Brasil e Bélgica: a disputa fora dos campos

Europeus ganham de lavada em dados sobre violência e educação, mas Brasil surpreende em alguns indicadores

Por Fernanda Baldioti | ODS 8 • Publicada em 5 de julho de 2018 - 08:26 • Atualizada em 5 de julho de 2018 - 13:28

Manifestantes protestam contra o uso de energia nuclear na Bélgica (Foto: Khang Nguyen/dpa / AFP)
Manifestantes protestam contra o uso de energia nuclear na Bélgica (Foto: Khang Nguyen/dpa / AFP)
Protesto contra o uso de energia nuclear na Bélgica (Foto: Khang Nguyen/dpa / AFP)

Com a Alemanha fora da Copa, o jogo entre Brasil e Bélgica na próxima sexta-feira pode ser considerado uma final antecipada se levarmos em conta o ranking da Fifa: nossa seleção ocupa o segundo lugar da lista, enquanto os belgas estão na nossa cola, na terceira colocação. A excelente campanha dos Diabos Vermelhos nas eliminatórias reflete o trabalho de um time que já vem sendo chamado de “geração de ouro”. Mas, apesar da boa performance e de uma longa tradição no futebol, os belgas não têm uma estrela sequer na camisa e o máximo que conseguiram nos gramados foi uma medalha de ouro nas Olimpíadas de 1920. Agora, se o assunto mudar para Prêmio Nobel, por exemplo, o Brasil é quem perde de goleada, e a diferença é ainda pior do que aquela do fatídico jogo contra os alemães: os belgas já foram laureados nove vezes, contra apenas um Nobel brasileiro.

Por aqui, Peter Brian Medawar é um nome praticamente desconhecido. Mas foi ele o craque da medicina que garantiu o nosso gol de honra na lista do Nobel, embora, em campo, atuasse mesmo na Inglaterra, onde fez sua carreira. Um personagem belga, no entanto, é bem mais famoso por aqui: o repórter Tintim, que, junto com o Milou, conquistou diferentes gerações com suas aventuras. Assim como nossa Mônica e sua turma, que, apesar de não ter ganhado ainda uma versão em 3D dirigida por Steven Spielberg como o personagem europeu, está presente em produtos licenciados em mais de 30 países.

Além do desenho animado de Hergé, outro produto belga que é uma espécie de camisa 10 da indústria do país é o chocolate, que movimentou US$ 3 bilhões em 2018, perdendo apenas para a Alemanha no ranking mundial. Só para exportação, em 2016, foram produzidas 250 mil toneladas. O país, no entanto, vive uma espécie de crise existencial, já que as fábricas nacionais estão sendo vendidas para investidores estrangeiros. Em maio, a  Galler foi comprada pela família real do Qatar. E a Guylian está nas mãos do conglomerado sul-coreano Lotte. Em se tratando de volume da produção, o Brasil não fica muito para trás: de janeiro a setembro de 2016, foram fabricadas 393,4 mil toneladas. Mas enquanto a qualidade do chocolate por lá é indiscutível, por aqui, projetos de lei na Câmara e no Senado propõem um aumento no percentual mínimo de cacau para que um doce seja considerado chocolate: hoje este número está em 25%. Em outros países, varia de 32% a 35%. Apesar de parecer simples, o aumento vem gerando debates no setor, que precisa importar a matéria-prima de Gana. Além disso, produtores argumentam que a quantidade de cacau não é determinante para a qualidade do produto, que atende ao paladar nacional.

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Em 2017, o endividamento dos cofres públicos da Bélgica chegou a 103% do PIB

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Assim como o chocolate, a cerveja é outra espécie de centroavante da indústria belga, com números que impressionam. Tanto que, em 2016, a cultura da cerveja belga foi declarada pela Unesco Patrimônio Imaterial da Humanidade. Mas em termos de volume de produção, a taça fica com o Brasil. Em 2017, foram feitos 13,3 bilhões de litros, segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil). O setor é um dos mais relevantes da economia brasileira. Em 2016, fechou o ano com um faturamento de R$ 77 bilhões, com mais de 2,2 milhões de pessoas empregadas ao longo da cadeia produtiva, que é responsável por 1,6% do PIB do país. Já o relatório da Belgium Brewers mostra que as 224 cervejarias da associação produziram 2 bilhões de litros em 2016, empregando 4.735 pessoas diretamente e 49 mil indiretamente. De acordo com a entidade, 68% desta produção é voltada para a exportação. O Departamento Federal de Planejamento estima que a contribuição do setor para a economia belga chegue a 4 milhões de euros.

Monge trapista cervejeiro na abadia Notre Dame de Saint Remy Rochefort (Foto: GEORGES GOBET / AFP)

Como é de se esperar, de maneira geral, os indicadores econômicos favorecem os belgas. Eles registraram, em 2016, um PIB per capita (valor total do indicador dividido pelo número de habitantes do país) de 41.096,16 dólares, enquanto por aqui, o placar apontou 8.649,95. A taxa de desemprego deles também ganha de lavada da nossa: 6.9% da população economicamente ativa da Bélgica está sem trabalho, enquanto aqui o número é quase o dobro, 12.7%.

Dívida pública e corrupção

Mas, na hora de avaliar a dívida pública, os belgas ficam em desvantagem: em 2017, o endividamento dos cofres públicos foi estimado em 103% do PIB do país, enquanto o Brasil apurou 74%.  Em 2016, a Bélgica concluiu, com sucesso, uma emissão de obrigações no valor de cem milhões de euros, com um prazo de um século. É isso mesmo: o reembolso total do dinheiro que o país pediu emprestado só será concretizado em 2116. Em 2015, que o Estado belga já tinha recorrido a um prazo tão longo para captar financiamento.

Nos últimos anos, o país europeu foi abalado também por escândalos de corrupção, um deles envolvendo o ex-prefeito de Bruxelas, Yvan Mayeur, que acabou renunciando. Um relatório do parlamento regional de Bruxelas constatou que ele recebia até 18.900 euros por ano para participar das reuniões do conselho de uma ONG que presta apoio a pessoas que moram nas ruas. Um número quase irrisório se comparado aos milhões desviados dos cofres públicos no Brasil. Só o esquema do ex-governador do Rio faturou R$ 500 milhões em propinas, segundo estimou o delator Carlos Miranda.

Energia nuclear

Mas a surpresa fica por conta dos dados quanto ao uso de energias renováveis. Neste quesito, o Brasil aparece em terceiro lugar no ranking mundial de capacidade instalada, atrás de China e EUA. O uso de fontes limpas de energia corresponde a 45,8% da nossa matriz, enquanto na Bélgica este número é de apenas 8%. O problema é que a matriz ainda pouco diversificada no Brasil não garante segurança energética, resultando muitas vezes em crises de abastecimento, como a de 2015. Já na Bélgica, as fontes fósseis pesam 86% no total do consumo do país, que ainda conta com 6% da nuclear. O governo planeja fechamento de todas as usinas até 2025, mas o prazo deve atrasar. Especialistas argumentam que a completa eliminação da fase nuclear levará a maiores importações de energia suja de países vizinhos, como o carvão da Alemanha e da Holanda. A hesitação por trás da eliminação nuclear da Bélgica está lançando uma sombra sobre a transição do país para 100% de renováveis ​​até 2050. A curto prazo, a meta é que fontes renováveis cheguem a 13% da matriz até 2020.

Apesar da bola fora, a Bélgica, em 2015, teve a melhor taxa de reciclagem de embalagens na Europa, de acordo com o escritório europeu de estatística, Eurostat. Atualmente, cerca de 132 mil toneladas (84%) de embalagens plásticas são recicladas na Bélgica. Mas é preciso lembrar também que o país figura como o maior produtor de plástico do mundo numa avaliação per capta

E tradição eles têm neste quesito: foi o belga Leo Henricus Baekeland quem deu o pontapé inicial na produção do material, inventando a primeira versão comercial do produto.

Público confere as novidades da Feira do chocolate em Bruxelas (Foto: Dursun Aydemir / Anadolu Agency)

Além da questão ambiental, o terrorismo é outro ponto que preocupa os belgas. O país foi alvo de diversos ataques, sendo o último deles no fim de maio, quando um homem matou três pessoas e acabou sendo morto pela polícia em Liège. A cidade já havia sido alvo de um tiroteio em 2011, quando um atirador matou quatro pessoas e feriu outras 100 antes de atirar contra si mesmo. Mas o ataque que os belgas não vão esquecer foi o de março de 2016, quando homens-bomba fizeram explosões no aeroporto e no sistema de metrô de Bruxelas que deixaram 32 mortos e mais de 300 feridos. Ainda assim, no ranking dos 132 países mais inseguros do mundo, feito pela ONG Social Progress Imperative, em 2017, a Bélgica ocupa apenas 117ª posição. Já o Brasil aparece em nono lugar. A diferença fica evidente se compararmos o número de homicídios: na Bélgica, o índice é de 1,9 por cada 100 mil habitantes, enquanto no Brasil é de mais de 29 por 100 mil registrados, segundo levantamento mais recente da ONU.

Rio? Pode chamar de ‘Belduras’

O drible da Bélgica neste quesito é tamanho que o país até serviu de referência para um apelido que evidencia as discrepâncias sociais no Rio de Janeiro: a cidade foi chamada de “Belduras”, para demonstrar as diferentes chances de grupos heterogêneos serem assassinados na cidade. A comparação, uma menção à taxa de homicídios da Bélgica, uma das mais baixas do mundo, e a de Honduras, o país mais violento, está no estudo Democracia Racial e Homicídio de Jovens Negros na Cidade Partida, lançado em 2016, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Na Educação, a Bélgica também bate um bolão. A taxa de alfabetização chega a 99% (contra 92,6%, do Brasil). Recentemente, um menino belga ganhou as manchetes do mundo ao se formar no Ensino Médio e ser aprovado em universidades aos 8 anos. O garoto, que tem um QI de 145, completou 6 anos de estudo em apenas um ano e meio, concluídos graças a aulas particulares. Apesar do feito inédito, na Bélgica, segundo a imprensa local, 2,5% da população é considerada de alto potencial com um QI de 130 ou mais. De acordo com o último relatório do Pisa (Programme for International Students Assessment, índice internacional de referência quando se fala em educação), os alunos belgas estão mais bem preparados do que os brasileiros. O índice mede a capacidade dos alunos em três eixos principais: leitura, ciência e matemática. Em todos, a Bélgica ficou à frente.

Agora, vamos ver nos fundamentos do futebol, quem se sai melhor…

 

Fernanda Baldioti

Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.

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