“Palavras são palavras, nada mais do que palavras”, dizia o escorregadio político Walfrido Canavieira, um dos divertidos personagens criados pela genial mente de Chico Anísio (1931-2012). No hip-hop, porém, elas são a essência de tudo. Seu bom uso e manejo pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso. Afiadas e cortantes, podem render as famosas batalhas de rimas e ser capazes também de servir de combustível para inflamadas rixas (“diss”, no inglês das ruas) entre artistas, seja através de músicas ou de manchetes de jornais. Nos EUA, ficaram notórios os embates entre Jay-Z e Nas, Eminem e Everlast e Snoop Dogg e Suge Knight, entre outros. Por aqui, essa “tradição” está sendo reativada com a recente acusação de racismo e apropriação feita pelo MC Raffa Moreira ao grupo Haikaiss, ambos de São Paulo. Segundo ele, seu alvo, atração do festival Lollapalooza 2017, que acontece neste fim de semana em Interlagos, estaria colaborando para um suposto “embranquecimento” do rap brasileiro, um gênero que, por aqui, teve sua história pavimentada por nomes como Gabriel O Pensador e Marcelo D2, e, lá fora, deve sua popularidade a astros como os Beastie Boys e o próprio Eminem.
[g1_quote author_name=”Raffa Moreira” author_description=”MC” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Ninguém me entende…NINGUÉM TEM QUE ME ENTENDE (sic). EU NÃO QUERO SER ÍDOLO POP CARALHO. ME ODEIEM. EU SOU PUNK! desculpa
[/g1_quote]A linha do tempo desse bate-boca – retratado pelo site G1 – começou há pouco mais de uma semana, com um tweet de Raffa Moreira, um talento em busca de afirmação, no qual ele classificava o Haikaiss, um emergente quarteto de pele clara, como “uma porta pro fim dos negros do rap”. Em entrevista àquele portal, o MC sustentou a acusação do seu Twitter – de conteúdo errático e provocativo – afirmando que o Haikaiss estaria usando sua popularidade para trazer “só brancos” para o rap, “roubando” sua negritude, numa referência ao coletivo Damassaclan, do qual o Haikaiss faz parte, formado por mais brancos do que negros.
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Veja o que já enviamosNenhum grande nome do gênero endossou, publicamente, a crítica de apropriação cultural feita por Raffa Moreira. Nos EUA, o tema já rendeu farpas direcionadas ao som diluído da premiada dupla Macklemore & Ryan Lewis, principalmente depois que esta ganhou um Grammy de melhor álbum de rap de 2014, deixando para trás o criativo rapper Kendrick Lammar. Em entrevista à revista “The Source”, depois da premiação, Macklemore, que é branco, reconheceu as críticas e admitiu que o vencedor daquele ano devia ter sido Lammar, que é negro.
Já a repercussão da “treta” paulistana, em vez de um debate mais aprofundado sobre o assunto, rendeu apenas alguns vídeos de fãs no YouTube e comentários no Facebook do MC. A maior parte defendeu o Haikass dos ataques de Raffa Moreira, uns pedindo o fim das provocações, citando, inclusive, os Beastie Boys como exemplo de integração, e outros zoando o Haikaiss e seu “rap Malhação”. Do outro lado do ringue, nenhuma linha oficial por parte do grupo sobre o tema e a acusação. Só um dos seus integrantes, o DJ Qualy, retrucou, lembrando que o MC já tinha feito parte de “uma banda emo, com um grupo de brancos”.
Com o festival prestes a terminar, a poeira dessa discórdia tende a se dissipar no vazio das redes sociais. Fica a lembrança de outro tweet incontrolável do mesmo Raffa Moreira, disparado, aos gritos, há alguns dias: “Ninguém me entende…NINGUÉM TEM QUE ME ENTENDE (sic). EU NÃO QUERO SER ÍDOLO POP CARALHO. ME ODEIEM. EU SOU PUNK! desculpa”.