ODS 1
Agrogolpistas: relatório disseca relação do agronegócio com o 8 de janeiro

Estudo da organização De Olho nos Ruralistas identifica 142 fazendeiros e empresários do setor que deram suporte logístico ou financeiro aos atos golpistas

A organização De Olho nos Ruralistas – Observatório do agronegócio no Brasil identificou 142 fazendeiros e empresários do setor do agronegócio que deram suporte logístico ou financeiro aos atos golpistas entre o segundo semestre de 2022 e o 8 de janeiro de 2023. Esse número corresponde a 10% dos 1.452 nomes analisados ao longo da pesquisa, que levou quatro meses para ser concluída. Só foram listados no relatório, explicam seus autores, os casos em que houve confirmação absoluta de relação com o agronegócio.
Leu essa? 8 de Janeiro: cicatriz dos atos golpistas ameaça Esplanada como espaço
O relatório “Agrogolpistas” foi lançado para responder a seguinte pergunta: “Quais os nomes dos empresários do agronegócio que financiaram a intentona golpista liderada por Jair Bolsonaro?” O questionamento surgiu após a Política Federal (PF) indiciar, no dia 21 de novembro de 2024, o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado.
A relação dos agrogolpistas com o capital e as megacorporações do agronegócio não pode passar batida
Naquela data, o relatório da PF revelava a existência de um plano, batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, que resumia a trama de homicídio orquestrada por membros da Forças Armadas e do alto escalão do governo. O objetivo final era decretar um regime de exceção e assassinar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
No depoimento dado à Procuradoria-Geral da República, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, declarou ter recebido cerca de R$ 100 mil em espécie. À justiça, disse que as notas foram entregues pelo general Walter Braga Netto em uma sacola de vinho. Na ocasião, o então ex-ministro-chefe da Casa Civil e da Defesa do governo Bolsonaro teria afirmado, sem citar nomes, que o dinheiro havia sido dado por “alguém do agro”.
Ao longo de 89 páginas, o relatório dissecou a relação direta e indireta de empresários e fazendeiros do setor, além de bancos e multinacionais diretamente ligados ao agronegócio, como Santander, Rabobank e John Deere. Além de contratos de fornecimento e parceiras com gigantes como BTG Pactual e Syngenta.
“A relação dos agrogolpistas com o capital e as megacorporações do agronegócio não pode passar batida”, chama a atenção Bruno Bassi, coordenador de projetos e pesquisador do De Olho nos Ruralistas. Ainda que não tenham tido participação direta nos atos golpistas, essas instituições financeiras e empresas, como salienta o relatório, fazem parte da cadeia produtiva do agronegócio. Bassi pinça um trecho do relatório para explicar essa relação:
“Esses bancos, que defendem uma governança ambiental e social (ESG, na sigla em inglês), acham justo financiar empresas de pessoas investigadas por tentativa de golpe de Estado? Ou esses fatores escapam às suas barreiras de compliance? O Brasil precisa saber quem são esses empresários e o que eles pensam sobre democracia.”
Dos 1.452 nomes pesquisados, entre pessoas físicas e jurídicas envolvidas na infraestrutura dos acampamentos em 8 de janeiro, procurou-se identificar quem teria fornecido geradores, tendas, banheiros químicos e alimentos, e também os responsáveis por ajudar no bloqueio de rodovias de Norte a Sul do país.
Com a lista de nomes em mãos, os pesquisadores cruzaram as informações com propriedade rurais registradas no cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Além de analisar sociedade em empresas agropecuárias registradas na Receita Federal; e o registro de beneficiários do seguro rural pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosGeografia dos investigados

Três estados responderam por 71% dos 142 nomes diretamente envolvidos no suporte logístico e financeiro do ato em Brasília. O ranking é liderado pelo Mato Grosso (com 74 envolvidos), seguido de Goiás (17) e Bahia (13). Desses três estados, saíram, segundo a pesquisa, a maior parte dos caminhões identificados pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF). Entre os veículos estacionados em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília, 56 dos 234 caminhões enviados ao acampamento golpista tinham origem na cidade de Sorriso (MT), um dos principais polos produtores de soja do país.
Os Bedin, conhecidos como a “família da soja” em Sorriso, e especificamente o produtor Argino Bedin, um dos membros proeminentes do clã, frequentemente chamado de “pai da soja” na cidade, cedeu 28 dos 56 caminhões. Outro nome que chamou a atenção é de Christiano da Silva Bortolotto, ex-presidente da Aprosoja de Mato Grosso do Sul e do Sindicato Rural de Amambai (MS), que protagoniza um conflito histórico contra o povo Guarani-Kaiowá do Tekohá Kurusu Ambá, localizada em Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai.
Últimas do #Colabora
Relacionadas

Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.