A ONG de uma mãe

Aliança Cavernoma Brasil

Por Florência Costa | Mapa das ONGs • Publicada em 28 de outubro de 2019 - 10:04 • Atualizada em 28 de outubro de 2019 - 13:10

Laboratório da UFRJ. Foto de Divulgação
Pesquisadores do Banco Nacional de Perfis Genéticos em Malformação Cavernosa Cerebral (Pesquisa científica UFRJ/UNIRIO). Foto de Divulgação

A pedagoga Selva Lopes nunca esquecerá o 3 de junho de 1993. Foi neste dia que sua filha, Taiga, então com 7 anos, acordou reclamando de dor de cabeça, enjoo e visão dupla. Selva levou a filha ao neurologista, que fez uma avaliação clínica e solicitou uma tomografia. O laudo apontou como causa ‘glioma de tronco cerebral’. Os médicos diziam que era uma doença grave e que Taiga teria “uma boa sobrevida”.

Vários especialistas do Brasil e dos Estados Unidos haviam dito a ela que só uma cirurgia poderia solucionar o caso de Taiga. “Mas eu não me senti segura para essa cirurgia no cérebro da minha filha e como Taiga levava uma vida normal, decidi não submete-la a uma operação”, conta Selva.

Selva decidiu levar a filha para fazer uma ressonância, e os médicos constataram que se tratava de “angioma cavernoso”, ou “cavernoma cerebral”. O médico informou que era uma doença benigna e que seria acompanhada com exames de imagem. “Me senti na obrigação de buscar o máximo de informações possível sobre o problema. Precisava ir atrás de pesquisadores da doença”, disse. Investigações genéticas de Taiga revelaram que ela é portadora da mutação em CCM3, a forma mais rara e agressiva da doença.

O Cavernoma Cerebral é uma malformação dos vasos sanguíneos cerebrais. Caracteriza-se pela presença de lesões vasculares que se desenvolvem dentro do cérebro ou da medula espinhal. Essas lesões são compostas de vasos sanguíneos malformados frágeis, que podem vazar sangue ou crescer, criando o risco de hemorragia cerebral, epilepsia e deficiência neurológica progressiva.

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Fiz tudo sozinha, é uma ONG de uma mãe. Basicamente eu mantive a associação do meu bolso

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Estudos demonstram que uma em cada de 200 a 500 pessoas tem malformação cavernosa, mas apenas uma em cada 15 mil são diagnosticadas: muitos seguem de forma assintomática. É uma doença ainda pouco conhecida, vista como rara, talvez pela grande quantidade de pessoas que convive com a doença sem sequer saber que tem. Selva mostrou-se uma mãe incansável no tratamento da
filha e esse drama acabou levando-a a criar, em 2011, uma associação para ajudar os pacientes desta doença e seus familiares, que sofrem com a falta de informação: a Aliança Cavernoma Brasil (ACBra). “Fiz tudo sozinha, é uma ONG de uma mãe. Basicamente eu mantive a associação do meu bolso”, contou Selva que, ao longo dos anos, contou com o apoio de políticos como os senadores Mara Gabrilli e Romário.

Selva criou um website, que oferece um farto material de informação sobre a doença e faz uma ponte entre as pessoas com cavernoma e seus familiares e os profissionais de saúde e pesquisadores. “A conduta ideal não é operar em todos os casos. Queremos acabar com a ideia de que cavernoma é atestado de óbito e que todos os casos tem que ser operados”, disse. “A Taiga aprendeu a conviver com a doença e percebeu que é possível ter uma vida plena e feliz. Ela é um exemplo de que há vida com qualidade após o diagnóstico de Cavernoma”, disse Selva.

Pesquisas para aumentar o conhecimento sobre a doença. Foto de Divulgação

O objetivo da associação é apoiar os estudos, pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos relacionados à doença, além de contribuir com o Banco Nacional de Perfis Genéticos em Malformação Cavernosa Cerebral (Pesquisa científica UFRJ/UNIRIO). Selva inspirou-se em outra mãe, a norte-americana Connie Lee, que fundou a Angioma Alliance ONG nos EUA. Lee também tem uma filha com Cavernoma Cerebral.

A Aliança Cavernoma Brasil ajuda na realização de  testes genéticos gratuito para identificação precoce dos portadores da forma familiar CCM3. O mapeamento genético e biomarcadores podem prever hemorragia ou crescimento de cavernomas cerebrais. O grau de agressividade varia de acordo com o gene afetado.

Em maio de 2018, o grupo de Pesquisas em Cavernomas Cerebrais da UFRJ começou a coleta de amostras sanguíneas de pacientes para iniciar a Pesquisa de Análise Genética e de reprodução de testes plasmáticos. Os kits para testes são muito caros e não estão disponíveis em laboratórios privados, explicou Selva. Até hoje 117 pacientes tiveram o sangue coletado para que seja executado o procedimento nas máquinas que sequenciam o DNA e que fazem o teste plasmático de biomarcadores.

Os testes genéticos e de biomarcadores sanguíneos, gratuitos, estão disponíveis para todos os pacientes e familiares com Cavernoma Cerebral, desde que estejam devidamente registrados no site da Aliança Cavernoma Brasil e que apresentem laudo de imagens que comprovem a existência da doença. “Mas a nossa associação não tem dinheiro para bancar a viagem dos pacientes que não
moram no Rio. E o ponto de coleta é apenas no Rio”, ressaltou Selva.

O I Simpósio Internacional da Aliança Cavernoma Brasil ocorreu em agosto deste ano, no Rio. Foto de Divulgação

A associação realizou em agosto, no Rio, o I Simpósio Internacional da Aliança Cavernoma Brasil, com a presença de neurologistas e neurocirurgiões. “Vamos procurar estabelecer centros de orientação para pacientes de cavernoma em São Paulo, no Maranhão e no Espírito Santo”, disse. “Nosso próximo passo é ajudar as pessoas com qualquer doença de origem genética no Brasil”, afirmou Selva.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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