De tudo que é gerado no Brasil em resíduos, cerca de 40% vai para os lixões, apesar da legislação proibir isso há 70 anos. À luz desse cenário, o debate sobre como implementar no Brasil a Logística Reversa – conjunto de ações, para viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento ou destinação adequada – ganha cada dia mais importância e foi um dos temas discutidos na Semana Lixo Zero, que termina neste domingo 27. “Temos um problema de base no Brasil, já que 41% de tudo o que é gerado no país ainda vai para lixões, não aterros sanitários, lixões mesmo”, constatou o advogado Fabrício Soler, especializado em Direito Ambiental e dos Resíduos.
Em debate sobre as responsabilidades na logística reversa e como a sociedade pode contribuir para fazer valer esse instrumento da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS, lei de 2010), Soler lembrou que os aterros sanitários são obras de engenharia, com licenças de órgãos ambientais e sistemas de controle. “Já os lixões não têm nada disso”, frisou no painel realizado no espaço Vila da Terra, em São Paulo.
[g1_quote author_name=”Fabrício Soler” author_description=”Advogado especializado em Direito Ambiental e dos Resíduos” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
Quando a gente compra um pneu, para ter um sistema que recupere esse produto e assegure a sua reciclagem, há um custo embutido. Há um valor adicional para pagar esses sistema de recuperação, tratamento, coleta e destinação final. Precisamos conscientizar o cidadão sobre isso.
[/g1_quote]A PNRS prevê a responsabilidade da indústria sobre os resíduos gerados por seus produtos e responsabiliza toda a cadeia de produção e consumo pelo ciclo de vida dos produtos com a aplicação da logística reversa e do acordo setorial, um contrato firmado entre o poder público e os fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes.
O objetivo é que os resíduos descartados retornem ao fabricante e seja reintroduzido no processo produtivo por meio de aproveitamento ou reciclagem. Mas apenas alguns setores do processo de produção, distribuição e comercialização de produtos assinaram esses acordos.
[g1_quote author_name=”Flávio Ribeiro” author_description=”Professor da Universidade Católica de Santos e pesquisador do Grupo de Prevenção à Poluição da Escola Politécnica da USP” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
Quem põe o produto no mercado, importador ou fabricante, é o responsável. A partir daí , vêm as responsabilidades assessórias. Os acordos setoriais deveriam fazer a divisão de responsabilidade, só que isso não acontece. Alguns assumem compromissos, outros não fazem absolutamente nada
[/g1_quote]Um dos grandes desafios da logística reversa no Brasil é assegurar que todos os atores assumam as suas responsabilidades de acordo com os seus papeis, observou Fabrício. “Parte do empresariado cumpre a sua obrigação, parte não. E os produtos estão nos mercados sem distinção. O cidadão não sabe qual empresa cumpre a sua obrigação. Há setores que não gastam um real com logística reversa”, lamentou. Ele deu o exemplo dos importadores de produtos com embalagens, que não precisam de licenças ambientais e de plano de direcionamento de resíduos. “Tem que ter um arrastão, um plano de autuação das empresas que não cumprem as suas obrigações. Falta enfrentamento”, constatou Fabrício.
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Veja o que já enviamosUm dos maiores especialistas do Brasil no assunto, o engenheiro ambiental Flávio Ribeiro, professor da Universidade Católica de Santos e pesquisador do Grupo de Prevenção à Poluição da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), concordou. “Quem põe o produto no mercado, importador ou fabricante, é o responsável. A partir daí vem as responsabilidades assessorias”, disse. Ele destacou o papel fundamental do poder público para fazer com que a lei seja igual para todos. “Os acordos setoriais deveriam fazer a divisão de responsabilidade, só que isso não acontece. Alguns assumem compromissos, outros não fazem absolutamente nada”, criticou.
[g1_quote author_name=”Maria Tereza Monte Negro” author_description=”Presidente da Viva Bem, cooperativa de reciclagem” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
Alguns participam da logística reversa. Outros estão com os dedinhos encolhidos. Todo mundo sabe quem são e não se faz nada em relação a isso
[/g1_quote]Flávio lembrou que em São Paulo existe uma proposta de obrigar o varejo, no ato de solicitação do alvará de funcionamento, a demonstrar que tenha os pontos de coleta necessários para poder participar da logística reversa. “Mas é preciso de coragem para sancionar uma lei como essa. Não conheço, até hoje, nenhuma câmara municipal que tenha”, afirmou.
O debate contou com a participação de dois representantes de cooperativas de resíduos: Roger Koeppl, da YouGreen, e Maria Tereza Monte Negro, da Viva Bem. “Alguns participam da logística reversa. Outros estão com os dedinhos encolhidos. Todo mundo sabe quem são e não se faz nada em relação a isso”, protestou Maria Tereza.
[g1_quote author_name=”Flávio Ribeiro” author_description=”professor da Universidade Católica de Santos e pesquisador do Grupo de Prevenção à Poluição da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]
O setor privado deveria perceber que cabe a ele, como já ocorre no resto do mundo, complementar o que falta da conta. Mas isso provavelmente vai repercutir em preço de produto e o cidadão precisa ser conscientizado disso. Tudo tem um custo. A lei dá responsabilidade para todos. Mas, como acontece nas mudanças climáticas, há responsabilidades diferenciadas. O cidadão não terá a mesma responsabilidade de um grande fabricante de bebidas, por exemplo
[/g1_quote]Luciana Annunziata, fundadora da Casa Causa, lembrou que uma das participantes da Semana Lixo Zero (que a sua empresa ajudou a organizar), contou que juntou os tênis de seus três filhos por alguns anos. “Depois, ela fez um levantamento de todas as empresas de chuteira e suas respostas a ela, que queria saber onde devolveria as chuteiras que não queria mais. Apenas uma marca recebeu os tênis de volta”, disse.
A Semana Lixo Zero também foi promovido pelo Instituto Lixo Zero Brasil e a Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável. O evento contou com o patrocínio da Nespresso e da Santa Luzia Molduras e o apoio do espaço Vila da Terra, Projeto Colabora, Envolverde, Ciclo Vivo e Por que não Mídia.
Fabrício Soler advertiu, durante o debate, que é preciso envolver também o cidadão, as cooperativas, a academia, os órgãos de controle no debate da logística reversa. “Quando a gente compra um pneu, para ter um sistema que recupere esse produto e assegure a sua reciclagem, há um custo embutido. Há um valor adicional para pagar esses sistema de recuperação, tratamento, coleta e destinação final. Precisamos conscientizar o cidadão sobre isso”, ressaltou.
Essa conta vai chegar no cidadão, concordou Flávio. “O setor privado deveria perceber que cabe a ele, como já ocorre no resto do mundo, complementar o que falta da conta. Mas isso provavelmente vai repercutir em preço de produto e o cidadão precisa ser conscientizado disso. Tudo tem um custo”, afirmou o especialista.
Mas Flávio destacou que a responsabilidade do cidadão não é a mesma de um grande fabricante. “A lei dá responsabilidade para todos. Mas, como acontece nas mudanças climáticas, há responsabilidades diferenciadas. O cidadão não terá a mesma responsabilidade de um grande fabricante de bebidas, por exemplo”, disse.
Luciana lamentou o distanciamento do cidadão em relação às cooperativas de resíduos. Para Maria Tereza, as pessoas acham bonito o trabalho das cooperativas, mas não chegam perto para oferecer ajuda. “Ninguém quer ver o lixo. Todo mundo acha muito bonito a reciclagem, mas longe. Querem sempre nos tirar da área onde atuamos. Todo mundo quer a reciclagem, mas fora de São Paulo, isso não é viável”, criticou.