Tradicionalmente, mapas definem espaços, limitam fronteiras, marcam rotas, indicam climas e, dizem as lendas, levam a tesouros perdidos. Em tempos digitais, eles têm ganhado novas e surpreendentes representações – como, por exemplo, os cantos e gritos por uma causa. Esse é o caso do projeto de arte sonora “Protest & Politics”, um mapa interativo e colaborativo com sons de protestos em (quase) todo o mundo.
[g1_quote author_name=”Stuart Fowkes” author_description=”Criador do Projeto “Protest & Politics” ” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O projeto sempre esteve aberto a todos os tipos de protestos. Acho que seria um erro limitar o perfil político, afinal, você aprende muito sobre o mundo em que vive ouvindo aqueles com os quais discorda
[/g1_quote]Criado pelo artista britânico Stuart Fowkes, em 2014, o mapa faz parte de um projeto maior, o site/plataforma artística Cities and Memory. Ele reúne mais de 1800 gravações de 70 países, em categorias como “Sacred spaces” (com o som de templos, igrejas e outros lugares religiosos) e “The next station” (um inédito mapeamento sonoro das estações do metrô de Londres). Cada arquivo é acompanhado por uma breve descrição (como “subindo as escadas rumo ao sino da Torre Santa Maria del Fiore, em Florença, Itália”) e por uma versão “reimaginada” (um remix do original).
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Veja o que já enviamos– Mapas sonoros podem ser experiências incrivelmente imersivas, fazendo as pessoas se sentirem transportadas para um lugar de uma forma muito particular – conta Fowkes. – Para cada metro quadrado da Terra, pelo menos nas grandes cidades, temos centenas, milhares, talvez milhões de registros fotográficos, mas existe pouca ou nenhuma informação dos sons desses lugares. Acredito que os mapas sonoros servem para reparar, um pouco, esse desequilíbrio.
Iniciado este ano, “Protest & Politics” traz a cartografia sonora de um mundo em ebulição, em tempos de Brexit, Trump e de movimentos como Black Lives Matter e Occupy.
– Um estudo dos protestos de rua pareceu uma etapa natural para o Cities and Memory porque, em 2017, esses são os sons que estão ajudando a definir o nosso tempo – diz Fowkes, que também contribui para o projeto com algumas gravações
No mapa, é possível escutar de tudo pelos quatro continentes (só não há registros na África e, claro, na Antártica), em cidades como Londres, São Francisco, Istambul, Buenos Aires, Budapeste, Cidade do México, Nova Déli. São brados contra a violência policial, contra medidas de austeridade, contra o racismo, contra Trump (e Assad e Marine Le Pen), contra o Brexit, contra o G20, pelos direitos das mulheres, pela educação livre etc. Numa menor proporção, também podem ser ouvidos protestos conservadores ou mesmo extremistas, como os do National Front britânico, de extrema-direita, explicitamente racista.
– O projeto sempre esteve aberto a todos os tipos de protestos. Acho que seria um erro limitar o perfil político, afinal, você aprende muito sobre o mundo em que vive ouvindo aqueles com os quais discorda – explica Fowkes. – Mas a maior parte dos registros, diria que cerca de 90%, vem de protestos da esquerda, com poucos registros conservadores ou de extrema direita. Isso bate com meu perfil pessoal, mas por acaso, não por desejo. É preciso considerar também o fato de que a maioria dos colaboradores do projeto tem um perfil progressista. Então, no final das contas, o alcance do projeto foi selecionado naturalmente.
Curiosamente, o Brasil e seu conturbado momento não estão no mapa (em progresso) do “Protest & Politics”. Na verdade, há apenas um arquivo relacionado ao país, graciosamente intitulado “Primeiramente, fora Temer! (Firstly, get out Temer!)”. Ao clicar no ícone, porém, o que se ouve são os gritos de “No Trump, no KKK, no fascist USA”, repetidos de outro arquivo que leva esse nome.
– O projeto é aberto. Não sei por que não tive colaboradores do Brasil até agora. Poderia imaginar que a barreira da língua pudesse ser um problema, mas há colaboradores de outros países da América Latina. De qualquer forma, eles vão ser muito bem-vindos quando surgirem – indica Fowkes, que também é músico e escuta seus próprios sons. – Dependendo do momento, posso estar ouvindo a eletrônica de Forest Swords e Clark, o jazz de Yazz Ahmed e The Comet ou o rock de Shellac e Fugazi. Isso é sempre um bom ponto de partida para as pesquisas do projeto.