ODS 1
Como as agroflorestas garantem segurança alimentar, renda e regulação climática
Tecnologia aprimorada pela ciência era usada por povos indígenas da América Central e promove equilíbrio entre agropecuária e preservação ambiental
Por mais absurdo que se possa parecer, durante muito tempo, as árvores foram consideradas inimigas do desenvolvimento econômico. Ou seja, para construir cidades ou mesmo desenvolver a agricultura, era preciso eliminar todas as árvores do local, explica o técnico da Embrapa e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ) Eduardo Campello, As consequências disso são sentidas atualmente pelo mundo inteiro, como o agravamento do aquecimento global, destaca o engenheiro florestal. No entanto, isso vem mudando ao longo das últimas décadas e a implementação dos sistemas agroflorestais são prova disso. A ideia desse modelo é “garantir um alimento sustentável para quem produz e, ao mesmo tempo, prestar serviços ambientais e ter conservação de solo”, diz Campello. E é exatamente isso que a comunidade José Lutzenberger, em Antonina, no Paraná.
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Embora imitem a dinâmica de desenvolvimento das florestas, constituída de espécies diferentes, os sistemas agroflorestais precisam de planejamento, manutenção e manejo adequado a cada bioma. Cada sistema agroflorestal é único e a intervenção humana é fundamental. Eles são criados a partir de uma lógica de espaçamento e sombreamento, geralmente com a consultoria de um técnico, já que, além de segurança alimentar, o objetivo é oferecer retorno econômico aos produtores.
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Veja o que já enviamosUm canteiro para muitas espécies
Na prática, isso significa que, em um mesmo canteiro, o agricultor planta espécies agrícolas, frutíferas, arbóreas ou florestais (destinadas futuramente para fins madeireiros ou coleta de sementes) e de serviço, que, além de flores e frutos, trazem outros benefícios para a agrofloresta, como a produção de biomassa e ciclagem de nutrientes, como a bananeira, espécie-chave em agroflorestas de norte a sul do Brasil.
“As árvores têm esse papel de buscar nutrientes em camadas mais profundas, de buscar água e de proteger o solo das gotas da chuva”, destaca Campello.
As colheitas acontecem de acordo com a safra de cada espécie: enquanto mandiocas e hortaliças são colhidas já no primeiro ano, as árvores frutíferas alcançarão seu ápice de produção geralmente entre oito a dez anos. Após 15 ou 20 anos, as espécies florestais estão muito altas. Ou seja, a cada ano, as espécies vão crescendo e criando condições necessárias para um novo ciclo de produção. Nesse período, o manejo desse consórcio com podas, cobertura do solo e adubação é necessário para que as espécies tenham espaço e luz adequada para crescer.
Temperaturas mais baixas e mais umidade
Eduardo Vinicius da Silva, engenheiro florestal e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), destaca que, ao contrário da agricultura tradicional, que costuma degradar solos e afetar o ciclo da água, os sistemas agroflorestais focam na recuperação ambiental. E isso desempenha um papel importante na regulação do clima e na adaptação às mudanças climáticas.
“Os sistemas agroflorestais restauram a produtividade das terras, sequestram carbono e ajudam a combater as mudanças climáticas. Além disso, contribuem para a recuperação dos ciclos hidrológicos, aumentando a quantidade e a qualidade da água nas áreas agrícolas”, explica Silva.
Por aumentar a cobertura vegetal das áreas de produção, Campello completa que as agroflorestas ajudam a reduzir a temperatura e a reter mais umidade, aspectos importantes para dar conforto térmico tanto para animais, seres humanos e vegetais.
“Estudos mostram que, em sistemas agroflorestais, a retenção de umidade no solo e no ar é semelhante a das florestas nativas e superior à encontrada na agricultura tradicional, onde não há árvores”, afirma o professor.
Um laudo técnico ambiental realizado por pesquisadores da UFRRJ em 2023, comparando o comportamento hídrico em três áreas de Minas Gerais, constata exatamente isso: presença de temperaturas mais baixas e mais umidade nos trechos florestais e de sistemas agroflorestais analisados em comparação ao pasto. O estudo concluiu que a umidade relativa do ar e o sombreamento promovido pelas árvores contribuem para a manutenção da água em fluxo no sistema agroflorestal.
Fábrica de chuva
O agricultor Jonas Souza e as famílias da comunidade José Lutzenberger já sentem diretamente os efeitos descritos pelos especialistas. Durante a visita da reportagem ao local, foi perceptível a diferente sensação térmica que se tem ao entrar nas áreas dos sistemas agroflorestais.
“Conseguimos ajustar e reduzir a temperatura porque as plantas liberam umidade, o que provoca alterações no clima. Em áreas de agrofloresta, às vezes se forma um microclima na parte superior das árvores, especialmente em regiões quentes como o Nordeste. Essa concentração cria uma espécie de barreira natural, transformando a floresta em uma verdadeira fábrica, que produz de tudo, até mesmo chuva”, observa Jonas, que já viajou por diversos cantos do país para trocar conhecimento sobre os sistemas.
Esse tipo de experiência de campo é essencial para o avanço dos sistemas agroflorestais no país. Apesar do conhecimento sobre agrofloresta ter sido sistematizado pela ciência, ele vem de muito tempo atrás. Povos indígenas, especialmente da América Central, já adotavam a prática de cultivar quintais produtivos com espécies arbóreas para garantir sua segurança alimentar.
“Eles já sabiam e entendiam como se produzia alimento em equilíbrio com a floresta”, afirma Campello.
Com o passar do tempo, esse conhecimento foi se perdendo. E o desafio atual, segundo Campello e Silva, é regatá-lo e aprimorá-lo a partir da evolução tecnológica.
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Beatriz Carneiro é formada em Jornalismo pela USP e apaixonada por temas socioambientais. Atuou como repórter e diretora na Jornalismo Júnior, mídia universitária da USP, e foi estagiária na CNN Brasil, onde segue como freelancer. Camilla Hoshino é jornalista, internacionalista e mestre em Comunicação e Política pela UFPR. É membro da Jeduca e titulada Jornalista Amiga da Criança pela ANDI Comunicação e Direitos. Foi fellow do Dart Center for Journalism and Trauma/Universidade de Columbia, e vencedora da bolsa Heinz Kühn Stiftung para estágio na DW| Alemanha e do Prêmio Sangue Novo do Jornalismo Paranaense.