O Sol irradia diariamente sobre a Terra o equivalente a 10 mil vezes a energia consumida pela humanidade. Com o aproveitamento de pequena parte desse potencial, os raios solares poderiam ser a grande fonte de energia renovável da civilização. A energia solar é uma fonte abundante e pode ser produzida de maneira relativamente limpa, inovadora e descentralizada. Uma revolução verde nessa área poderia democratizar o acesso da eletricidade e, ao mesmo tempo, estimular o poder dos “prosumidores”: indivíduos, famílias ou comunidades capazes de produzir e consumir, simultaneamente, as suas próprias necessidades energéticas.
Segundo o site Bloomberg New Energy Finance (BNEF), o preço de uma célula de energia fotovoltaica que custava US$ 76,67 por watt em 1977, caiu para US$ 0,74 por watt em 2013 e chegou a US$ 0,34 por watt em este ano. Com valor competitivo e abaixo do preço do carvão mineral, a perspectiva é de uma consolidação da vitória da energia solar sobre os combustíveis fósseis e uma inversão na prioridade dos investimentos.
O relatório da ONU, “Tendências globais em investimento em energia renovável 2016”, mostra que os investimentos em energias renováveis bateram todos os recordes em 2015 e o montante investido em energia solar superou o recurso aplicado em energia eólica. Um fato significativo aconteceu no começo de abril de 2016, quando, pela primeira vez, os domicílios e empresas da Grã-Bretanha – berço da Revolução Industrial – receberam mais eletricidade provindas da energia solar do que das usinas movidas a carvão mineral.
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Veja o que já enviamosDe fato, o crescimento da capacidade instalada de energia fotovoltaica no mundo passou de 0,7 Gigawatts (GW) em 1996, para 228 GW em 2015, um crescimento de 326 vezes em 20 anos. A energia solar fotovoltaica é a fonte energética com a maior taxa de crescimento global, superando inclusive o desempenho da energia eólica, que é uma outra fonte muito promissora.
Atualmente, a produção e distribuição de energia, quer seja do petróleo, das hidrelétricas ou das usinas nucleares, estão, majoritariamente, concentradas em grandes empresas e/ou nas mãos do Estado. A população é uma simples consumidora e depende das decisões tomadas de forma centralizada pelas “elites” do setor.
Acontece que a produção de energia solar pode ocorrer de baixo para cima e em pequena escala, sendo uma opção atraente e viável para as pessoas e associações comunitárias. O uso de painéis fotovoltaicos no teto das casas ou em áreas pertencentes às coletividades é uma forma de produção voltada ao autoconsumo e que permite a venda do excedente energético. As pequenas unidades podem fortalecer a figura do “prosumidor” (produtor + consumidor), mudando a relação entre os polos da equação energética.
Sem energia não há desenvolvimento. A produção desconcentrada pode fortificar a democratização do consumo e da produção de uma energia renovável, mais limpa e amiga do meio ambiente. A geração territorialmente referenciada e descentralizada reduziria os custos e as perdas das linhas de transmissão de longas distâncias e seria um instrumento para o fortalecimento do desenvolvimento sustentável e local. Energia solar e veículos elétricos poderiam revolucionar o setor de transporte global, com a autoprodução de combustíveis de baixa emissão de carbono.
Um exemplo de produção de energia renovável sobre controle da comunidade vem da Dinamarca. A ilha de Samso iniciou os esforços para se tornar autossuficiente em termos energéticos em 1997, objetivando ficar livre dos combustíveis fósseis. Hoje, os habitantes locais não só cobrem as suas próprias necessidades energéticas como vendem a sobra. Embora a população seja majoritariamente rural, implantou painéis fotovoltaicos e pequenos gerogeradores que abastecem as necessidades domésticas e geram lucro através da venda do excedente da energia produzida. A ilha de Samso continua ligada à rede elétrica da Dinamarca, mas a energia que chega à ilha é muito menor do que a energia que sai, sendo que o valor exportado de energia superou o valor das exportações de batatas.
Erro estratégico no Brasil
Também a ilha de El Hierro, no arquipélago das Canárias, se tornou 100% renovável. Porém, enquanto o mundo avança na produção de energias renováveis, os últimos governos brasileiros fizeram uma opção estratégica, ambientalmente equivocada, de investir centenas de bilhões de reais na produção de petróleo do pré-sal e no represamento dos rios da Amazônia para construir usinas hidrelétricas, tais como Jirau, Santo Antônio e Belo Monte.
Acontece que o petróleo, o gás e o carvão são combustíveis poluidores, não renováveis e tecnologicamente ultrapassados e que emitem grande quantidade de gases de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global e a elevação do nível dos oceanos. Já os lagos das hidrelétricas inutilizam grandes extensões de terra, rompem com o fluxo natural das águas e dos peixes, emitem gás metano, prejudicam as populações ribeirinhas e reduzem a biodiversidade.
Evidentemente, a transição energética de fontes fósseis para fontes renováveis não é simples, como mostra o artigo de Gail Tverberg (2014) que relaciona dez problemas que dificultam esse processo de transformação. A energia alternativa não é uma panaceia para todos os males do país e do mundo. Mas o processo de difusão e de popularização da energia solar é uma janela de oportunidade mais afinada como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com as demais recomendações de sustentabilidade da ONU.
A energia solar representa menos de 0,5% da matriz energética brasileira. A boa notícia é que, mesmo com atraso, o país saltou cinco posições no ranking mundial de capacidade instalada e já está entre os 20 maiores geradores de energia solar no mundo, de acordo com o boletim “Energia Solar no Brasil e no Mundo”, do Ministério de Minas e Energia (MME).
Desta forma, ao invés de priorizar a exploração das jazidas abissais de petróleo do pré-sal e o represamento e degradação dos rios da Amazônia, o Brasil tem a alternativa e o privilégio de avançar com as tecnologias de aperfeiçoamento da produção de energias renováveis do século XXI, aproveitando as enormes “jazidas” de sol e vento que a natureza nos oferta gratuitamente. Isso pode ser feito de forma descentralizada, democrática, ambientalmente sustentável e fortalecendo o desenvolvimento local.
O país tem a chance histórica de seguir o caminho rumo a uma matriz energética 100% renovável, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa, descarbonizando a economia, diminuindo a Pegada Ecológica e mitigando os efeitos perversos das mudanças climáticas. Basta garantir energia e poder à população brasileira. Como disse John Lennon: “Power to the people, right on”
Muito bom seu texto senhor José Eustaquio. Só que fiquei com a seguinte dúvida quando aos dados informado no texto quando você fala do preço da célula em 1977. Já na figura este mesmo valor é em 1997, qual está correta?
E esta figura mostrando o crescimento da capacidade instalada no mundo, você retirou de qual informativo da EPIA? Teria como me informar a fonte, pois gostei muito desses dados que são atuais.
Olá tiago,
Voce pode conseguir informações atualizadas nos links abaixo:
Global Market Outlook 2016-2020
http://www.solarpowereurope.org/insights/global-market-outllook/
Renewable Energy Statistics 2016
http://www.irena.org/menu/index.aspx?mnu=Subcat&PriMenuID=36&CatID=141&SubcatID=2738
Abs, José Eustáquio