Emissões de gases de efeito estufa por termelétricas têm queda de 65% em 2022

A Usina Termétrica Candiota III em Santa Catarina: Emissões de gases de efeito estufa de termelétricas caíram em 2022 (Foto: Divulgação/GTE Eletrosul)

Redução é reflexo de melhoria das condições climáticas, mas pesquisadores alertam para impacto das novas usinas térmicas previstas na lei de privatização da Eletrobras

Por Oscar Valporto | ODS 7 • Publicada em 19 de outubro de 2023 - 12:42 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 09:02

A Usina Termétrica Candiota III em Santa Catarina: Emissões de gases de efeito estufa de termelétricas caíram em 2022 (Foto: Divulgação/GTE Eletrosul)

As emissões de gases de efeito estufa de usinas termelétricas caíram 65% em 2022, em relação ao ano ano anterior, de acordo com o “3º Inventário de emissões atmosféricas em usinas termelétricas”, lançado hoje, quinta-feira (19), pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). A boa notícia é reflexo de um período de condições climáticas favoráveis à geração hidrelétrica após a crise hídrica, além do crescimento de outras fontes renováveis como eólica e solar.

Nós precisamos ficar atentos ao médio e longo prazo porque as termelétricas jabutis, previstas em lei, significam um risco real para a transição energética que o país precisa. É uma ameaça aos planos de descarbonização do setor elétrico

André Luís Ferreira
Diretor-executivo do Iema

O inventário mostra que as 72 usinas termelétricas fósseis conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) emitiram 19,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2022 – redução de 65% em relação ao total emitido pelo parque termelétrico fóssil do SIN em 2021. Assim, no ano passado, toda a geração termelétrica fóssil brasileira voltou a representar os mesmos 10% da geração de eletricidade na matriz elétrica de 20 anos atrás.

A geração termelétrica das usinas inventariadas totalizou 31,1 TWh em 2022, uma queda de 67% em relação a 2021, quando esse valor foi de 95,7 TWh. As condições climáticas favoráveis não foram o único fator para a queda. “Ano passado, a geração eólica ultrapassou pela primeira vez a geração termelétrica fóssil e a geração solar teve um aumento de 80% em comparação ao ano de 2021”, destacou a pesquisadora Raíssa Gomes, durante entrevista coletiva virtual organizada pelo Iema para a apresentação do inventário. “Apesar dessa redução, a demanda nacional por energia elétrica cresceu 3% de 2021 para 2022”, ressalvou a coautora do estudo.

Os pesquisadores do estudo frisaram que há uma tendência de aumento de emissões por usinas fósseis no médio prazo, mesmo com esses dados aparentemente favoráveis de 2022. “Nós precisamos ficar atentos ao médio e longo prazo porque as termelétricas jabutis, previstas em lei, significam um risco real para a transição energética que o país precisa. É uma ameaça aos planos de descarbonização do setor elétrico”, afirmou o professor André Luís Ferreira, diretor-executivo do Iema.

As “termelétricas jabutis” citadas por Ferreira são as inseridas pelo Congresso no projeto de privatização da Eletrobras – jabuti é um termo da política para definir a inserção numa proposta legislativa de tema sem relação ao projeto original. A Lei 14.182/2021 (resultado do projeto de conversão da MP da desestatização da Eletrobras) prevê a instalação de 8 mil MW em termelétricas a gás nas Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, que devem entrar no sistema entre 2026 e 2030.

O estudo destaca ainda que, em 2022, foi aprovada a lei que posterga subsídios e vida útil de usinas a carvão mineral até 2040, e também começaram a entrar em operação as usinas a combustíveis fósseis vencedoras do Procedimento Simplificado de Contratação (PCS), leilão criado em caráter de emergência como tentativa de resposta à crise hídrica de 2021. “Essa inserção de novas centrais elétricas poluidoras no sistema foi conduzida mesmo em um cenário hídrico favorável que, conforme os resultados deste trabalho mostraram, posicionou as hidrelétricas em excelentes condições de geração e diminuiu sobremaneira a necessidade de acionamento de unidades termelétricas”, ressalta o inventário.

O engenheiro Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Iema e coautor do trabalho, lembrou que as condições climáticas favoráveis nem sempre vão se repetir – em 2021, com a crise hídrica, as emissões das termelétricas aumentaram 75% em relação a 2020 – e, por isso, é preciso ficar atento às políticas públicas. “Nós sempre estamos vendo pressões para mais subsídios para as termelétricas fósseis”, lembrou. Previsões do Operador Nacional do Sistema (ONS) e da Empresa Brasileira Energética (EPE) apontam que a geração de energia pelas termelétricas suba para 12% no fim da década. “É uma previsão baseada na lei com as termelétricas jabutis. É este cenário que precisamos evitar. Precisamos da redução desse percentual para termos uma matriz elétrica bem menos poluente”, alertou André Luís Ferreira.

Com a redução significativa da geração termelétrica e o aumento das fontes renováveis, o Sistema Interligado Nacional (SIN) como um todo — hidrelétricas, eólicas, solares e termelétricas nucleares, renováveis e fósseis —, apresentou uma queda significativa em sua taxa de emissão global, que variou de 92 tCO2e/ GWh em 2021 para quase um terço disso em 2022 (32 tCO2e/ GWh), apontou o inventário. Entre as termelétricas, oO estudo indicou que 23,3 TWh – terawatt-hora, unidade de medida da energia equivalente a mil gigawatt-hora – foram produzidos a partir do gás natural (41 plantas), o que corresponde a 75% do total inventariado. O carvão mineral foi responsável pela geração de 6,9 TWh, representando 22% da produção de eletricidade fóssil. O aumento proporcional do emprego de termelétricas a carvão ocasionou uma elevação de 9% na taxa de emissão média inventariada, passando de 582 tCO2e/ GWh em 2021 para 637 tCO2e/ GWh em 2022.

O inventário ressalta ainda que vem ocorrendo aumento consistente na utilização de termeletricidade fóssil, principalmente, a partir da década de 2010. Essa categoria de geração passou de 30,6 TWh em 2000 para 91,8 TWh em 2020 (aumento de 200%), resultando em uma elevação de 113% nas emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico. “A matriz elétrica brasileira passa por uma transição caracterizada pela crescente ampliação da participação de renováveis não hídricas, como biomassa e eólica, e pela expansão do uso de combustíveis fósseis. De 2002 a 2022, a geração total de energia elétrica cresceu 96%, enquanto a geração por meio da fonte hidráulica apresentou aumento um tanto inferior (49%). Ainda assim, a hidroeletricidade ainda ocupa a posição de mais importante fonte de geração da matriz elétrica brasileira, representando 63% de toda eletricidade gerada em 2022”, destaca o documento do Iema.

Termelétricas poluidoras no Sul

As quatro usinas que mais emitiram GEE em 2022 foram movidas a carvão mineral e estão localizadas no Sul do país. O destaque vai para Candiota III (RS) que, apesar de ter sido a quinta maior geradora em 2022, foi a maior emissora, responsável por 12% das emissões de todo o parque termelétrico estudado. O subsistema Sul foi o maior emissor de GEE de 2022, com 40% do total de emissões (7,9 milhões de tCO2e), impulsionado pela geração termelétrica nos municípios de Capivari de Baixo (20%), em Santa Catarina, e Candiota (19%), no Rio Grande do Sul, sedes de usinas a carvão mineral.

Apesar de 39 empresas gerarem energia elétrica fóssil no Brasil, quase 75% das emissões inventariadas em 2022 foi de responsabilidade de apenas quatro empresas: Petrobras (22%), Eletrobras (21%), Fram Capital Energy (20%) e Eneva (11%). A Petrobras, entretanto, apresenta taxa de emissão menor que a média das empresas inventariadas, devido, principalmente, à eficiência das tecnologias empregadas em suas termelétricas: usinas mais eficientes queimam menos combustível e emitem menos gases de efeito estufa por gigawatt-hora (GWh) produzido.

O “3º Inventário de emissões atmosféricas em usinas termelétricas” também apresenta as emissões de gases poluentes como óxidos de nitrogênio das plantas analisadas – que são diferentes dos gases de efeito estufa. As dez termelétricas com maiores emissões de óxidos de nitrogênio, que forneceram informações à base de dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), estão respectivamente localizadas nos municípios de Capivari de Baixo (SC), Duque de Caxias (RJ), Canoas (RS), Cubatão (SP), São Francisco do Conde (BA), Linhares (ES), Alto dos Rodrigues (RN) e Candiota (RS).

Os óxidos de nitrogênio são poluentes emitidos em grandes quantidades por qualquer termelétrica fóssil. Sua presença no ar em concentrações elevadas está associada a uma variedade de preocupações ambientais, como a ocorrência de chuva ácida, e de saúde pública, incluindo enfermidades respiratórias. No entanto, dos 41 municípios onde estão instaladas as usinas termelétricas que operaram em 2022, 20 não têm estações oficiais de monitoramento da qualidade do ar. “Isso evidencia lacunas da rede brasileira de monitoramento da qualidade do ar, o que impossibilita a verificação adequada dos riscos à saúde a que estão expostos os habitantes que vivem na área de influência dessas termelétricas”, comenta Helen Sousa, coautora do estudo.

O inventário ressalta que diversos projetos termelétricos estão sendo considerados para implementação em locais sem monitoramento da qualidade do ar e onde já há esse tipo de empreendimento em operação. Além das emissões de gases de efeito estufa e de poluentes do ar, a geração termelétrica fóssil provoca uma série de outros problemas ambientais como estresse hídrico por conta da utilização de água para resfriamento de sistemas ou competição no despacho de energia com fontes renováveis.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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