Os bons ventos da energia eólica

Salto científico e tecnológico é fundamental para mitigar a crise ambiental

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoEconomia VerdeODS 14 • Publicada em 14 de abril de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:43

Parque eólico “La Rumorosa”, no México
Parque eólico "La Rumorosa", no México
Parque eólico “La Rumorosa”, no México

Na história da humanidade, houve avanços civilizatórios provocados pela pressão da escassez, enquanto outros ocorreram em função dos conhecimentos científicos e tecnológicos aperfeiçoados pela inventividade racional. Nessa segunda perspectiva, pode-se dizer, com toda certeza, que “a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras”.

A inteligência e a observação humana deflagraram a Revolução Agrícola, há 12 mil anos – viabilizando os primeiros assentamentos urbanos, a linguagem escrita, as artes, etc. Foi também o intelecto de inventores como James Watt, Edmund Cartwright, James Hargreaves, George Stephenson, dentre outros, que impulsionou a Revolução Industrial e Energética, há 250 anos – possibilitando um grande salto na economia global, no transporte, no progresso cultural e na melhoria das condições de vida da população mundial.

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Mas o crescimento da disponibilidade energética per capita não gerou somente lucros e bem-estar. Houve também um grande custo ambiental

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O uso de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás) e o represamento dos rios para a construção de usinas hidrelétricas gerou uma ampla disponibilidade de energia elétrica que turbinou as atividades econômicas, viabilizando avanços inimagináveis nas formas de produzir e consumir, na saúde, educação, literatura, cinema, televisão, internet, etc.

Mas o crescimento da disponibilidade energética per capita não gerou somente lucros e bem-estar. Houve também um grande custo ambiental. Os artigos de Suzana Kahn, aqui no projeto Colabora, com base na literatura científica, mostram de maneira bastante clara que a queima de combustíveis fósseis emite gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e os efeitos climáticos extremos que podem comprometer o atual modelo de produção e consumo e reverter as conquistas dos últimos 250 anos. Ela diz: “Assim, um meio alternativo de mitigação de gases de efeito estufa é atuar na busca da felicidade, revendo os conceitos de progresso e desenvolvimento”.

Da mesma forma, os lucros gerados pelas usinas hidrelétricas provocaram danos ecológicos desastrosos. A série de reportagens sobre a usina de Belo Monte, feitas por Marceu Vieira, aqui no site Colabora, não deixam dúvidas de que o empreendimento é um “crime ambiental”, que afeta o livre fluxo das águas do rio Xingu, interfere no processo reprodutivo dos peixes, inunda áreas de floresta, prejudica a biodiversidade, gera enorme contingente de deslocados pela barragem, tumultua a vida dos ribeirinhos e contribui para o genocídio dos índios e da cultura indígena. Em entrevista com Dom Erwin Kräutler, o bispo da Prelazia do Xingu disse:

“Para mim, o problema, desde o início, não é que o Brasil precise de energia. Isso é lógico. Ninguém vai questionar isso. O problema é a captação da energia. Será que a única maneira de captar energia é sacrificar um rio do tamanho do Xingu? Porque o que está acontecendo é o sacrifício do meio ambiente, o sacrifício do rio”.

Portanto, não resta dúvida que o Brasil precisa de energia. A usina de Belo Monte tem potência instalada de 11.233 Megawatts – MW (ou 11,2 Gigawatts – GW), mas, por operar por fio d’água, deverá produzir efetivamente cerca de 4.500 MW (4,5 GW) em média ao longo do ano. Mas a produção de energia, numa perspectiva ecocêntrica, não deveria afetar os direitos intrínsecos dos rios, das águas e das espécies que não suportam a exploração e a restrição de liberdade.

Saraivada de críticas

A política energética nacional tem sido alvo de críticas. Os últimos governos brasileiros, com objetivos nobres ou escusos, deram ênfase à exploração dos combustíveis fósseis do pré-sal e à construção de hidrelétricas na Amazônia, ao contrário do que propõe os tratados internacionais, como o Acordo de Paris, aprovado na COP-21. Mas existem outras alternativas?

Evidentemente, sim, pois existe uma corrida global pelas energias renováveis. Segundo dados da International Renewable Energy Agency (IRENA), a capacidade instalada de energia eólica no mundo era de 6,1 Gigawatts (GW) em 1996 e atingiu 435 GW em 2015. Houve um crescimento de quase 71 vezes em 20 anos. A capacidade de geração de energia eólica mundial era pouco maior do que uma usina de Belo Monte em 1996 e passou para o equivalente a quase 100 usinas de Belo Monte no ano passado. Somente em 2015, foram instalados aerogeradores eólicos com capacidade de 54 GW, o que equivale a 12 usinas de Belo Monte, em um único ano.

As melhorias recentes em tecnologias de energia eólica, a redução dos custos, bem como a mudança de contexto global em busca de fontes mais limpas para descarbonizar a economia, explicam o cenário mais positivo para o setor de energia eólica. Em palestra na Universidade de Berkeley em 2011, o cientista Ray Kurzweil (que trabalha atualmente na Google) disse, com base em uma adaptação da “Lei de Moore”, que seria possível manter a tendência de dobrar a capacidade instalada a cada dois anos, o que significa multiplicar por mil vezes, em duas décadas: “Nesse ritmo vamos atender 100% das nossas necessidades de energia em 20 anos”.

A realidade mostrou ser exagerado o otimismo de Ray Kurzweil. Mas o crescimento da capacidade instalada de energia eólica tem sido impressionante, embora a taxa de incremento tenha sido decrescente nos últimos 20 anos. No começo da série, a base inicial de comparação era muito baixa e o crescimento ficou em torno de 30% ao ano. Mas o ritmo de aumento da capacidade instalada foi diminuindo na medida que a base de comparação se ampliava. Entre 2013 e 2015 o ritmo de acréscimo estava em torno de 15%, que é a metade do ritmo apresentado no início da série, mas assim mesmo uma taxa bastante elevada.

Realizando um exercício de projeção para os próximos 20 anos, projetamos o crescimento da capacidade instalada de energia eólica até 2035. Mesmo com a taxa de variação diminuindo, o crescimento da capacidade instalada de energia eólica até 2035 será fantástica e poderá atingir o montante de 4 mil Gigawatts (GW) ou 4 milhões de MW. Esta projeção é consistente com os cálculos da Irena (International Renewable Energy Agency). A oferta poderá ser multiplicada por 8 vezes nos próximos 20 anos.

Em 2015, os países líderes na capacidade instalada foram China (148 GW), Estados Unidos (74 GW), Alemanha (45 GW), Índia (25 GW) e Espanha (23 GW). O Brasil tinha 9 GW de capacidade instalada em 2015. O mundo tem hoje o equivalente a cerca de 100 usinas de Belo Monte em energia eólica. Em 2036, serão cerca de 1.000 usinas de Belo Monte. Um montante semelhante será gerado pela energia solar. Daqui a 20 anos, a matriz energética mundial poderá contar com o equivalente a 2 mil usinas de Belo Monte em energia eólica e solar (9 mil GW). Esse é o futuro desejado e alinhado com o Acordo de Paris e com as recomendações do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change.

Devemos reconhecer que, assim como a Idade da pedra não acabou por falta de pedras, a Era da exploração dos combustíveis fósseis e do represamento dos rios poderá ser superada pelo avanço de uma matriz energética sustentada em tecnologias que usem fontes de energia renováveis e ambientalmente amigáveis. Tanto a energia eólica quanto a energia solar apresentam crescimento exponencial nos últimos anos. Os conhecimentos técnicos estão disponíveis na comunidade internacional. Com políticas públicas adequadas o Brasil pode reduzir a auto infringida dependência da exploração de petróleo e gás do pré-sal, além de salvar os rios, especialmente aqueles da Amazônia que ainda não foram submetidos à lógica instrumental do lucro e da destruição ecológica.

O crescimento da produção de energia eólica (e solar), mesmo não sendo uma panaceia para todos os problemas do modelo atual de desenvolvimento, pode contribuir para mitigar as dificuldades advindas de um possível “pico do Petróleo” e do aumento do aquecimento global, na medida que gera menor emissão de CO2. Para mitigar a atual crise ambiental e as mudanças climáticas, o caminho não é voltar para o tempo das cavernas, mas sim promover um novo salto científico e tecnológico.

Todavia, como alertou o professor e ambientalista Ted Trainer (2008), as energias renováveis não são suficientes para manter o crescimento massivo do padrão de consumo conspícuo. O sol e o vento são recursos naturais abundantes e renováveis, mas não são capazes de salvar a sociedade do luxo e do lixo. Reduzir as emissões de gases de efeito estufa é fundamental para diminuir a Pegada Ecológica global. Mas o mundo precisa também conter o crescimento econômico ilimitado, mudar o padrão de consumo, cercear a poluição em todas as suas formas, caminhar para o “estado estacionário” (ou decrescimento) e adotar um estilo de vida que coloque o ser humano em harmonia com a natureza e a manutenção da biodiversidade.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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