Código Florestal nas mãos do STF

Ambientalistas e cientistas alertam que, sem alterações, nova lei ambiental pode provocar insegurança alimentar e hídrica

Por Liana Melo | FlorestasODS 14 • Publicada em 28 de setembro de 2017 - 08:23 • Atualizada em 29 de setembro de 2017 - 14:15

Área desmatada na Amazônia próxima ao Parque Nacional de Juruena. Foto Isaac Risco-Rodriguez/DPA
Área desmatada na Amazônia próxima ao Parque Nacional de Juruena. Foto Isaac Risco-Rodriguez/DPA
Área desmatada na Amazônia próxima ao Parque Nacional de Juruena. Foto Isaac Risco-Rodriguez/DPA

O escritor uruguaio Eduardo Galeano disse, certa vez, que “na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre”. Se adaptada para o Brasil contemporâneo, a sentença poderia ser reciclada para na luta do bem contra o mal, é sempre a floresta que morre. O futuro da Amazônia está nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).  Caberá a eles decidir se o novo Código Florestal será ou não uma ferramenta de política pública para proteger a vegetação nativa do país. O julgamento está marcado para o dia 11 de outubro. A última audiência pública, ocorrida no dia 13 de setembro marcada para votar as ações que pedem a inconstitucionalidade de parte da nova lei, terminou sem votação devido ao adiantado da hora.

“O que está em jogo é nossa segurança alimentar, hídrica, climática e energética”, avalia o professor da Unicamp e membro da Academia Brasileira de Ciência, Carlos Alfredo Joly. Ele esteve no encontro em Brasília e não gostou do que viu e ouviu. Lembrou que o relator da matéria, ministro Luiz Fux, não declarou seu voto, mas lançou mão de uma narrativa obtusa e pautada por uma “ótica do século XIX”. Para ele, resumir a discussão de um dos capítulos mais importantes da história ambiental brasileira a uma disputa irreconciliável entre ambientalistas e ruralistas é, no mínimo, “reducionismo”.

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O que está em jogo é nossa segurança alimentar, hídrica, climática e energética

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Cinco dias antes da audiência pública, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou carta à presidente da Suprema Corte, ministra Carmen Lúcia – a quem caberá trazer o tema de novo à pauta do STF -, reafirmando as preocupações da comunidade científica em relação ao novo Código Florestal. Desde sua aprovação em 2012, a lei vem sendo considerada retrógrada e, por isso, questionada, desde então, por quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs): três delas encaminhadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) e outra pelo Psol. As ações tratam respectivamente da redução da reserva legal, da anistia para a obrigação de recuperar áreas desmatadas, da redução das áreas de preservação permanente (APPs) e das cotas de reserva ambiental, esta última de autoria do partido. Caberá ainda ao ministro Fux dar seu parecer sobre uma única Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) ajuizada pelo Partido Progressista, que pede ao STF que reconheça como constitucionais as ADIs da PGR.

Área de exploração ilegal de madeira na Amazônia flagrada por uma operação do Greenpeace. Foto Raphael Alves/AFP

No texto, a SBPC alertou que entre as alterações legislativas que estão sendo questionadas está a nova fórmula de cálculo para medir as APPs de margens de rios, que, em última análise, são responsáveis por garantir a qualidade e a quantidade de água. Pela lei anterior, o cálculo era feito no período de cheia do rio. Com a nova lei, a medição passou a ser feita pela média entre a cheia e a vazante. O resultado, alertam os cientistas, é a “desproteção de 40 milhões de hectares de várzeas e áreas alagadas na Amazônia, extensão similar aos territórios de Goiás e Espírito Santo”.  Eles chamam a atenção ainda para o fato de a nova lei dispensar a recomposição das reservas legais irregularmente desmatadas para propriedades com até quatro módulos fiscais, o que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), resultará em cerca de 30 milhões de hectares dispensados de recuperação, área maior que São Paulo e Rio de Janeiro juntos.

Apesar dos alertas da comunidade científica, que já produziu mais de 300 estudos contra o novo Código Florestal, a bancada ruralista vem levando vantagem nessa disputa e ganhando espaço. O maior reservatório de água do país, a Usina de Serra da Mesa, na Bacia do Alto Tocantins, em Goiás, por exemplo, vive uma grave crise hídrica, dado que está operando com 9% a menos da sua capacidade original.  Essa situação, chamou a atenção o advogado Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA), também presente a audiência, é consequência direta do desmatamento nas áreas de proteção permanentes (APPs) e nas áreas de reserva legal (RLs) – espaços territoriais especialmente protegidos pelo Código Florestal. “Os alertas da ciência estão sendo sistematicamente ignorados”, diz ele.

Joly em parceria com o especialista em Ecologia da Paisagem e Biologia da Conservação, Jean Paul Metzger, publicou, recentemente, artigo em que enfatiza que, ao contrário do que ressaltou o ministro Fux, a disputa não se restringe entre ambientalistas e ruralistas. Contesta, com números, que não há necessidade de retirar vegetação nativa para expandir a produção agrícola. “Há pelo menos 55 milhões de hectares de pasto com aptidão agrícola, que, atualmente, estão subutilizados, e que poderiam dobrar a área agrícola brasileira, sem prejudicar a produção pecuária, que poderia ser facilmente intensificada com tecnologias e boas práticas já disponíveis”. O Brasil já tem mais gado do que gente. Ainda nesse artigo, a dupla de cientistas argumenta que a vegetação nativa traz múltiplos benefícios à produção agrícola, como proteção de nascentes e aquíferos, controle de pragas e polinização de diversos cultivos. A polinização por abelhas nativas pode aumentar a produção do café de 20% a 30%.

O futuro do país, do ponto de vista ambiental e também energético, está nas mãos do ministro do STF. Apesar dos ambientalistas e cientistas já terem sido derrotados em muitas batalhas – o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um dos poucos pontos do Código Florestal considerado um avanço – Guetta prefere acreditar que a guerra não está perdida. É esperar para ver. E torcer para ele estar certo.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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