Um dos grandes enigmas do mundo é a escada de shopping. Não a rolante, que vive lotada. Mas a outra, aquela que exige o supremo esforço de subir vinte ou trinta degraus. Ali ninguém pisa.
Existe alguma explicação para esse fenômeno numa sociedade onde as pessoas são obcecadas pela forma física?
Não faltam academias de ginástica – para usar a definição vintage – onde se paga uma fortuna para suar litros. Máquinas simulam corridas, caminhadas, escaladas, remadas, toda ou qualquer atividade que um ser humano possa realizar. No entanto, fora daquele ambiente, essas mesmas pessoas fazem tudo que é possível para poupar esforço, por menor que seja, como aqueles míseros degraus do shopping que não exigem nem um mililitro de suor.
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Veja o que já enviamosSe fizermos as contas em calorias, o que economizamos com aparelhos para poupar esforço, como elevadores e escadas rolantes deve ser parecido com o que gastamos com esteiras e bicicletas ergométricas. E se a conta for em dinheiro, descobrimos que gastamos em dobro.
[/g1_quote]Talvez achem que esforço físico, se não for esporte, é coisa de operário. E a gente sabe que, se existe uma coisa ofensiva à elite é ser confundida com o proletariado. Então o esforço burguês tem que ser restrito a um local específico, muito bem pago e também não pode ter finalidade alguma a não ser o próprio bem-estar. Ficar horas numa esteira que não leva a lugar algum, ok. Mas levantar uma parede, montar uma mesa, nem pensar. Isso é coisa de trabalhador.
Existe também a ideia de que a academia moderna é um centro tecnológico, criado pelos melhores cientistas espaciais e neurocirurgiões, onde emana o bem-estar e a felicidade. Já andar na rua, subir escadas no shopping ou varrer a própria casa são tarefas que certamente vão resultar em danos, tanto físicos como psicológicos. “O que? Você vai andar dez quarteirões? Tem o atestado médico? Está com o calçado de mil reais adequado? Suas roupas são dry-fit?” ou “Está limpando a casa? O que houve, sua empregada faltou?”
Não se pode desprezar o erro de cálculo do senso comum: andar até o escritório é coisa de miserável. Se for de bicicleta é um hippie. No entanto, ficar preso em engarrafamentos quilométricos durante horas é aceitável, ninguém acha estranho. Como também ir à academia e ficar horas em cima de um aparelho para compensar as horas parado no trânsito é considerado de uma lógica cartesiana. Se fizermos as contas em calorias, o que economizamos com aparelhos para poupar esforço, como elevadores e escadas rolantes, deve ser parecido com o que gastamos com esteiras e bicicletas ergométricas. E se a conta for em dinheiro, descobrimos que gastamos em dobro.
Tudo isso pode parecer uma bobagem sem sentido, mas é das bobagens sem sentido que surgem as grandes oportunidades. Voltando aos shoppings e suas escadas: já que as pessoas estão dispostas a pagar pela sua preguiça, os shoppings podiam cobrar pelo uso das escadas rolantes. E já que essas pessoas estão dispostas não só a pagar pela preguiça como também por uma forma de se livrar das suas consequências, os centros comerciais podiam, com um bom marketing, cobrar também – o dobro- pelo uso das escadas normais. Basta instalar nelas música eletrônica bem alta e chamá-las de stairgym ou steptrainning.
Coisas sem sentido que dão lucro. Outro grande enigma.
o que seria da nossa geração sem seus textos sem sentido, Léo? delícia pura.