Horta da amizade

Moradores plantam verduras e colhem novos amigos em Salvador

Por Simone Serpa | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 2 de outubro de 2016 - 08:30 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:44

Crianças cuidam da horta do condomínio: ponto de encontro (Foto: Simone Serpa)
Crianças cuidam da horta do condomínio: ponto de encontro (Foto: Simone Serpa)

Quem olha de fora vê mais um imponente e espaçoso condomínio-clube, como tantos outros espalhados pelas grandes cidades brasileiras. Mas, na capital baiana, a grande atração de um conjunto de quatro prédios, no bairro da Barra, não é a piscina, a academia de ginástica, a quadra de esportes ou o salão de festas. Ela fica escondida em um cantinho, nos fundos do terreno de 13 mil metros quadrados, atrás de palmeiras imponentes: uma horta comunitária, onde são cultivados rúcula, alface, couve, pimentão, tomate… No entanto, o que se colhe ali vai muito além de folhas e temperos: batizado de Horta Terapia, aquele virou um terreno fértil para cultivar amizades.

A implantação da horta no condomínio, com 176 apartamentos, não foi fácil. Uma moradora teve a ideia após assistir a um programa sobre o assunto na TV, logo depois do Carnaval.  Passaram-se cinco meses até que o projeto fosse aprovado em assembleia e disponibilizado o lugar. Estava decidido: a horta funcionaria como um clube aberto a todos, mas só quem se associasse poderia usufruir das colheitas. Outro detalhe importantíssimo: quem entrasse teria que colocar a mão na terra. Nada de delegar a empregados as tarefas de plantar, regar ou cuidar. Elas teriam que ser feitas pelos próprios associados.

Como a maioria dos moradores foi criada em cidades grandes, poucos conheciam sobre plantas, sementes e pragas. Mas já nas primeiras reuniões começaram as descobertas: a vizinha que não pode ver um pedacinho de terra que quer logo plantar, leitora voraz de livros sobre jardinagem e compulsiva compradora de sementes e todo tipo de acessório para hortas. A outra que adora revolver a terra em busca de minhocas e, a cada saco de terra aberto, cercada de crianças, caça os bichinhos e monta minhocários. Uma festa.

Mas foi preciso chamar um consultor para de fato colocar toda a teoria em prática. Eduardo Franco, horteiro de coração e profissão, ajudou a concretizar os planos, que incluíam canteiros suspensos – a 75 cm de altura –, para prevenir ou não agravar problemas de coluna. Afinal, o projeto atrai gente de todas as idades. No fim de semana marcado, Franco levou as madeiras cortadas e cada membro do clube desceu com martelo, furadeira e as ferramentas necessárias para colocar os canteiros de pé. Depois de duas manhãs – de sábado e domingo -, estava tudo montado e as mudas, que haviam sido fartamente cultivadas em vasos, nas varandas dos apartamentos, foram definitivamente plantadas. Rúcula, couve, coentro, agrião, tomilho, manjericão, hortelã foram os primeiros. Em vasos no chão ficaram pés de tomate, pimentão, pimenta e abóbora. Estava dada a partida.

Moradores plantam mudas: orgulho da horta (Foto: Simone Serpa)

Cuidar da horta tornou-se assunto sério, compromisso. Hoje, 28 moradores participam do projeto. Eles se dividiram em turmas de quatro ou cinco pessoas e organizaram um rodízio. Cada grupo tem um dia da semana para ir até o terreno, regar, fuçar pragas, caçar lagartas e gafanhotos… Bem cuidada, a horta foi crescendo, se espalhando. Além dos dez canteiros suspensos, foram criados mais três, agora de chão. Os pimentões passaram para o solo, assim como quiabo, abobrinha, chuchu, etc. Garrafas pet, onde são cultivadas ervas, ocupam as paredes, e foram presas redes para as espécies que enramam. As plantas se desenvolvem e a empolgação das pessoas só aumenta. Quem viaja, agora, traz sempre na mala uma semente diferente, para diversificar ainda mais o plantio.

[g1_quote author_name=”Patrícia Najar” author_description=”Moradora do condomínio” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A horta me possibilitou conviver com vizinhos maravilhosos que eu não conhecia

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Nos fins de semana, o lugar passou a ser  um ponto de encontro entre pais e filhos, avós e netos, além de moradores que, após a implantação do projeto,  descobriram afinidades e se tornaram amigos. “A horta me possibilitou conviver com vizinhos maravilhosos que eu não conhecia”, diz Patricia Najar, uma das associadas. Personalidades se complementam — bagunceiros e organizados, gastadores e econômicos – e os gostos também: tem a turma do coentro e a da salsa, a do manjericão e a do alecrim… Passado o período de adaptação, a convivência foi ficando cada vez mais rica e saborosa. “A horta representa a realização e o prazer de sentir o sabor das hortaliças orgânicas plantadas, cuidadas e colhidas por cada um de nós. É um privilégio poder unir e reunir a família do condomínio”, diz Jormacy Rocha, outra sócia desse clube, batizado de Horta Terapia.

Canteiros suspensos: ervas crescem em garrafas pet (Foto: Simone Serpa)

Poucas coisas naquele conjunto de prédios são unanimidade. Talvez seja muita pretensão dizer que todos gostam da horta. Mas ela é, sem dúvida, o espaço mais agregador daquele condomínio tão cheio de espaços de lazer. Por causa dela, durante a semana, acontecem encontros e oficinas, para trabalhos como montar os canteiros de garrafas pet e fazer as plaquinhas de identificação das plantas. Mesmo quem não faz parte do clube sempre vai passear por lá. Os canteiros viraram motivo de orgulho entre os condôminos, que adoram levar visitantes para conhecê-los.  Segundo a consultora de imóveis Linda Simões, hoje, hortas comunitárias, assim como outras ações de sustentabilidade, são levadas em conta na hora de definir a compra de um lugar para morar. Eis a coroação econômica de um projeto em os ganhos vão muito além do dinheiro. Eles são contabilizados em foma de saúde, bem-estar, prazer.

Simone Serpa

Jornalista carioca que há 10 anos fez de Salvador, BA, sua morada. Sempre trabalhou em revistas femininas e de decoração. Vive em busca de belas histórias de vida, lindas casas e bons exemplos de bem viver.

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8 comentários “Horta da amizade

  1. Antonio Carlos Chianeli Fonseca disse:

    Excelente matéria, Simone. Parabéns!
    Vou pensar em algo do tipo aqui no prédio. Uma hortinha, mas já é alguma coisa.
    Sucesso com os posts.
    Antonio Carlos

  2. Georgina Quaresma Giudice Sampaio disse:

    Perfeita a exposição sobre um tema tão atual,a preservação do verde, o cultivo sustentável e em última análise a interação interpessoal no mundo cibernético. Parabéns a jornalista Simone Serpa pela sensibilidade do tema e a forma clara e lucida de trazê-los a público.

  3. Jormacy Rocha de Souza Fernandes de Oliveira disse:

    Parabéns Simone!
    Excelente reportagem. É. Importantíssimo que divilgue esse magnifico trabalho que estamos fazendo . Esperamos que muitos condomínios, casa, apartamentos … abracem este prazer de plantar, cuidar colher e experimentar.
    Jormacy Rocha

  4. Juçara disse:

    Simone, parabéns pela matéria, pois como sua vizinha e como participante do projeto Hortaterapua, você soube traduzir toda a magia do nosso projeto.

  5. Ana Karina Cavalcante disse:

    Excelente texto! Traduz em palavras o verdadeiro sentido da Horta Terapia: agregar pessoas pelo retorno às origens, cultivando amizades e colhendo saúde!
    Sem palavras para descrever o que essa horta representa na minha vida!
    Simone, texto irretocável! Ninguém conseguiria escrever algo melhor!
    Parabéns!

  6. Danilo Rocha disse:

    Simone parabéns pela matéria. Conheço algumas pessoas deste condomínio e a cada visita que vou percebo a empolgação daqueles que abraçaram forte este projeto. A horto terapia ajuda a todos a ter uma convivência melhor e também de cada um desenvolver seu espírito coletivo. Parabéns a todos aqueles que cultivam amor e afloram energia para este projeto.

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