O apetite por energia do streaming em tempos de covid-19

Confinamento provoca aumento no consumo de filmes e séries online através de plataformas que já bateram recordes no ano passado

Por José Eduardo Mendonça | ODS 7 • Publicada em 13 de abril de 2020 - 08:18 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 22:23

Netflix no computador e no smartphone: o consumo de energia global da plataforma aumentou em 84% em 2019 (Foto: Omer Evren Atalay/Anadolu Agency/AFP)

Muito de nossas vidas são cada vez mais compartilhadas online, mas poucos de nós pensamos no enorme impacto ambiental de todos os dados que passam por nossos computadores ou smartphones. A questão vai muito além do que pesquisar, mandar e-mails ou navegar nas mídias sociais. De acordo com relatório do Netflix, o consumo de energia global da plataforma aumentou em 84% em 2019, chegando a 415 mil terawats-hora, o bastante para alimentar 40 mil lares típicos americanos por um ano. Tanto o Netflix quanto gigantes como Google e Amazon adotam a utilização de quantidade crescente de energia renovável, mas o mesmo não se dá no mercado com um todo, que continua a ser movido por energia gerada por combustíveis fósseis.

Ainda não há cálculos de exatamente quanto a busca por essas plataformas de streaming aumentou durante a pandemia de covid-19 e o consequente confinamento ou isolamento da população. Na Espanha, o número de horas diante da televisão passou de cinco horas e meio diárias por pessoal – um patamar nunca alcançado nos últimos anos: a maior parte pelo consumo de filmes e séries em plataformas de streaming. “A situação de confinamento está se traduzindo em um notório aumento nas horas em que estamos conectados às telas, e as plataformas de streaming têm sido os grandes beneficiários”, afirma Elena Neira, professora de Ciências da Informação e Comunicação da Universidade Aberta da Catalunha.

Nos Estados Unidos, a WarnerMedia, proprietária da HBO, analisou quantos de seus assinantes estão gastando mais tempo assistindo filmes e programas de TV nas últimas semanas. Enquanto a indústria da televisão como um todo viu um aumento de 20% – na segunda quinzena de março – em comparação com o mês anterior, a porcentagem de pessoas que assistem séries de TV aumentou 65%, enquanto a exibição de filmes aumentou 70% na HBO Now. Embora não revelassem números, a Netflix e a Disney Plus confirmaram aumento significativo no consumo de seus produtos a partir de 14 de março, quando o isolamento social realmente começou nos Estados Unidos.

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A disparada de demanda por streaming em um momento que o uso da banda larga é fundamental para a transmissão de dados sobre a pandemia fez com que Netflix, Amazon Prime Video, Disney Plus, YouTube e outras plataformas de vídeo tivessem que se comprometer a reduzir a qualidade do streaming na Europa, a pedido da União Europeia. Os provedores de serviços de Internet em diferentes partes do mundo pediram à Netflix para começar a reduzir a qualidade do streaming imediatamente.

Consumo insaciável

Torna-se cada vez mais urgente que a sociedade confronte o fato de que estamos queimando enormes quantidade de energia com o uso de energia para o streaming de séries e filmes, jogos online ou assistentes de voz como o Alexa ou o Siri  – e considerar a estrutura de tecnologia por trás destes serviços.

Como os serviços aparecem como que por mágica em nossos aparelhos, quase nunca pensamos na energia que torna isso possível. – ou sobre as emissões, poluição térmica e outros efeito colaterais do nosso consumo. Invisíveis para nos, os data centers funcionam servindo nossos hábitos de streaming.

O Netflix teve um crescimento de assinantes  em 8.33 milhões apenas no quarto trimestre de 2019. A Apple lançou recentemente seu canal de conteúdo. A Disney entrou no mercado com força total para enfrentar a concorrência. Acrescente a isso, um bilhão de horas por dia do Youtube.  Mais assistentes visuais e sistemas de GPS, sensores nas ruas e cripto moedas. E, logo, conectividade do G5, cirurgias remotas ou carros autônomos.  

YouTube, um bilhão de horas por dia de consumo: apetite insaciável por vídeos (Foto: Altan Gocher/NurPhoto/AFP)
YouTube, um bilhão de horas por dia de consumo: apetite insaciável por vídeos (Foto: Altan Gocher/NurPhoto/AFP)

Os data centers que processam e armazenam dados de nossas atividades online já respondem por 1% do uso global de eletricidade, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Isto é quase a mesma quantidade que um país como a Austrália consome em um ano. Mas, com as sociedades se tornando cada vez mais digitalizadas, este percentual pode chegar a 8% do total da demanda mundial até 2030,  criando a preocupação de que isto irá significar mais queima de combustíveis fósseis. 

O apetite irreversível e aparentemente insaciável do mundo desenvolvido por streaming já indicava que os números deveriam subir – antes mesmo da pandemia da covid-19. Na verdade, a transferência global de dados e a infraestrutura necessária para apoiá-la ultrapassou a indústria aeroespacial (2.5% do total) em termos de emissões de carbono. O que suscita a questão: o que irá acontecer quando centenas de milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento começarem a adotar este hábito?

Além disso, cerca de apenas 6% de todos os dados criados estão em uso hoje, de acordo com a Hewlett Packard. Isto significa que 94% estão estacionados em um “aterro” digital, com uma enorme pegada de carbono.

E aqueles que acham que, ao deletar e-mails, eles desaparecem, provavelmente estão errados Cópias múltiplas de mesmo e-mails, de uma década atrás, estão armazenados em servidores no mundo. E a energia serve para mantê-las vivas. A soma de todos os dados do mundo em 2018 foi de 33 zetabytes (um zetabyte é igual a um trilhão de gigabytes), mas, em 2025 poderá ter crescido cinco vezes, chegando a 175 zetabytes, de acordo com a International Data Corp. Não há ainda cálculos de como a pandemia e seu consequente impulso no consumo de streaming fará esse número aumentar.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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