(Laurie Wright*) Os anos 2020 serão palco de debates e grandes decisões sobre transporte – o setor mais poluidor do Reino Unido e de muitos países. A resposta do governo do Reino Unido até agora tem sido irregular, optando por intervir para evitar o colapso da Flybe – a maior companhia aérea regional da Europa – e dar luz verde ao projeto ferroviário de alta velocidade, HS2. A descarbonização do transporte eliminaria 26% das emissões de CO₂ do Reino Unido, resultado da maneira como as pessoas se deslocam. Mas o primeiro-ministro Boris Johnson disse recentemente que fazer isso coloca questões “difíceis e complicadas”. Nisto, Johnson está provavelmente certo.
Os protestos dos gilets jaunes (coletes amarelos) contra o aumento dos impostos sobre combustíveis na França mostram o delicado equilíbrio entre ação climática decisiva e crescimento econômico. Do ponto de vista climático, o governo não deveria permitir que uma empresa operadora de vôos regionais vão a falência e, em vez disso, investir em trens de alta velocidade? A resposta não é tão simples. Pegadas de carbono podem ser enganosas.
A aviação é um dos consumidores de combustível fóssil que mais cresce: as companhias aéreas contribuem com cerca de 3,5% de todas as emissões de gases de efeito estufa provocadas pelo homem. Em grandes altitudes, as esteiras – as linhas brancas que vemos no céu – são formadas no rastro das aeronaves. Essas nuvens de alta altitude são muito finas para refletir muita luz solar, mas os cristais de gelo dentro delas podem reter o calor. Diferentemente da nuvem de baixo nível, que tem um efeito de resfriamento líquido, os rastros contribuem significativamente para o aquecimento global, aumentando efetivamente a participação da indústria de aviação nas emissões de gases de efeito estufa para cerca de 4,9%.
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Veja o que já enviamosNa maioria das vezes, o benefício ambiental do transporte ferroviário de alta velocidade é uma coisa dada como certa. A maioria das pesquisas – mas não todas – sugere que o trem de alta velocidade pode compensar as emissões da aviação, se conseguir atrair passageiros suficientes de rotas aéreas alternativas. Mas os impactos climáticos relativos da aviação para outros modos de transporte dependem de mais do que apenas motores e altitude.
Podemos comparar as emissões de diferentes formas de transporte calculando as emissões produzidas por cada um ao deslocar um passageiro por um quilômetro. Isso compara efetivamente a quantidade de CO₂ produzido por cada veículo, mas ignora as emissões de gases de efeito estufa da construção e manutenção dos veículos, a infraestrutura – como trilhos, pistas e aeroportos – e a produção de combustível.
Os efeitos do aquecimento de diferentes gases de efeito estufa ocorrem em diferentes períodos de tempo, desde alguns dias de aquecimento intenso até séculos de influência suave. Para fornecer uma unidade comum para medir o impacto de diferentes gases, os efeitos do aquecimento são padronizados durante um determinado período de tempo – o período normalmente usado é de 100 anos. Mas, se fossem cinco anos, o efeito dos rastros das aeronaves representaria mais aquecimento global do que todos os carros do mundo. Eles elevam a temperatura da atmosfera em rajadas curtas e intensas. Em escalas de tempo mais longas, como 20 anos, os efeitos a curto prazo são menos importantes e fazem a aviação parecer consideravelmente melhor – com os voos parecendo potencialmente menos prejudiciais do que alguns carros na mesma distância.
Esta ainda não é a história toda. As entradas de energia para diferentes modos de viagem variam. A queima direta de combustíveis fósseis em motores – por exemplo, querosene a jato em aeronaves – emite gases de efeito estufa.. Em ferrovias de alta velocidade alimentadas eletricamente, a operação do trem não produz emissões, exceto os combustíveis fósseis usados para gerar essa eletricidade em outros lugares.
O desenvolvimento do HS2, entretanto, significará a implantação de estações, trilhos e centros de comunicação – e eles precisarão de manutenção contínua. Todos precisam de investimentos em energia e material, o que criará mais emissões de gases de efeito estufa através da fabricação, transporte e uso. Isso poderia aumentar a pegada de carbono dos trilhos entre 1,8 e 2,5 vezes, apenas considerando a operação dos trens. Para a aviação, os mesmos requisitos de infraestrutura são relativamente pequenos e são responsáveis por um aumento de 1,2 a 1,3, com o transporte rodoviário mostrando um aumento de 1,4 a 1,6.
Comparação por ciclos de vida
Uma abordagem de ciclo de vida fornece uma melhor compreensão de onde as emissões estão ocorrendo e compara os modos de transporte em um campo de jogo muito mais equilibrado. Isso nos ajuda a entender que a maioria das emissões de gases de efeito estufa nas viagens aéreas e rodoviárias vêm dos deslocamentos dos veículos (do avião ao automóvel), enquanto, nas viagens de trem, os efeitos climáticos são dominados pelas emissões produzidas na construção da própria infraestrutura. As emissões dos trens em operação são, geralmente, mais baixas devido à forte dependência de eletricidade. Mas ainda há emissões a partir da fabricação e manutenção de tecnologias de energia renovável a serem consideradas.
Todos os modos de viagem de alta velocidade têm um custo para o meio ambiente. Ser capaz de comparar com precisão os requisitos de energia e as emissões de diferentes opções de transporte é o primeiro passo para lidar com o impacto climático. Os governos, muitas vezes, tentam incentivar as pessoas a mudar seu comportamento e reduzir o número de vôos que fazem. Porém, no caso do HS2, a disponibilidade contínua de voos regionais significa que apenas 4% dos motoristas e apenas 1% dos passageiros de avião provavelmente mudarão de comportamento.
É fácil acusar a aviação e ver as ferrovias como uma alternativa de baixo carbono. Mas os governos precisam considerar e equilibrar cuidadosamente os verdadeiros impactos climáticos de um projeto de transporte, em todas as fases de seu desenvolvimento.
*Laurie Wright é professor de Ciência Ambiental e coordenador de pesquisas da Escola de Ciência e Engenharia Marítima, da Universidade de Solent, em Southampton, Reino Unido
(Tradução de Oscar Valporto)