Combate à pobreza de Dom Hélder é visto como projeto pioneiro

Banco da Providência

Por Angelica Fernandes | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 26 de novembro de 2015 - 12:53 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:27

O atendimento a famílias está entre as prioridades do Banco da Providência

As mais de cem mil pessoas que costumam circular pelos pavilhões do Riocentro durante a Feira da Providência, que está tendo a sua 55ª edição entre os dias 25 e 29 deste mês, talvez nem saibam exatamente com quem ou com o quê estão colaborando ao pagarem ingresso e fazerem compras nos estandes do evento, um dos mais tradicionais do calendário da cidade do Rio de Janeiro. O programa “família” de tantos cariocas e turistas é um dos principais financiadores do Banco da Providência, que, em 56 anos de atuação, já atendeu mais de 600 mil pessoas. Hoje, são cerca de 4 mil pessoas por ano, muitas delas  em situação de pobreza extrema.

Quando mal se falava em voluntariado e a abreviatura ONG não tinha caído na boca do povo, Dom Hélder Câmara (1909-1999) criou, em 1959, o Banco da Providência, com um objetivo principal: fazer com que famílias superassem a pobreza. As metas eram ambiciosas, e o formato tão moderno para os padrões do final da década de 1950 que o então bispo (depois, em 1964, ele seria arcebispo de Olinda e Recife) é considerado até hoje pioneiro de um novo modo de filantropia. Para combater a desigualdade social, ele criou um “um banco para os pobres que não têm acesso aos bancos do sistema financeiro”. Os pilares eram a  autossustentação (daí a criação da Feira da Providência para arrecadar recursos), contar com organização da sociedade civil e a  política de voluntariado.

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Mais de cinco décadas após sua fundação,  a ONG se mantém protagonista na defesa de direitos humanos de jovens, adultos e de famílias residentes em regiões carentes no município do Rio de Janeiro. Ao oferecer oportunidades de inserção no mercado de trabalho e capacitação, o banco já conseguiu  dobrar a renda de metade das famílias inscritas.

Se em 1989, o programa de saúde da ONG foi o primeiro a identificar o vírus da aids em moradores de rua, passando oferecer tratamento e prevenção, os resultados hoje ainda chamam a atenção.  Em 2014, 59% das famílias inscritas superaram a pobreza extrema, e 60% das que não geravam renda, passaram a conseguir remuneração. Do total de beneficiados, 61% das famílias superaram pelo trabalho o valor do benefício do programa federal Bolsa Família, que é de R$ 140 por criança. Na Comunidade Emaús, que atende homens moradores de rua, com faixa etária de 18 a 50 anos, dos 244 acolhidos no ano passado, 127 estão em processo de inclusão, e 23 foram totalmente incluídos na sociedade.

Como funciona

O atendimento a famílias está entre as prioridades do Banco da Providência
O atendimento a famílias está entre as prioridades do Banco da Providência

O perfil dos beneficiados no Banco da Providência é formado por 54% de famílias que vivem com menos de R$ 70 per capita por mês, considerado índice de pobreza extrema pelo governo federal. Nos programas de formação nas comunidades, 81% dos inscritos são mulheres, e 36% dos membros das famílias são crianças e adolescentes. Dos adultos, 63% cursaram apenas o ensino fundamental, mas  25% nem chegaram a completá-lo.

Há nove anos, a instituição passou por uma capacitação de gestão com o  Instituto de Desenvolvimento Gerencial, que culminou em um único programa de inclusão social, mantido até hoje, estruturado em agências.  A mais abrangente delas é a de Famílias, que beneficia em média por ano, 560 famílias oriundas de indicadores de pobreza extrema. A outra é a Comunidade de Emaús, com 75 vagas por ano para homens moradores de rua. Já a agência da Cidadania, oferece 100 vagas anualmente no programa de formação para egressos do sistema penitenciário. E há ainda a voltada para os jovens, oferecendo capacitação. Estas quatro são classificadas como porta de entrada. Passada essa fase de  inserção no projeto, eles são encaminhados para outros três programas, onde fazem um plano de atitudes para superar a linha da pobreza. A agência de capacitação para o trabalho atende, em média, mil jovens e adultos por ano. A de empreendedorismo, tem acompanhamento técnico para 50 pessoas anualmente e a de empregos, que capta vagas no mercado formal, tem parceria com mais de 100 empresas.

Recursos da Feira e do Arraial

Para manter os projetos sociais, o Banco possui uma cartela grande de parceiros. As principais empresas apoiadoras são  Eletrobras/Furnas, Cyrela, Merck e White Martins. A Aliança empreendedora e os institutos Phi, Griffo e Ler é Abraçar contribuem com parcerias técnicas e capacitações.

No ano passado, as doações registradas pelo Banco chegaram a R$ 193.545 mil por meio de programas mensais, como o Amigos do Banco, e projetos anuais de empresas que fazem um único investimento. No entanto, a principal fonte de renda da ONG, com 67% da captação de recursos, vem dos dois eventos organizados pela própria equipe: a Feira e o Arraial da Providência. Em ambos, o capital arrecadado vem de patrocínios empresariais, venda de espaços e bilheteria. Na prestação de contas da instituição, divulgada anualmente no site, os projetos foram responsáveis por receber 73% dos recursos, já a administração ficou com 19% e a comunicação recebeu 8%. Na Justiça e nas contas públicas, o Banco não possui restrições.

O corpo de funcionários mantém a mesma organização há anos, com prestadores remunerados e voluntários. Dos 60 funcionários atualmente, 90% atuam em regime de carteira assinada. O voluntariado fica por conta dos 25 líderes comunitários das agências de família, os quatro técnicos da agência de cidadania e outros seis voluntários que trabalham em outros projetos.

Trabalho na crise

Um dos pilares da ONG é o protagonismo juvenil e há uma agência voltada para os jovens

À frente da coordenação da agência de empregos da matriz do Banco, na Catedral São Sebastião, na Lapa, Neige Motta destaca que, mesmo diante da crise no país, a instituição consegue inserir muitos beneficiados no mercado de trabalho.

-Tem muita gente que chega aqui desesperada por um emprego, que está fora do mercado há anos e, graças aos nossos parceiros, conseguimos sempre uma oportunidade para o nosso público – aponta Motta, destacando que, semanalmente, a agência recebe 15 candidatos, que além de terem acesso à oferta de vagas, passam por um curso de capacitação de três horas: -Este curso é fundamental porque explicamos aos interessados, como eles devem se comportar numa entrevista de emprego. Muitos saem daqui com uma outra visão do mercado.

Ao fim do curso, os candidatos seguem munidos de um certificado e um currículo pronto para ser apresentado em uma futura proposta de emprego.

-A agência nos dá uma ponta de esperança, principalmente pelo curso de capacitação que nos deixa mais confiantes – avalia Ricardo Henrique dos Santos, de 37 anos, que se inscreveu na agência para tentar uma vaga de controlador de frota em uma empresa de logística.

Há 20 anos, o Banco foi responsável por conseguir o primeiro emprego de Severino da Silva Mendonça, hoje com 50:

– Procurei a agência e eles me indicaram a uma vaga de repositor em um supermercado. Fiquei super feliz por ter sido meu primeiro emprego. Agora conto novamente com o Banco para tentar me recolocar, pois atualmente trabalho sem carteira assinada.

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