Ministério Público quer parar concessão de esgotos na Barra

Abertura dos envelopes está marcada para o próximo dia 11, mas promotores enxergam inconsistências em edital da prefeitura

Por Emanuel Alencar | ODS 6 • Publicada em 5 de fevereiro de 2019 - 08:00 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 03:08

Vista área do vazamento de esgoto nas praias da Barra e de São Conrado. Foto Antonio Scorza/AFP
Vista área do vazamento de esgoto nas praias da Barra e de São Conrado. Foto Antonio Scorza/AFP
Vista área do vazamento de esgoto nas praias da Barra e de São Conrado. Foto Antonio Scorza/AFP

Com licitação marcada para o próximo dia 11 de fevereiro, na sede da Prefeitura do Rio, a concessão do serviço de esgotamento sanitário na região da Barra e Jacarepaguá, onde vivem quase 1 milhão de pessoas, está na mira do Ministério Público. Em documento enviado à Procuradoria Geral do Município e à empresa RioÁguas, em 31 de janeiro, promotores do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema-RJ) pedem a paralisação do processo. De acordo com os promotores José Alexandre Maximino e Plínio Vinícius Araújo, qualquer concessão de água e esgotos na Região Metropolitana do Rio deve passar pelo recém-criado Instituto Rio Metrópole, órgão colegiado responsável pela gestão do saneamento em 21 cidades do Grande Rio. Segundo o MP relata na recomendação de 16 páginas, há inconsistências e graves irregularidades no edital. A prefeitura, por outro lado, se diz titular do serviço e defende a concessão de 30 anos para garantir o avanço no índice de tratamento de esgotos dos atuais 59% para 95% na região.

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O governo do estado está empenhado em avançar com o saneamento e a discussão do modelo da AP4 virá à tona. A gente precisa de soluções. Cronogramas, metas claras, datas para atingimento dessas metas

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Todo o imbróglio tem origem numa questão que parece um tanto prosaica: “Quem é o dono do saneamento?”. Em decisão de 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o poder é compartilhado na Região Metropolitana do Rio. Se você pensar que rios, captações de águas e drenagens não respeitam limites municipais, perceberá coerência nessa decisão. Ainda segundo a análise do MP, a prefeitura deve observar a Lei Complementar 184/2018, aprovada em 28 de dezembro pelo então governador Francisco Dornelles, que estabeleceu a autoridade executiva da Região Metropolitana do Rio. Esse órgão colegiado, reunindo prefeitos e o governador, é o responsável pela titularidade dos serviços de saneamento.

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O prefeito Marcelo Crivella, entretanto, tem argumento contrário. Considera que a bacia hidrográfica de Jacarepaguá está totalmente inserida nos domínios municipais, e por isso o governo municipal tem todo o direito de conceder o esgoto da chamada Área de Planejamento 4 (AP4) à iniciativa privada. A tese também faz sentido – de fato a região está dentro dos limites da capital. A contenda será fatalmente debatida na Justiça.

De olho na outorga

Segundo o edital, a concessionária deve pagar ao menos R$ 350 milhões de outorga aos cofres municipais. O valor estimado do contato é de R$ 14,4 bilhões, correspondente ao valor do somatório das receitas provenientes da cobrança de tarifas. É um modelo semelhante ao que ocorre em outro trecho da Zona Oeste (AP5) desde 2012, quando o ex-prefeito Eduardo Paes concedeu o esgoto de Deodoro a Santa Cruz para uma concessionária privada. A Cedae, titular do fornecimento de água e esgotos na AP4, tem contrato até 2057 por modelo de responsabilidade compartilhada. Sem, portanto, repasse financeiro à prefeitura.

Se há um consenso nessa história, é a necessidade de se avançar com o saneamento do trecho de 19 bairros que registra o maior crescimento da cidade e padece com novos loteamentos totalmente desprovidos de infraestrutura. Caso de Rios das Pedras e seu incrível boom imobiliário guindado pela atuação das milícias. Encravada entre Itanhangá, Jacarepaguá e Anil, a favela é uma das 200 da região sem qualquer tratamento dos esgotos.

“O governo do estado está empenhado em avançar com o saneamento e a discussão do modelo da AP4 virá à tona”, diz Luiz Firmino Pereira, superintendente de Planejamento da Câmara Metropolitana. “A gente precisa de soluções. Cronogramas, metas claras, datas para atingimento dessas metas”.

Apenas parte dos esgotos da AP4 recebe tratamento primário e depois é conduzido para o emissário submarino da Barra da Tijuca. A situação das quatro lagoas – que formam o Complexo Lagunar de Jacarepaguá – é dramática. Dos seis pontos de coleta de análise ambiental distribuídos lagoas, o único que se apresenta satisfatório é localizado no trecho da Lagoa da Tijuca próximo ao mar, na altura do Canal da Joatinga.

Passivos ambientais e favelas de fora

Entre os questionamentos apontados na análise do MP sobre o edital de Crivella está o fato de que os passivos ambientais não seriam assumidos pela futura concessionária (cláusula 26). Ou seja, as necessárias dragagens e ações de controle de extravasamentos de esgotos continuariam com a prefeitura. Outro ponto: o texto da concorrência deixa 80% das áreas favelas de fora da área concedida. A terceira questão: o edital não amarra o uso do dinheiro da outorga em ações de saneamento.

Os promotores querem entender quem de fato ficará com o necessário saneamento das favelas, uma responsabilidade da prefeitura desde 28 de fevereiro de 2007, quando o então prefeito César Maia pactuou a questão com Sérgio Cabral e Wagner Victer (ex-presidente de Cedae).

Atualmente, a Cedae estima que a coleta e o tratamento por meio de sua rede chega a 80% das áreas formais da Barra, cerca de 70% das do Recreio e cerca de 60% das de Jacarepaguá. A companhia pública diz que já investiu R$ 1,7 bilhão na AP4, e que tem condições de aplicar mais R$ 1,5 bilhão em dez anos para alcançar 90% do saneamento. A Cedae demonstra disposição de levar a briga até as últimas consequências.

“Enxergamos violações constitucionais, legais e contratuais nessa tentativa da prefeitura em licitar o esgoto da AP4”, diz Lívia Bittencourt, assessora Jurídica da Cedae. “Acreditamos que a prefeitura vá acatar a recomendação do MP. Mas não ficaremos inertes. Se o certame não for suspenso, nós já temos algumas medidas jurídicas mapeadas”.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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