Um ser humano como outro qualquer

Balcarce, mascote de Mauricio Macri, ocupa a cadeira do presidente argentino, na Casa Rosada. Foto: AFP/NA/HO

Os cachorrinhos de estimação vivem tempos de glória: acompanham seus donos no trabalho e participam, inclusive, de reuniões de chefes de estado

Por Marlene Oliveira | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 4 de outubro de 2017 - 10:21 • Atualizada em 6 de outubro de 2017 - 15:32

Balcarce, mascote de Mauricio Macri, ocupa a cadeira do presidente argentino, na Casa Rosada. Foto: AFP/NA/HO
Balcarce, mascote de Mauricio Macri, ocupa a cadeira presidencial, na Casa Rosada, sede do governo argentino. Foto: AFP/NA/HO

Rei do neologismo, Antônio Rogério Magri (autor da frase-título deste texto, ao falar de sua cachorrinha), ministro do Trabalho do finado Governo Collor, acabou profetizando um fenômeno da atualidade: os animais de companhia, em especial os cachorros, foram alçados ao patamar de estrelas do momento. Eles podem ser visto em vídeos “fofinhos”, em múltiplas campanhas de adoção, em peças publicitárias, em escândalos governamentais e até no ambiente corporativo.

Mas, nem sempre os tempos foram de glória para a população canina. O termo “complexo de vira-lata”, criado pelo jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, definiu a falta de autoestima dos brasileiros – tudo teria começado com a derrota da seleção brasileira na Copa de 1950, no Maracanã. Em 1972, os cachorros voltaram à baila, desta vez, protagonizando o bolerão cantado por Waldick Soriano “Eu não sou cachorro não”. Já Vinicius de Moraes ironizou a enorme importância do cachorro como animal de companhia ao dizer “o uísque é o cachorro engarrafado”.

Images: Nestlé Purina Petcare France e Arquivo Nestlé Brasil. Design: Elise Kamm

A ascensão dos cães parece ser mundial. Na França, com uma população de 65 milhões de habitantes e 63 milhões de animais de estimação, circulam mais de 7 milhões de totós e é mais do que comum vê-los em restaurantes, bares, nas ruas e, até no Palácio do Eliseu, residência da família presidencial. Em queda de popularidade nas pesquisas, Emmanuel Macron também tem um cachorro pra chamar de seu, dando continuidade à tradição de todos os presidentes franceses da V República – Charles de Gaulle foi o primeiro, em 1958 e, Nicolas Sarkozy o que detém o recorde de ter alojado quatro cachorros no palácio.

Em agosto passado, foi a apresentação de Nemo, um labrador adotado na Sociedade Protetora dos Animais, que acompanhou Macron durante a visita dos presidentes do Tchad e do NigerO fato de adotar um animal, e apresentá-lo à imprensa, ajuda a criar a imagem de um presidente sensível, que gosta de cachorros e, logo, com pontos em comum com a quase totalidade da população francesa. Bingo! Ou melhor, Nemo!

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Vivemos em ambientes competitivos, tensos e, muitas vezes, solitários. A presença de um animal quebra esse clima, pois revivemos uma questão infantil: o animal de estimação está no lugar que já ocupamos um dia, dependente e nas mãos de um adulto

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As empresas também identificaram na paixão pelos animais um fator de bem estar, motivação e engajamento. Sem ter uma legislação que impeça, várias companhias estão abrindo as portas para os cachorros de seus funcionários.  Na França, a Purina, um dos líderes mundiais no setor de alimentação para animais de companhia, não só tem as portas abertas para que seus funcionários levem seus cachorros quando quiserem para o escritório, como também tem entre suas metas convencer 200 empresas europeias, a serem “petfriendly” (que aceitem animais nas suas dependências) até 2020.

Para isso, ela acaba de lançar uma ampla campanha nas mídias sociais, promovendo o bem estar de humanos e dos animais, juntos nos escritórios, e com orientações práticas para que essa convivência seja prazerosa para todos: funcionários, cachorros e empresas. No Brasil, a ação é mais recente e a empresa promoveu este ano, em junho, a 2ª edição do Pet at Work Nestlé Purina, quando 130 animais de estimação puderam acompanhar seus donos em um dia de trabalho.

A presença de cães no ambiente trabalho é cada vez mais comum e contribui para diminuir o nível de estresse. Foto: Frank Van Delft/Cultura Creative/AFP

Pesquisas feitas pela Commonwealth University en Virginie (2012) confirmam que a presença de cães no ambiente de trabalho contribui para reduzir o nível de estresse, aumenta a motivação, provoca a interação entre as pessoas e desperta carinho, tornando o ambiente corporativo mais acolhedor. “O animal gera algo de primitivo, não verbal, tátil e afetivo”, explica Beatriz Nobre, psicanalista carioca, que prega os benefícios terapêuticos que a relação com os animais pode trazer. “Vivemos em ambientes competitivos, tensos e, muitas vezes, solitários. A presença de um animal quebra esse clima, pois revivemos uma questão infantil: o animal de estimação está no lugar que já ocupamos um dia, dependente e nas mãos de um adulto”.

[g1_quote author_name=”Magali Gavaret” author_description=”Responsável pela Comunicação da Purina, na França” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A empresa deve estipular que áreas podem ou não ser frequentadas pela população canina – cantinas ou banheiros, por exemplo – e organizar um espaço onde os cachorros possam brincar e se alimentar, entre outras necessidades básicas

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Mas, para uma boa convivência, certas regras devem ser cumpridas. A primeira é básica: a maioria precisa estar de acordo. “A empresa deve estipular que áreas podem ou não ser frequentadas pela população canina – cantinas ou banheiros, por exemplo – e organizar um espaço onde os cachorros possam brincar e se alimentar, entre outras necessidades básicas”, recomenda Magali Gavaret, responsável pela Comunicação da Purina, na França. Ela salienta ainda que a legislação francesa proíbe  a convivência em espaços de trabalho de cães da categoria 1 e 2, que inclui Rottweilers e Pit bulls.

Mas os franceses não estão sozinhos. Nos EUA, uma a cada cinco empresas permite a visita dos animais. Segundo a APPMA, Associação Americana de Fabricantes de Produtos para Animais, 75 milhões de norte-americanos acreditam que a presença dos animais no trabalho deixa as pessoas bem mais felizes e diminui o estresse dos funcionários. Estima-se que vivam hoje nos Estados Unidos mais de 86 milhões de gatos e 78 milhões de cachorros! Com tanta gente favorável, até um dia nacional foi criado para eles: 11 de abril.

No Brasil, os números também são expressivos e os cachorros saem na frente. De acordo com a última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, 44,3% dos domicílios brasileiros – 28,9 milhões de lares – têm pelo menos um cachorro, enquanto os gatos estão presentes em 11,7 milhões de residências.

Assim como na França, a legislação brasileira não trata esse tipo de “benefício” – os benefícios previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) são salário, férias remuneradas, vale-transporte, 13° salário, depósito do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), hora extra, hora noturna, verbas rescisórias.

Uma oportunidade para algumas empresas, que já consideram a convivência com animais no trabalho um benefício diferencial que pode servir para atrair e reter os funcionários – especialmente no caso de pequenas e médias empresas  que, geralmente, não pagam os salários mais altos do mercado.

Vale lembrar que, no caso de empresas sediadas em prédios, a famosa convenção de condomínio deve autorizar a entrada e permanência de animais. Além disso, é preciso planejamento e regras bem definidas que garantam o bom relacionamento entre as comunidades.

O cachorro Nemo participa de uma reunião entre o presidente da França, Emmanuel Macron, e o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Sigmar Gabriel. Foto: Alain Jocard/ AFP
Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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