Um dia depois do amanhã

Viagem rápida ao futuro mostra um Brasil livre da hipocrisia

Por Leo Aversa | ArtigoODS 11 • Publicada em 14 de setembro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 14 de setembro de 2016 - 13:14

No futuro idílico do Brasil, nada de Lava Jato, kdkdkkdk ou condução coercitiva. Foto CAIA IMAGE / SCIENCE PHOTO LIBRA / NEW / Science Photo Library
No futuro idílico do Brasil, nada de Lava Jato, CPI ou condução coercitiva. Foto CAIA IMAGE / SCIENCE PHOTO LIBRA
No futuro idílico do Brasil, nada de Lava Jato, CPI ou condução coercitiva. Foto CAIA IMAGE/SCIENCE PHOTO LIBRA

O carro entra na faixa exclusiva da Marginal e Michelzinho acelera, achando graça no engarrafamento nas outras pistas. Agradece mais uma vez à mãe, que não só comprou sua Ferrari como paga a mensalidade da Pista Premium.

Mais uma realização do governo do seu pai, a saudosa Republica Temerária.

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A urna vai funcionar como um caixa eletrônico. O eleitor passa o cartão de crédito,
escolhe o candidato e decide quantos votos quer dar a ele. Cada voto custa um real. A urna emite recibo e nota fiscal.

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De um lado a outro de São Paulo em dez minutos. A 200km/h. Quem precisa de autobahn alemã? Toda essa correria é porque Michelzinho está atrasado para a faculdade. Ele estuda administração na UniUniTê, a Universidade Universal Temer, uma joint venture entre empreiteiras, fundos de pensão e a Igreja Universal

A elite nacional ensina: põe religião no meio que não tem como dar errado

É a primeira universidade que não cobra mensalidade, só dízimo. A reitora é Janaina Paschoal, a advogada mediúnica que elevou o conceito de escola sem partido a um novo patamar.

Só Deus sabe o que vamos aprender.

Michel não está atrasado para uma aula, mas sim para um jantar no Fasano College, dentro da UniUniTê. Está com a noiva, Karen Feliciano, atual it-girl da sociedade paulistana. Ela é bela, recatada, do lar e tem cem seguidores no Instagram Plus

Um seguidor no instagram Plus equivale a dez mil no Instagram das pessoas comuns.

Seus posts, vídeos 4D do seu dia a dia são disputadíssimos. Obras de arte, segundo a própria Karen, que já abriu uma galeria para comercializá-los em séries limitadas. O casal é o símbolo da Nova São Paulo, moderna e civilizada, que deixou para trás os problemas causados por gente diferente

Agora o Tietê tem água cristalina

Um processo engenhoso, desenvolvido na UniUniTê através de um crowdfunding VIP, separa a água limpa da suja, que é encanada antes de entrar na cidade e devolvida ao rio quando chega na periferia.

A poluição do ar acabou.

A Odebrecht Air criou planos de assinatura de ar: você escolhe, na medida do seu orçamento, a qualidade do ar do seu bairro ou condomínio, que vai da mais cara “frescor dos Alpes” à mais básica, “Cubatão Vintage”.

O abastecimento de água também deixou de ser um problema.

Inventou-se um sistema sustentável em que a água é totalmente reaproveitada. O esgoto da vila Conceição, por exemplo, é despejado nas torneiras do Capão Redondo. Assim, os menos favorecidos têm água em abundância e de graça.

O casal símbolo vai se encontrar com os líderes do Partido Murici, a grande novidade na política nacional.

Em tempo de Murici cada um cuida de si. Vote Murici

O jantar nasceu de um acaso: num golpe de vento, um panfleto do Murici entrou voando pela janela de Michelzinho, que já alimentava um projeto há tempos.

Michelzinho quer ser prefeito

2028 é a primeira eleição que acaba com a hipocrisia, segundo os acusados de serem hipócritas. A urna vai funcionar como um caixa eletrônico. O eleitor passa o cartão de crédito,

Visa, patrocinadora oficial das Eleições 2028™

Escolhe o candidato e decide quantos votos quer dar a ele. Cada voto custa um real. A urna emite recibo e nota fiscal.

Vence quem recebe mais votos, como numa legítima democracia.

Aos líderes Michelzinho anuncia o seu plano de lançar títulos de capitalização política: cada voto nele dá ao eleitor um título. Se Michelzinho for eleito devolve o valor gasto nas urnas em “serviços customizados”, como asfalto especial na rua, IPTU reduzido, escolha de trajeto para o transporte público, e, claro, tapete vermelho em qualquer licitação. Tudo limpo, registrado, legal. À prova de Lava-jato, CPI ou condução coercitiva.

O Murici ouve extasiado: primeiro a prefeitura, depois a presidência

Michelzinho percebe o seu momento e lembra das proféticas palavras do pai

Meu fi-lho, o Brasil precisa de nós para levá-lo onde nunca esteve.

Michelzinho agradece ao destino, a profecia vai se realizar.

Bastava um golpe de sorte.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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