Palco apagado: teatro carioca em crise

Ameaça de suspensão das atividades de salas do Leblon expõe situação caótica da cena teatral no Rio

Por Debora Ghivelder | ODS 9 • Publicada em 15 de julho de 2017 - 08:00 • Atualizada em 17 de julho de 2017 - 13:00

Sem público e sem apoio, salas de teatro no Rio estão fechando. Foto: Fred/Photononstop
Sem público e sem apoio, salas de teatro no Rio estão fechando. Foto: Fred/Photononstop

Começou a circular, neste mês de julho, nas redes sociais e também nos telões de teatros, vídeos em que atores como Mateus Solano, Edson Celulari, Antonio Fagundes, Irene Ravache, Paulo Betti, entre outros,  falam da importância do teatro para a sociedade. A campanha, capitaneada por Marcos Caruso e amparada pelo produtor Carlos Gun, um grupo de atores e pela Liga Teatral, que reúne cerca de 70 produtores, é uma resposta ao anunciado fechamento das salas Marília Pêra e Fernanda Montenegro, do Teatro Leblon, no final de junho.

– A campanha pretende chamar a atenção de outras pessoas, da cidade, para a situação caótica que estamos enfrentando. É uma crise inédita. É verdade que o teatro já enfrentou um sem número de crises e sobrevive. Agora, além de abandonado pelo poder público, está diante também do desinteresse do grande público. As pessoas precisam ter noção que o teatro é tão importante quanto a educação – diz Grun.

Caruso em cena no monólogo O Escândalo de Philipe Dussaert: campanha para salvar o Teatro Leblon. Foto: Divulgação

Antes de lançar mão de ferramentas virtuais, Grun, produtor dos espetáculos O Escândalo Philippe Dussaert e Selfie, ambos com temporadas vitoriosas, ao lado de Marcos Caruso, Mateus Solano e Miguel Thiré, tratou de postergar o apagar dos refletores nas salas do Leblon. O grupo programou uma jornada dupla de apresentações das peças no espaço. Com isso, as salas, que fechariam as portas temporariamente a partir de julho, ganharam respiro por mais um mês: os palcos seguem ativos até 30 de julho.

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Teatro nunca foi visto como gênero de primeira necessidade. Mas não deve ser visto como de penúltima. Um país sem teatro é um país morto

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Com 44 anos de profissão,  Marcos Caruso não se lembra de o teatro no país ter passado por momento tão grave. Tanto pela total falta de apoio do governo, como pela crise severa (financeira, política, moral) e pelo afastamento do público.

– Teatro nunca foi visto como gênero de primeira necessidade. Mas não deve ser visto como de penúltima. No meio disso, você recebe a notícia de que duas salas estão fechando… É o fundo do poço sem possibilidade de ter um ralo para morrer no seco.

O ator, que, para ajudar a salvar o Teatro Leblon,  está em cartaz lá com sua primeira peça solo (O escândalo Philippe Dussaert), sucesso de público e crítica, comemora a “imensa participação das pessoas” na campanha para evitar o fechamento das salas.

– Quando se tem uma atitude que vem do coração, ela surte efeito. A nossa campanha vem do coração. Minha casa é o teatro. E tudo que atinge o teatro, me atinge mortalmente. E o buraco é mais embaixo. Cultura é hábito. É como botar o cinto de segurança. E quando não se vê a coisa assim, hábitos ruins são instalados. Um país sem teatro é um país morto.

Proprietário do Teatro Leblon, casa inaugurada há 24 anos, Wilson Rodriguez esclarece que não pretende fechar ou vender os espaços. Mas, em razão da crise, das salas vazias, não viu outra saída a não ser colocar os palcos de stand by. Ou seja, suspender as atividades até que tenha em mãos uma proposta que julgue comercialmente rentável.

– Hoje as empresas não financiam produções. Estão com medo, porque é dinheiro público e ficam receosas de se verem envolvidas em problemas. E produzir sem o apoio de lei de incentivo é loucura. Porque o público só vai ver o que julga importante. Se não, não vai. Não tenho interesse em fechar, nem em vender. Mas venho botando do bolso para sustentar o teatro – diz Rodriguez, que, inclusive, teve de vender seu apartamento no Alto Leblon. Ele mantém, ainda, duas outras salas no shopping Fashion Mall, em São Conrado, e uma terceira em São Paulo.

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Três teatros do Centro do Rio não estão mais abrindo aos domingos. O Serrador, o Sesi e o Eva Herz. Alegam pouco público. A verdade é que as pessoas estão com medo de ir aos teatros por causa da insegurança

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A escuridão que ameaça as salas do Leblon acabou por jogar luz sobre a séria crise que atravessa a atividade teatral no Rio. Também na internet circulou uma lista com cerca de 40 espaços que a cidade perdeu, por diferentes razões e em diferentes épocas. À frente da Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro (APTR), Eduardo Barata esclarece que não há estatísticas oficiais sobre o número de palcos perdidos. Mas lista, entre os mais recentes, o teatro do Saara fechado na mesma semana do anúncio do Leblon e o Tom Jobim, dentro do Jardim Botânico, que encerrou atividades em janeiro deste ano.

Além da crise financeira, Barata aponta algumas questões que levaram a esse momento que, espera-se, não seja um epílogo da atividade teatral carioca. Uma delas, a questão da violência.

– Três teatros do Centro do Rio não estão mais abrindo aos domingos. O Serrador, o Sesi e o Eva Herz. Alegam pouco público. A verdade é que as pessoas estão com medo de ir aos teatros por causa da insegurança – aponta o produtor.

Ainda entre as muitas razões que contribuem para o problema, Barata lista a gestão dos teatros, que muitas vezes não se preocupa em definir um perfil ou estabelecer uma curadoria para selecionar espetáculos. Para ele, os donos de teatro já foram mais parceiros, procuravam também estratégias para sedimentar e atrair o público e não cobravam o mínimo (no caso de os 25 por cento sobre a renda da bilheteria não serem satisfatórios).

Segundo ele, um teatro de shopping, como os da Gávea, cobra cerca de R$ 17 ou 18 mil de aluguel mínimo por semana. Barata entende também que, as leis de incentivo – necessárias, que se deixe claro – geraram algumas distorções. Com a temporada previamente paga pelo patrocínio, algumas produções deixaram de se preocupar com a relação com o público pagante. As contrapartidas sociais exigidas pelas leis também geraram um olhar equivocado, nem sempre levando ao teatro quem realmente não pode pagar e nem formando plateias como se pretendia.

Wilson Rodriguez garante que há um ano abandonou a prática de cobrança do mínimo. E completa dizendo que as leis de incentivo também inflacionaram o preço da tabela de serviços. Tudo ficou mais caro. Carlos Grum acredita que é preciso repensar o teatro e a maneira como ele é feito hoje. Buscar caminhos que tornem a produção mais independente do patrocínio das empresas e das leis de incentivo, mais ainda assim uma atividade economicamente viável.

A APTR promove uma série de conversas sobre o teatro carioca para pensar ações imediatas para fortalecer o ofício. A primeira delas aconteceu na última segunda-feira, dia 10 de julho, no Teatro Tablado.

A solidariedade à casa do Leblon surpreendeu inclusive Wilson, que não esperava uma reação tão forte. Enquanto o Teatro do Leblon respira por aparelhos por mais um mês, Wilson analisa a proposta de um próximo espetáculo e uma oferta de uma empresa – ele não adianta nomes – interessada em patrocinar de alguma forma a casa. A atividade teatral tem muitas questões imediatas a enfrentar no eterno desafio do ser ou não ser. Para o Teatro do Leblon, vislumbra-se algum refletor no fim do túnel.

Debora Ghivelder

Debora Ghivelder é carioca, jornalista, formada pela PUC-RJ e especializada na área cultural. Trabalhou na revista Veja Rio - onde respondeu pelas colunas de teatro, dança e música clássica -, no jornal O Globo, no Theatro Municipal e na Secretaria de Estado de Cultura do Rio. Fez crítica de teatro e dança, foi professora da Casa de Artes de Laranjeiras, a CAL, por 15 anos. Hoje, divide com Luciana Medeiros a responsabilidade de tocar o site especializado em música clássica Tutti Clássicos.

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