boston, já estão sendo implantados (a ideia é tornar possível uma viagem a hidrogênio entre todos esses estados, também até 2020).
A concentração de postos na Califórnia, claro, se deve também a maior receptividade dos ecologicamente engajados locais a tecnologias limpas. Ali já circula a maior frota de carros elétricos e híbridos (que usam gasolina e eletricidade) do país. Há uma série de incentivos para isso, como impostos reduzidos e até subsídios para a compra dos veículos. E, para tornar esses carangos corretos ainda mais atraentes, as próprias montadoras oferecem financiamentos e leasings a preços camaradas e outros agrados. Quem compra o modelo da Honda, por exemplo, não paga para encher o tanque durante os três primeiros anos de uso do carro.
E aqui no Brasil?
A esta altura você provavelmente já deve estar se perguntando quando teremos automóveis desse tipo rodando aqui no Brasil. A resposta – como quase tudo o que se tenta prever por aqui atualmente – é “depende”. Tecnicamente, nosso país possui condições de geração de energia e produção industrial de gás que, com o devido planejamento (e investimento) poderiam ser expandidos para atender a esse novo mercado. E, em termos de legislação, atualmente as alíquotas de importação para carros com “emissão zero” de poluentes está igualmente zerada por aqui. É tudo uma questão de harmonizar política e economia, leia-se diretrizes governamentais e empresas interessadas.
Se carros de passeio, movidos a célula de combustível ou ao que quer que seja, podem parecer luxuosos supérfluos para uma nação com tantas carências mais sérias, caminhões, ônibus e até locomotivas empurradas por esse tipo de energia limpa, sustentável e totalmente renovável serão bem-vindos em qualquer lugar do mundo onde exista um mínimo de bom senso. Por isso, cedo ou tarde, tenho certeza de que eles estarão também em nossas ruas.