Bactéria do bem na soja

Roberto Schulz, pequeno produtor de soja com N2, em Londrina. Foto de Mirian Fichtner

Uso intensivo de biofertilizante pode gerar economia de US$ 20 bilhões por ano em adubação química e ainda reduzir emissões de gás carbônico por safra

Por Liana Melo | Conteúdo de marca • Publicada em 7 de fevereiro de 2018 - 17:43 • Atualizada em 18 de março de 2020 - 17:28

Roberto Schulz, pequeno produtor de soja com N2, em Londrina. Foto de Mirian Fichtner

O produtor rural Roberto Schulz, dono de uma pequena propriedade em Cambé, uma das cidades satélites da região metropolitana de Londrina, no Paraná, não sabe, mas ele vem contribuindo para o país emitir menos gases de efeito estufa. No entorno da casa – uma área de 40 hectares, onde Schulz mora com a mulher, a filha mais nova e muitos cachorros, ele substituiu, em 2011, o café pela soja e, passou a seguir à risca as orientações dos técnicos da Embrapa no cultivo. A propriedade, hoje, serve de área experimental para a Embrapa Soja, baseada na capital do estado.

É lá que bate ponto a cientista e engenheira agrônoma Mariangela Hungria. Ela lidera, na Embrapa, um núcleo que estuda a aplicação da fixação biológica do nitrogênio na cultura da soja. A tecnologia é mais conhecida por sua sigla: FBN, uma simbiose entre bactéria e planta, onde uma fornece nitrogênio e a outra, em troca, compostos orgânicos, ou seiva elaborada. É um processo natural, que pode ser potencializado de duas maneiras, pela inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio nas sementes antes do plantio e pelo uso de estirpes selecionadas, que possuem maior capacidade de fixação.

Mariangela Hungria, pesquisadora da Embrapa. Foto de Mirian Fichtner
Mariangela Hungria, em um dos laboratórios da Embrapa Soja, calcula que, na última safra, o país economizou R$ 20 bilhões ao substituir a adubação química pelos biofertilizantes (Foto de Mirian Fichtner)

Autora de mais de 700 publicações científicas, entre trabalhos, livros e publicações técnicas, a pesquisadora, membro da Academia Brasileira de Ciências, é discípula de Johanna Döbereiner, a cientista tcheca, naturalizada brasileira, que deu deixou um legado importante. Coube a ela dar um uso agronômico para este fenômeno absolutamente natural, impulsionando a técnica no Cerrado, nos anos 1970. Ela começou a se debruçar sobre o assunto na década anterior, quando estudou a aplicação da FBN em diferentes gramíneas.

Desde então, a tecnologia da inoculação tem contribuído para o aumento de produtividade na cultura da soja dispensando a aplicação de fertilizante nitrogenado,, com inúmeras pesquisas lideradas pela Embrapa. Pelos cálculos de Mariangela, considerando a área plantada com soja no país, de 35 milhões de hectares, o rendimento médio das propriedades e o preço do fertilizante nitrogenado, o Brasil economizaria, numa safra, US$ 20 bilhões se substituísse o adubo químico pela fixação biológica do nitrogênio. “É um cálculo teórico”, explica.

O poder das bactérias

A inoculação é o processo por meio do qual bactérias fixadoras de nitrogênio são adicionadas às sementes das plantas antes da semeadura. No caso da soja, a bactéria utilizada é a do gênero Bradyrhizobium (rizobios). A simbiose ocorre em outras gramíneas, como a cana e o milho, só que na presença de outras bactérias. O grande diferencial é que a FBN na soja dispensa completamente o uso de fertilizantes nitrogenados; já nas gramíneas, por critérios fisiológicos da planta, a FBN apenas reduz a necessidade de aplicação de adubação nitrogenada.

As bactérias são adicionadas às sementes das plantas de soja antes da semeadura, aumentando a produção de nódulos. Foto à esquerda mostra a diferença de uma raiz sem FBN e outra com biofertilizante. À direita, a planta de soja que foi inoculada fica bem mais vistosas. Fotos de Mirian Fichtner

Ainda de acordo com a Embrapa, cerca de 75% da plantação de soja do país utilizam biofertilizante, e propriedades de todos os tamanhos fazem uso dessa tecnologia, e Schulz faz parte deste microuniverso. Leguminosas como soja, feijão e amendoim são “verdadeiras fábricas biológicas de adubo nitrogenado”, segundo Mariangela. A FBN ainda reduz o custo de produção, porque o inoculante tem um preço médio inferior ao dos fertilizantes químicos. Nos Estados Unidos, que são o maior produtor mundial de soja, menos de 50% do nitrogênio consumido pela planta é fornecido pelo processo biológico.

A inoculação contínua, no caso da soja, por exemplo, mesmo em um terreno antigo, é capaz de aumentar o rendimento do produtor em 8%, diz Mariangela. No Brasil, onde são vendidas mais de 20 milhões de doses de inoculante ou biofertilizante, o uso intensivo do processo FBN faz com que o país, segundo cálculos da Embrapa, deixe de emitir 65 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.

Matopiba turbinada

Marco Antonio, pesquisador da Embrapa Londrina, que trabalha com a pesquisadora Mariangela Hungria. Foto de Mirian Fichtner

À frente do núcleo de pesquisa da Embrapa Londrina, Mariangela em conjunto com outros pesquisadores, como Marco Antonio, vem selecionando bactérias com maior capacidade de fixação de nitrogênio adaptadas aos solos brasileiros. A meta já foi estabelecida: eles querem desenvolver uma bactéria que consiga sobreviver e fixar o nitrogênio em Matopiba – um acrônimo formado com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Considerada a mais nova fronteira agrícola do país, concentra grande parte da produção de grãos e fibras em meio ao Cerrado brasileiros. Até pouco tempo atrás, a região era considerada sem aptidão forte em agricultura, mas tem chamado a atenção por conta da produtividade cada vez maior.

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Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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