Abrigo para meninos de rua ganha prêmio por prática humanística

Criança atendida pela Amar

Associação Beneficente Amar

Por Alfredo Mergulhão | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 3 de dezembro de 2015 - 13:01 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:27

Criança atendida pela Amar
Crianças do projeto Amar
Crianças do abrigo com a psicóloga Denise (de óculos) e a assistente social Erika. Acolhida só após menores passarem pelo Juizado da Vara da Infância e Juventude do Rio

Um sobrado situado na Rua Duque de Caxias, em Vila Isabel, é uma das quatro residências que pertencem à Associação Beneficente Amar em suas atividades. É o endereço do acolhimento, onde vive um grupo de 20 crianças e adolescentes retirados das mais diversas situações de vulnerabilidade social, como abandono das famílias e maus tratos.

No local funciona a Casa Frei Carmelo Cox, um projeto premiado, voltado ao atendimento de meninos que estavam na rua ou foram vítimas de violência e negligência dos seus próprios responsáveis. Do portão já se ouve o barulho de tantos jovens reunidos. No fim da manhã, parte dos acolhidos volta da escola. Outros se preparam para ir às salas de aula. E todos se juntam no refeitório para almoçar ao meio dia.

Eles foram parar ali após o judiciário entender que estavam vulneráveis. O grupo fica dividido em três quartos coletivos, separados de acordo com a idade. Os alojamentos ficam arrumados de forma impecável. Nenhum beliche fica com o lençol bagunçado. Nada de roupas pelo chão. Os moradores da casa têm de 7 a 14 anos e aprendem a manter o ambiente familiar.

Roberto José dos Santos, um dos coordenadores do projeto, aponta o dedo para um mural de fotos e diz como estão alguns dos menores que já passaram pela Casa Frei Carmelo Cox.

– A avó assumiu esses dois aqui. Eles agora moram na Pavuna, perto do local onde foram encontrados. Mas um deles vem aqui todo fim de semana, pois se vinculou à paroquia, é coroinha e está no clube vocacional, porque deseja ser padre. Aqueles outros dois são amigos e se reencontraram em uma família acolhedora na Barra da Tijuca – conta.

A maioria dos acolhidos é proveniente de favelas. Atualmente na casa, três vieram da Rocinha, dois do Complexo da Penha, outros dois de comunidades de Santa Tereza e Catumbi. Também tem gente do Morro dos Macacos, Andaraí, Complexo da Maré e favelas de Duque de Caxias. Há ainda crianças que não estavam em comunidades, como um menino encontrado no Rocha e outro que estava na Lapa.

Crianças oriundas de famílias desestruturadas

Os meninos chegam à Casa Frei Carmelo Cox mediante uma ordem do judiciário. É o juiz quem encaminha as crianças e adolescentes para o abrigo, por meio de um convênio. Quando a própria Associação Beneficente Amar encontra um garoto em situação vulnerável, e acolhe, precisa imediatamente avisar o Juizado da Vara da Infância e Juventude do Rio para obter a autorização de recebimento do menor. A capacidade da casa é menor que a quantidade de crianças em vulnerabilidade.

Maioria das crianças é morador de favelas

Assim que acolhe um garoto, o primeiro trabalho da entidade é em localizar os pais e fazer um diagnóstico do ambiente familiar. Após uma série de visitas domiciliares, uma psicóloga e uma assistente social produzem um relatório para ser apresentado ao Juizado da Vara da Infância e Juventude. Neste documento é observado se a família tem condições de receber a criança novamente, se existe a possibilidade de resgatar o vínculo. Nem sempre isso é possível.

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Todas as família têm conflitos. A diferença no caso dessas crianças é que as deles são desestruturadas. A maioria têm mãe que engravidou muito jovem, hoje possui muitos filhos e vive na pobreza. Então as próprias crianças querem sair desse contexto, no qual ficam sem comida, apanhando e assistindo ao uso de drogas

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Era este o contexto familiar de X, quando ele chegou à Casa Frei Carmelo Cox em maio de 2012. O garoto foi retirado da mãe pelo conselho tutelar, quando eles viviam no Largo da Carioca. O menino era vítima de maus tratos e precisou ser levado ao hospital para cuidar dos ferimentos. Assim como as feridas do corpo, as do coração do garoto também foram logo curadas.

A enfermeira que tratou de X começou a visitá-lo na entidade. Depois, conseguiu autorização para passar o fim de semana com ele. Em seguida, obteve a guarda provisória do garoto franzino de 11 anos. E agora ela aguarda a fim do processo de adoção.

– O principal objetivo da associação é reintegrar as crianças e adolescentes à família. Mesmo que não seja a original, a de sangue. O importante é que eles voltem a ter laços afetivos – explicou Mauro Furlam, um dos coordenadores do projeto.

Estadia no abrigo com tempo limitado

Existe um prazo máximo de estadia na Casa Frei Carmelo Cox. O tempo de moradia vai até dois anos. Neste intervalo, a entidade busca um novo lar para os garotos, caso seja inviável o retorno à família. No local há meninos que já estouraram o limite.

Um deles está prestes a completar 16 anos e trabalha como jovem aprendiz em um órgão público. O adolescente é querido na casa e no repartição, mas não consegue uma nova casa. A coordenação da entidade acredita que a razão do insucesso no encaminhamento do garoto é a idade dele.

– Por este motivo nós tentamos atrair mais padrinhos afetivos, que é um de nossos projetos. O apadrinhamento serve para acompanhar o crescimento do menino, lembrar do aniversário dele, levar para tomar um sorvete. Eleva muito a autoestima quando eles sabem que alguém se preocupa – afirma Roberto.

A psicóloga da entidade, Denise Carvalho Ghazi, considera o apadrinhamento importante porque essas crianças têm dificuldades de estabelecer alguma referência, pois elas viveram uma experiência de família que fracassou.

– Aqui a gente maneja conflitos, media o estabelecimento de algumas regras que eles não introjetaram no momento certo. A gente consegue isso mostrando que eles são queridos, ouvidos, respeitados.

[g1_quote author_description_format=”%link%” source_name=”Denise Appolinária, da Amaerj” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Quando os jurados avaliaram a história do trabalho social, o que eles fomentam no presente e as perspectivas de futuro, a casa de acolhida foi unânime. Essas crianças trazem feridas no corpo e na alma, que são curadas lá com amor e formação. Um ano depois do prêmio, a atuação da associação ganha mais relevância, com o poder público olhando para essas crianças como ameaças e não como ameaçadas

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Esta atenção dada para a causa das crianças em situação de vulnerabilidade já rendeu uma honraria à entidade. Em 2014, o projeto desenvolvido na Casa Frei Carmelo Cox foi o vencedor do 3º Prêmio Juíza Patrícia Acioli de Direitos Humanos, promovido pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), na categoria Práticas Humanísticas.

Casas de acolhida espalhas pela cidade

Moradias com refeição e atividades educativas

A vulnerabilidade de crianças e adolescentes é um tema que ganhou os noticiários recentes, com as ações da Polícia Militar para barrar jovens em direção às praias da Zona Sul do Rio e combater arrastões na orla. Mas, muito antes do assunto virar manchete de jornal, a Associação Beneficente Amar já lidava com a complexa realidade que envolve a população de menores de idade que vive em comunidades ou perambulando pelas ruas. A entidade possui quatro casas onde defende o direito desse público.

Pouco mais de três quilômetros da Casa Frei Carmelo Cox, em São Cristóvão, outra residência da entidade fica de portas abertas para receber crianças e adolescentes que perambulam pelas vias da cidade. Eles chegam ao Centro Sócio Educativo Estrela da Amar, localizado na Rua Bahia, depois de serem abordados pelos educadores da associação beneficente.

Nesta residência, os menores de idade encontram comida, chuveiro, sala de informática e atividades educativas, como oficinas de capoeira, culinária e dinâmicas de grupo que abordam os direitos humanos. Durante essas visitas, eles são orientados a deixar as ruas.

[g1_quote author_name=”Mauro Furlam” author_description=”Diretor da Amar” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A maioria tem problema de relacionamento com as drogas, como maconha, tíner e loló. Isso atrapalha a vida deles e nosso trabalho. Temos que conversar quando eles estão lúcidos. Alguns praticam furtos, mas não andam armados nem fazem parte de facções. Pelo contrário. Se eles fossem do crime organizado não estariam perambulando pelas ruas, mas nas favelas dominadas

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Furlam é italiano e vive no Brasil desde 2003, quando veio participar de projetos sociais. Ele já rodou toda a América Latina promovendo ações em defesa das crianças e adolescentes.

– O perfil mudou completamente. Não encontramos mais aquele menino engraxando sapato, fruto da pobreza. Agora é fruto de desestruturação familiar. Todos tem uma família, moram em uma comunidade, mas não conseguem viver na casa.

A Amar também tem projetos para evitar que a situação chegue ao ponto dos meninos deixarem o lar e passarem a viver na rua. São mais duas casas que ficam no Grajaú, Zona Norte do Rio, e em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Nestes dois espaços, crianças recebem acompanhamento no período de contraturno escolar. Trata-se de um trabalho preventivo, voltado para crianças em situação de vulnerabilidade, mas que ainda estão com suas famílias.

ONG tenta diversificar fontes de financiamento

Ao todo, cerca de 750 crianças e adolescentes são atendidos por ano nos projetos da Amar. Para manter as quatro casas de portas abertas, a entidade precisa de R$ 1,6 milhão anualmente. Até julho de 2015, a associação beneficente contava com patrocínio da Petrobrás. A empresa oferecia R$ 600 mil por ano. Desde que a estatal entrou na linha de tiro da Operação Lava-Jato passou a reduzir projetos e promover corte de despesas. A Amar foi atingida em cheio.

A alternativa financeira tem sido o apoio de entidades católicas da Itália, Áustria , Bélgica, Alemanha, Espanha e Holanda. Há também um convênio firmado com a Prefeitura do Rio, que repassa R$ 700 por criança, todos os meses. Isso significa uma verba mensal de R$ 14 mil.

Para manter todos os seus 40 funcionários trabalhando com carteira assinada, a Amar aposta em uma negociação em andamento. A entidade busca um patrocínio com a empresa Rexam, uma multinacional que fabrica latas de bebidas, como refrigerantes e cerveja.

Esporadicamente, a Amar ainda recebe o trabalho de voluntários. O mais recente é da Engenheiros Sem Fronteira, uma organização social que realiza projetos na área de engenharia. Eles fizeram um projeto para instalar placas de captação energia solar que deve reduzir os custos com eletricidade. E outro de captação de águas pluviais, para diminuir o consumo onde a máquina de lavar funciona o dia todo, a descarga do banheiro não para e a pia está sempre aberta.

Alfredo Mergulhão

Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Goiás. Trabalhou nos jornais "Diário da Manhã", "O Hoje" e "O Popular", de Goiânia. Desde 2014 está Rio, onde trabalhou no Portal UPP e, atualmente, no "Extra".

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Um comentário em “Abrigo para meninos de rua ganha prêmio por prática humanística

  1. Michelle Fernandes da Silva disse:

    Boa tarde meu nome Michelle Fernandes estou precisando de uma para morra estou de forvo na casa das preciso de uma vaga de trabalho com urgência

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