Um picadeiro de sonhos no quintal

Jonas em uma apresentação do circo que criou no quintal de sua casa. Foto de Haroldo Borges

Menino de 13 anos monta um circo nos fundos de sua casa, na periferia de Salvador, e protagoniza documentário premiado

Por Telma Alvarenga | ODS 9 • Publicada em 16 de março de 2017 - 08:40 • Atualizada em 16 de março de 2017 - 14:02

Jonas em uma apresentação do circo que criou no quintal de sua casa. Foto de Haroldo Borges
Jonas em uma apresentação do circo que criou no quintal de sua casa. Foto de Haroldo Borges/divulgação

Era uma vez, um menino de 13 anos que tinha o sonho de viver em um circo, como seus avós. Ele resolveu fazer do quintal de sua casa simples, na região metropolitana de Salvador, um picadeiro. Pegou material que havia sobrado do circo que a família deixou para trás – cadeiras velhas, pedaços de lona, figurinos -, reuniu alguns amigos, para dividir a cena com ele, e acabou conquistando a vizinhança com seu circo improvisado.  De protagonista de uma história real com ares de fábula, o menino da periferia da capital baiana se tornou personagem de um documentário premiado em festivais nacionais (como o Panorama Coisa ­­­­­­­de Cinema 2016)  e internacionais  (em  países como França, Espanha, México e Estados Unidos).

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O filme fala, através do circo, sobre os nossos sonhos e o que fazemos com eles quando a gente cresce

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Elogiado pela crítica, “Jonas e o Circo Sem Lona”, que estreia nesta quinta-feira (16 de fevereiro) em circuito nacional, é o primeiro longa da diretora e roteirista Paula Gomes. Sócia da produtora Plano 3 Filmes, que completa 10 anos em 2017, ela rodava o interior da Bahia em busca de circos itinerantes, fazendo pesquisa para um curta, quando conheceu a família de Jonas Laborda e ficou amiga da mãe dele. “Quando Jonas me convidou para assistir a um espetáculo na casa dele e vi aquele circo no quintal, tão mágico, senti que ali tinha um filme”.  No meio do projeto, ela decidiu ampliar o enfoque. “Primeiro pensei que seria sobre circo. Mais tarde entendi que ele falaria, através do circo, sobre os nossos sonhos e o que fazemos com eles quando a gente cresce”, diz Paula. Por isso, ela continuou acompanhando a vida de seu protagonista mesmo depois de ele ter sido obrigado a abandonar seu picadeiro particular, seis meses após a estreia. As filmagens duraram dois anos.

Jonas prepara o amigo para uma apresentação. Foto de Haroldo Borges/divulgação

Jonas cobrava entradas baratinhas dos vizinhos, que lotavam seu quintal. No início, contava com o total apoio da família. A avó, inclusive, o ajudou a ensinar as artes circenses à trupe que ele montou para seu circo improvisado. Mas a adolescência chegou e, com ela, novos conflitos. Enquanto ele sonhava em botar o pé na estrada, com o circo do tio, a mãe, cobrava mais dedicação do filho aos estudos. Os amigos foram desistindo das apresentações no quintal, e Jonas teve de abandonar o sonho da infância para fazer novas escolhas. Mesmo com o filme pronto, Paula e sua equipe não perderam contato com seu protagonista.  “Nos sentimos responsáveis pela vida dele. É um cuidado diário, um apoio constante, para que ele não deixe de sonhar”.

A diretora Paula Gomes: primeiro longa. Foto de divulgação

A primeira exibição do documentário foi em uma sessão especial para Jonas e sua família. “Foi muito emocionante”, conta o jovem, hoje com 19 anos. “E um pouco estranho, o filme era sobre mim !!!”, diz, rindo. Ele acompanhou algumas exibições em festivais.  Foi à Holanda para a World Premiere no  International Documentary Film Festival Amsterdam (IDFA), e também para o Rio e São Paulo, na estreia nacional no Festival É Tudo Verdade. Adorou. “É maravilhoso que eu tenha ido para tantos lugares e que pessoas do mundo todo, de lugares totalmente diferentes, pudessem ver meu filme”.

Jonas está terminando o ensino médio e continua morando na mesma casa, em Dias D’Ávila, na região metropolitana de Salvador. Claro que não passou incólume pelo furacão da adolescência. Está bem diferente daquele menino de 13 anos cujos sonhos cabiam em um pequeno quintal. O filme foi um divisor de águas na sua vida.  Jonas se apaixonou pelos sets e planeja fazer faculdade de Cinema. “Entendi a importância de estudar e aprendi que poderia ter os dois, que não precisaria abandonar os estudos para seguir com os meus sonhos, ou vice-versa”. O sonho mudou.  “O que mais desejo agora é poder fazer mais filmes”, diz.  Mas a paixão pelo circo permanece. “Sempre que posso estou no circo de meu tio ou de algum amigo da família. Ser palhaço está na veia, sou muito feliz no picadeiro”.

Paula Gomes também não é a mesma. “A história de Jonas mexeu muito comigo, com a minha própria história. Mudou minha forma de pensar o cinema. Ficamos apaixonados por documentário”. A experiência interferiu no novo longa da Plano 3 Filmes, uma ficção, chamada “Filho de Boi”, em fase de montagem, que também fala sobre circo. “Vínhamos amadurecendo o projeto há muito tempo. Mas ele se transformou muito depois que filmamos ‘Jonas’. Ganhou mais verdade, mais intensidade. A proposta mudou. Decidimos que a maioria do elenco seria de não atores”. Jonas atua no filme. Ele também fez parte da equipe como assistente de câmera. “Ele mesmo escolheu, era uma nova função que queria aprender”, conta Paula.  O veterano Luiz Carlos Vanconcelos (de “Baile Perfumado”, “Carandiru”, “Abril Despedaçado”, entre outros)  participa do filme,  produzido por Paula e dirigido por  Haroldo Borges e Ernesto Molinero.

Telma Alvarenga

Jornalista formada pela PUC-Rio. Tem passagens pela revista Veja, Veja Rio, Jornal do Brasil, O Globo, Correio (BA) e Projeto #Colabora, desempenhando funções de editora, colunista e repórter. Professora no curso de Comunicação Social da Faculdade Social da Bahia em 2010, está finalizando seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio

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