Só 8% dos rios da Mata Atlântica têm água de boa qualidade

Rio Pinheiros, em São Paulo, tem a pior qualidade de água entre mais de mil amostras analisadas na Mata Atlântica: só 8% com água de boa qualidade (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil – 05/06/2019)

Estudo no Dia Mundial da Água indica ligeira melhora mas 15% das amostras mostram água não apropriada nem para abastecimento humano nem para consumo animal e nem mesmo para agricultura ou indústria

Por Oscar Valporto | ODS 6 • Publicada em 21 de março de 2024 - 20:31 • Atualizada em 3 de abril de 2024 - 09:10

Rio Pinheiros, em São Paulo, tem a pior qualidade de água entre mais de mil amostras analisadas na Mata Atlântica: só 8% com água de boa qualidade (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil – 05/06/2019)

Divulgado neste Dia Mundial da Água (22/03), novo estudo da Fundação SOS Mata Atlântica aponta que, no bioma onde vive mais de 70% da população brasileira, apenas 8% das mais de mil análises realizadas em 2023 indicam água de boa qualidade. E 12,1% das amostras indicaram qualidade de água ruim e 2,9% qualidade péssima: em 15% dos pontos analisados na Mata Atlântica, portanto, a água não é apropriada para seus usos múltiplos – abastecimento humano, consumo dos animais, utilização na agricultura, indústria, lazer e esportes.

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Os dados são da edição de 2024 da pesquisa “O Retrato da Qualidade da Água nas Bacias Hidrográficas da Mata Atlântica”, realizada pelo programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica. E os resultados nem são tão ruins quanto parecem. “Percebemos uma tendência de melhora, mas o quadro de alerta em relação aos rios da Mata Atlântica persiste, revelando a fragilidade da condição ambiental de parte significativa dos corpos d’água monitorados”, afirma o geógrafo Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios.

Enquanto a ONU reforça a importância da água como um bem comum global e destaca compromissos para políticas integradas até 2030, o Brasil enfrenta a necessidade urgente de aprimorar suas políticas públicas e práticas para garantir um futuro sustentável e seguro para todas as pessoas

Malu Ribeiro
Diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica

A tendência de melhora está no aumento de 6,9% para 8% nas análises com qualidade de água boa e da queda de 16,3% para 12,1% na porcentagem de qualidade ruim na comparação de 2023 com 2022. As amostras classificadas na categoria regular representam 77% do total, um aumento de dois pontos percentuais. “A qualidade regular da água obtida em 77% dos pontos demanda atenção especial dos gestores públicos e da sociedade, especialmente neste momento de emergência climática”, acrescentou Veronesi. A avaliação geral indica uma situação ainda longe do ideal, com menos de 10% dos pontos analisados com qualidade boa e, como nos últimos anos, nenhum com qualidade ótima.

De acordo com a SOS Mata Atlântica, o objetivo do relatório é oferecer o retrato da qualidade da água em bacias hidrográficas do bioma por meio de dados do Índice de Qualidade da Água (IQA), levantados por uma rede de cerca de 2.700 voluntários do programa Observando os Rios. Com base em coletas mensais entre janeiro e dezembro de 2023, foram realizadas 1.101 análises em 174 pontos de 129 rios e corpos d’água em 80 municípios de 16 estados da Mata Atlântica.

O estudo aponta que os resultados dos 126 pontos de análise comparáveis, entre 2022 e 2023, indicaram estabilidade da média da qualidade da água: 10 pontos com qualidade boa (em 2022, eram nove); 100 com qualidade regular (94, em 2022); 13, ruim (20, no ano anterior) e três, péssima, assim como em 2022. “Mais uma vez, a pior classificação ocorreu no mesmo local e na mesma quantidade que no ano anterior, no rio Pinheiros, em São Paulo”, frisa o documento.

Voluntários do programa Observando os Rios recolhem amostras de água: análises de 129 rios da Mata Atlântica mostram apenas 8% com qualidade boa (Foto: Fundação SOS Mata Atlântica)
Voluntários do programa Observando os Rios recolhem amostras de água: análises de 129 rios da Mata Atlântica mostram apenas 8% com qualidade boa (Foto: Fundação SOS Mata Atlântica)

O relatório destaca boas notícias para o Rio Mamanguape, na Paraíba, e o Ribeirão do Curral, em Ilhabela, no estado de São Paulo, que saíram de condição regular para boa. A média de qualidade do rio Tietê, na divisa entre os municípios de São Paulo e Guarulhos, passou de ruim para regular, “possível consequência de obras de coleta e tratamento de esgotos recentemente finalizadas”. Na Região Sul, os rios Brás, em Santa Catarina, e Feitoria e Noque, Rio Grande do Sul, também foram de qualidade de água em média ruim para regular. Três pontos de água péssima estão localizados no Rio Pinheiros, na capital paulista, um no Rio Tietê, em Barueri (SP), e outro em Ribeirão dos Meninos, em São Caetano do Sul (SP).

De acordo com a SOS Mata Atlântica, as precárias condições de saneamento básico no país e o crescimento desordenado das grandes e médias cidades são fatores importantes para os resultados que indicam a baixa qualidade da água. “Enquanto a ONU reforça a importância da água como um bem comum global e destaca compromissos para políticas integradas até 2030, o Brasil enfrenta a necessidade urgente de aprimorar suas políticas públicas e práticas para garantir um futuro sustentável e seguro para todas as pessoas”, afirmou Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, destacando que a integração de políticas públicas e agendas relacionadas à água, clima, meio ambiente e saneamento no Brasil permanece como um desafio. “A participação ativa da sociedade civil e a atuação em comitês de bacias hidrográficas são fundamentais para promover a qualidade da água e a gestão sustentável dos recursos hídricos”, adicionou.

Esgoto, água e desperdício

Dados divulgados pelo Instituto Trata Brasil, na quarta-feira (20/03), revelaram que a falta de acesso à água potável ainda impacta quase 32 milhões de pessoas no Brasil e cerca de 90 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto. O estudo – Ranking do Saneamento 2024, com o foco nos 100 municípios mais populosos do país – foi do realizado a partir dos indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano-base de 2022, publicado pelo Ministério das Cidades.

Os dados do SNIS apontam que o país ainda tem grandes dificuldades com a coleta e com o tratamento de esgoto. Na comparação entre os dados do SNIS nos anos-base 2021 e 2022, a coleta de esgoto subiu de 55,8% para 56% – aumento de 0,2 pontos percentuais – e o tratamento foi de 51,2% para 52,2%, aumento de 1 ponto percentual. De acordo com o Trata Brasil, dados mais recentes indicam que mais de 5,2 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente.

Sobre o acesso à água potável, a avaliação dos 100 maiores municípios brasileiros feita pelo Trata Brasil aponta que 22 cidades têm que 100% de atendimento total de água e outros 18 registram valores de atendimento superiores a 99%. O indicador médio de atendimento dos 100 maiores municípios é 94,92% e mostra um pequeno progresso frente ao índice de 94,19% do ano-base 2021. A média brasileira geral, de acordo com os dados do SNIS (ano-base 2022), foi de 84,92%.

O ranking do Trata Brasil, feito em parceria com a GO Associados, contém ainda um índice de perdas na distribuição de água, que busca estabelecer uma relação entre a água produzida e a água efetivamente consumida nas residências – quanto menor for a porcentagem, menor parte da água produzida é perdida na distribuição. O indicador médio dos 100 municípios mais populosos do país foi de em 35,04% no SNIS (ano-base 2022), o que representa uma leve melhora em relação aos 36,51% de 2021. Este valor é inferior à média nacional divulgada no SNIS (ano-base 2022, que foi de 37,78%. Dos 100 municípios rankeados , apenas 14 possuem níveis de perdas na distribuição menores que 25% (valores considerados como adequados). Os dados mostram ainda que 1/5 da amostra (20 municípios) tem perdas na distribuição superiores a 50%.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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