Asfalto e favela no mundo da política rachada

Partido Novo e FFP apostam em propostas concretas para fugir das armadilhas da corrupção

Por Fernando Molica | ODS 1ODS 8 • Publicada em 8 de novembro de 2017 - 08:33 • Atualizada em 9 de novembro de 2017 - 12:10

O Partido Novo e a FFP acreditam em soluções próprias para não repetir os erros do Congresso atual. Foto André Dusek/NurPhoto
O Partido Novo e a FFP acreditam em soluções próprias para não repetir os erros do Congresso atual. Foto André Dusek/NurPhoto
O Partido Novo e a FFP acreditam em soluções próprias para não repetir os erros do Congresso atual. Foto André Dusek/NurPhoto

Um fala em livre mercado, empreendedorismo e diminuição do tamanho do Estado. O outro defende uma “economia comunistarista,” combate os modelos de desenvolvimento submetidos ao capital internacional e sonha com uma democracia participativa ou semidireta, diferente do modelo representativo adotado na maior parte do ocidente.

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Temos o nosso diferencial, que tem a ver com o modo de vida nas favelas, lá, ao contrário do que ocorre no asfalto, o papo é reto. Se a pessoa não mantiver este compromisso estará fora do partido, ela terá que respeitar princípios de solidariedade e de cooperativismo

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Opostos em concepções, visões de mundo e propostas, o Partido Novo e a Frente Favela Brasil (FFB) entram em campo com o desafio de mostrar a viabilidade de uma política fincada em propostas. Uma forma de atuar que seja capaz de resistir ao processo que tritura a credibilidade de quase todos os partidos brasileiros e que tem seu símbolo máximo no PMDB, “empresa de venda de apoio parlamentar”, segundo Marcos Nobre, professor de filosofia política da Unicamp.

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Novo e FFB têm processos de gestação parecidos, a constatação de que ideias e/ou grupos sociais não eram representados nos partidos existentes. “Ainda no segundo governo Lula, nós, empresários, profissionais liberais, percebemos como era falso aquele cenário de indicadores econômicos favoráveis, de desemprego baixo e PIB alto. Sabíamos que se tratava de um governo corrupto, ineficiente, que não prestava serviços de qualidade”, afirma a economista Patrícia Vianna, presidente do Novo-RJ, ex-diretora do banco UBS/Pactual, hoje dona de um escritório que administra patrimônios familiares.

“Podíamos montar uma ONG, cuidar de velhinhos, de criancinhas. Mas concluímos que, para melhorar o país, teríamos que participar mais ativamente da vida política, e a ferramenta seria um partido político, uma tarefa bem difícil, que fizemos questão de percorrer sem atalhos”, conta.

O caminho de Patrícia foi semelhante ao seguido pela advogada Flávia Pinto Ribeiro, que chegou ao FFB ao ler, no Facebook, postagens de Celso Athayde, produtor de eventos, ativista, fundador da Central Única das Favelas (Cufa). Os textos partiam da falta de representatividade de negros e moradores de favelas na política para propor a formação de um partido específico. Hoje, Flávia é presidente do diretório provisório do FFB no Estado do Rio (o partido ainda vai buscar seu registro definitivo na Justiça Eleitoral).

Bernardinho, ex-técnico da seleção de vôlei é a aposta do Partido Novo para o governo do Rio. Foto Thomás Santos/AGIF
Bernardinho, ex-técnico da seleção de vôlei é a aposta do Partido Novo para o governo do Rio. Foto Thomás Santos/AGIF

“Não há representatividade do negro em nenhuma esfera de poder. Dos 513 deputados, apenas 6% são negros, é preciso que estejamos nos espaços de decisão. Queremos escurecer o Congresso, no melhor sentido da palavra”, diz a advogada, nascida em Salvador, filha de um carioca, ex-morador de uma favela no Engenho Novo (zona norte da cidade). Em sua página na internet, o FFB discorre sobre o conceito de “favelismo”, assim definido: “O movimento favelista é uma grande corrente puxada por aqueles que até aqui sofreram com as consequências das desigualdades sociais, mas que mesmo assim, sabem que têm a responsabilidade de colaborar para a construção de um lugar onde todos, de fato, sejam iguais em oportunidades, direitos e deveres”.

No campo ideológico, o Novo empunha o estandarte do liberalismo clássico, identificado com propostas associadas ao campo da direita democrática: bate tambor para as liberdades individuais, ressalta o papel do indivíduo como agende de mudanças e único gerador de riquezas. Já o FFB tem maior proximidade com a esquerda, mas, de acordo com Flávia, “vai além” desse ideário. “O FFB não entrará na favela para oferecer serviços, mas para dizer que seus moradores podem fazer a própria história, participar do processo político”, ressalta.

De boas intenções, grandes partidos nasceram cheios. O PSDB foi fundado como uma costela ficha-limpa do PMDB dominado por Orestes Quércia (1938-2010), político paulista (chegou a governar o estado) identificado com propostas nada republicanas. Nos anos 1980, o então jovem PT, de tanto falar em moralidade pública, foi chamado pelo pedetista Leonel Brizola de UDN “de macacão e tamancos” – a União Democrática Nacional (1945-1965) de Carlos Lacerda era focada no combate à corrupção. Como, então, o Novo e o FFB pretendem escapar do que foi chamado de processo de peemedebização dos partidos, uma espécie de força gravitacional que puxa para o campo do fisiologismo e do toma lá-dá-cá até políticos até então acima de qualquer suspeita?

[g1_quote author_name=”Patrícia Vianna” author_description=”Dirigente do Novo-RJ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Podíamos montar uma ONG, cuidar de velhinhos, de criancinhas. Mas concluímos que, para melhorar o país, teríamos que participar mais ativamente da vida política

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Celso Athayde, fundador da Cufa e um dos criadores da Frente Favela Brasil. Foto Reprodução do Twitter
Celso Athayde, fundador da Cufa e um dos criadores da Frente Favela Brasil. Foto Reprodução do Twitter

Patrícia aposta, em primeiro lugar, na desvinculação do Novo com os esquemas tradicionais de financiamento. O partido recebe, mas não utiliza, os recursos do Fundo Partidário – quer devolver para o Tesouro Nacional os cerca de R$ 2 milhões já enviados pelos cofres públicos.  A agremiação é financiada pela renda de eventos (cursos, palestras, seminários) e por contribuições obrigatórias de seus filiados que, como acionistas, assim teriam o direito de influenciar de maneira mais decisiva nos rumos da empreitada.

Para reafirmar a necessidade de distância de dinheiro público, o Novo também limita o número de assessores que cada um de seus parlamentares – elegeu quatro vereadores no ano passado – pode ter. Eleito no Rio, Leandro Lyra teria direito a 21 cargos, mas foi obrigado a nomear apenas seis pessoas. As outras vagas não foram preenchidas.

Os eleitos têm que assinar documento em que se comprometem a cumprir o programa partidário e a respeitar normas em relação ao uso de verbas públicas. E só conseguem legenda para se candidatar se passar por um processo de seleção compatível com o de grandes empresas – há prova, necessidade de apresentação de vídeo com suas propostas, entrevista diante de uma banca de cinco pessoas, obrigatoriedade de  comparecer a eventos e de participar de um longo programa de treinamento.

Tudo isso, afirma Patrícia, vai colaborar para que os de 20 a 30 deputados federais que o Novo pretende eleger em 2018 assumam posturas menos ortodoxas – o comitê de ética do partido estará atento para eventuais tentações, alerta. Segundo ela, isso não impedirá que parlamentares não possam conversar e negociar – aqui, no sentido honesto do termo – com outros deputados. Mas, acredita, evitará casos de traição às propostas do partido e ao compromisso com filiados e eleitores. “Estamos mais preocupados em fazer o certo do que com o se vai dar certo”, resume.

No ano que vem, o Novo lançará alguns candidatos a governos estaduais – Bernardinho, ex-técnico da seleção de vôlei é o nome favorito para o Rio de Janeiro. Ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco filiou-se à legenda, mas diz a dirigente, ficará como presidente da fundação criada pelo partido.

No outro lado do tabuleiro, Flávia aposta no compromisso daqueles que vierem a ser eleitos pelo FFB, mas admite não poder garantir que todos ficarão fora de algum esquema de corrupção. Mas, como vacina, remete a uma tradição das favelas “Temos o nosso diferencial, que tem a ver com o modo de vida nas favelas, lá, ao contrário do que ocorre no asfalto, o papo é reto. Se a pessoa não mantiver este compromisso estará fora do partido, ela terá que respeitar princípios de solidariedade e de cooperativismo”, frisa.

Fernando Molica

É carioca, jornalista e escritor. Trabalhou na 'Folha de S.Paulo', 'O Estado de S.Paulo', 'O Globo', TV Globo, 'O Dia', CBN, 'Veja' e CNN. Coordenou o MBA em Jornalismo Investigativo e Realidade Brasileira da Fundação Getúlio Vargas. É ganhador de dois prêmios Vladimir Herzog e integrou a equipe vencedora do Prêmio Embratel de 2015. É autor de seis romances, entre eles, 'Elefantes no céu de Piedade' (Editora Patuá. 2021).

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