Brasil míope: 45 milhões precisam de óculos e não sabem

A felicidade da menina refletida no espelho: óculos doados pela Renovatio. Foto: Divulgação

Renovatio

Por Denis Kuck | Mapa das ONGs • Publicada em 29 de janeiro de 2018 - 10:05 • Atualizada em 29 de janeiro de 2018 - 16:57

A felicidade da menina refletida no espelho: óculos doados pela Renovatio. Foto: Divulgação
A felicidade da menina refletida no espelho: óculos doados pela Renovatio. Foto: Divulgação

O menino Miguilim, personagem criado por Guimarães Rosa, tinha miopia, mas não sabia. Ao colocar óculos pela primeira vez, nem acreditou, “via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores”. No filme Tropa de Elite, Neto sofre emboscada de traficantes após finalmente entregar um par de óculos para o garoto Romerito, que sofria há tempos de problemas de visão sem ninguém perceber. As duas são histórias de ficção. Mas no Brasil há milhares de meninos e meninas como Miguilim e Romerito, que não enxergam perfeitamente, porém nunca fizeram um exame de vista, seja por falta de recursos ou pela dificuldade de acesso a médicos. “No Brasil,  45 milhões de pessoas precisam usar óculos e não sabem”, diz Ralf Toenjes, presidente da Renovatio, ONG de São Paulo com atuação nacional, que criou um projeto para fabricar e fornecer óculos para quem não tem condições de comprá-los ou sequer sabe que precisa deles.

[g1_quote author_name=”Ralf Toenjes” author_description=”Presidente da Renovatio” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Dos 62 municípios do Amazonas, apenas cinco contam com oftalmologistas, sendo que, em quatro deles, só existe um médico

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Segundo Toenjes, a ONG começou com um sonho de três jovens estudantes do Insper. “Queríamos fazer algo que pudesse impactar o mundo de alguma forma. No México, conheci o projeto da OneDollarGlasses, para pessoas que não podiam pagar por um óculos e me perguntei: ‘Será que no Brasil também existe esse problema?”. Não demorou para descobrir que, por aqui, o quadro é alarmante. Uma das razões é a carência de oftalmologistas no interior e nos locais mais isolados do país. “Dos 62 municípios do Amazonas, por exemplo, apenas cinco contam com oftalmologistas, sendo que, em quatro deles, só existe um médico. O quinto é Manaus. Se a capital do estado for retirada da conta, a média é de um oftalmologista para cada 406 mil pessoas, quando, para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o mínimo aceitável é de 17 mil pessoas por especialista”, diz Ralf Toenjes.

Segundo dados levantados pela Renovatio, 85% dos município brasileiros não têm oftalmologistas. O presidente da ONG explica que os jovens do interior se formam e acabam indo em busca de oportunidades nas cidades maiores. Não é apenas uma questão de saúde. A falta de diagnóstico acaba acarretando outros problemas.  “O primeiro e mais preocupante é a dificuldade de aprendizado. Se você não enxerga direito, não consegue estudar e aprender. Segundo o Ministério da Educação (MEC), a deficiência visual é o principal motivo de evasão escolar no Brasil (22,9%). Ajudar a essas crianças é contribuir para o futuro do país”, afirma Toenjes.

Ao lado de um voluntário, menino testa seus óculos novos. Foto: Divulgação

A Renovatio fez uma campanha de crowdfunding, em parceria com a Brasil Foundation, pelo site Abrace o Brasil, encerrada dia 29 de novembro de 2017, para fabricar e doar cerca de 400 óculos a moradores de comunidades ribeirinhas do Amazonas. Eles serão entregues até o fim do primeiro trimestre de 2018.  Tem mais. “Realizamos ainda uma campanha de final de ano em parceria com L’O’ccitane (marca francesa de cosméticos)”, conta.  Pelo projeto, batizado de “Presente de Natal Solidário”, toda a renda obtida com a venda de um kit com óleo de banho, sabonete e uma caixa exclusiva será destinada à doação de óculos, beneficiando três mil pessoas. “A iniciativa foi bem legal”, diz Ralf. Outra ação foi em São José do Rio Preto (SP). “Doanos  230 óculos para crianças de escolas públicas e das filas das Unidades Básicas de Saúde”, completa. “A Renovatio não para”, orgulha-se.

O ônibus adaptado: dois consultórios oftalmológicos. Foto: Divulgação

Para realizar os mutirões, a ONG desenvolveu um ônibus equipado com dois consultórios oftalmológicos completos. O paciente passa pela triagem, pela consulta com o oftalmologista e, na hora, recebe seus óculos. Para fabricá-los de forma mais barata e mais rápida, a ONG importou tecnologia alemã que permite a criação de uma peça em menos de 20 minutos, usando apenas três materiais. Um par, hoje, custa a partir de R$ 39, com armação e lente. “Já entregamos 17 mil óculos, em três anos de atuação. Nossa meta é, até 2021. doar um milhão”, planeja Ralf. Os óculos são produzidos, atualmente, em conjunto com a fundação boliviana “Hi Bolívia”, a maior parte em Santa Cruz de La Sierra, mas uma parcela é fabricada na capital paulista.

[g1_quote author_name=”Robson Bispo” author_description=”Ex-funcionário da Renovatio” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A ONG me mostrou que tudo pode ser realizado. Consegui concluir o ensino médio, adquiri experiência profissional, estou terminando um curso técnico e tirando carteira de motorista

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Os funcionários que trabalham no projeto ganham, em média, três salários mínimos. Os profissionais que fazem os óculos são de comunidades carentes de São Paulo, alguns deles ex-presidiários. Quando entrou para a ONG, Robson Bispo, de 19 anos, morador de Vila Nova Esperança, vivia em situação de extrema pobreza e precisava de um emprego para ajudar a família, além de conseguir terminar seus estudos. “Aprendi muita coisa com a Renovatio, com os colegas e amigos de lá. Espero que agora possa melhorar de vida. A ONG me mostrou que tudo pode ser realizado. Consegui concluir o ensino médio, adquiri experiência profissional, estou terminando um curso técnico e tirando carteira de motorista. A Renovatio colaborou para que eu conseguisse me inserir na sociedade”, comemora.

Denis Kuck

Denis Kuck é jornalista desde criança, quando acompanhava o pai repórter nas sessões da CPI do PC, em Brasília. Anos depois, formou-se pela UFRJ, foi assistente do escritor Fernando Morais e trabalhou nas redações do Ciência Hoje, O Globo, Agência EFE e do irreverente Perú Molhado, de Búzios. Recentemente, no Comitê Rio 2016, foi editor/repórter do jornal distribuído dentro da Vila Olímpica, o Village Life. Atualmente, é freelancer e editor do Notícias em Português, publicação de Londres.

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