Rios paulistas entre poluição e promessas

A escultura móvel Pintado, de Eduardo Srur, navega no Rio Tietê para alertar para a degradação do Rio: aumento de 33% na mancha de poluição (Foto: Eduardo Srur/Divulgação)

Estudo mostra que trecho morto do Tietê aumentou 33%; governo promete limpar afluente Pinheiros até 2022 e rio principal até 2027

Por Florência Costa | ODS 6 • Publicada em 30 de setembro de 2019 - 11:34 • Atualizada em 30 de setembro de 2019 - 15:03

A escultura móvel Pintado, de Eduardo Srur, navega no Rio Tietê para alertar para a degradação do Rio: aumento de 33% na mancha de poluição (Foto: Eduardo Srur/Divulgação)
A escultura móvel Pintado, de Eduardo Srur, navega no Rio Tietê para alertar para a degradação do Rio: aumento de 33% na mancha de poluição (Foto: Eduardo Srur/Divulgação)
A escultura móvel Pintado, de Eduardo Srur, navega no Rio Tietê para alertar para a degradação do Rio: aumento de 33% na mancha de poluição (Foto: Eduardo Srur/Divulgação)

Promessa vem, promessa vai. Já são 27 anos de juras e sonhos de despoluição do Tietê, o maior rio do estado de São Paulo, e de seu famoso afluente, o Pinheiros. A degradação dessas veias aquáticas começou ainda na década de 40 e hoje, quem passa pelas suas margens tem que tapar as narinas. Estudo recém-divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica traz o retrato da degradação: o trecho morto do Tietê chegou a 163 km em 2019 – aumento de 33,6% em relação aos 122 km do ano anterior e muito longe da menor mancha de poluição registrada na série histórica do levantamento (71 km em 2014).

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A primeira tentativa oficial de limpar o Tietê foi em 1993, após uma imensa campanha, patrocinada pela ONG SOS Mata Atlântica e pela Rádio Eldorado, que reuniu 1 milhão e 200 mil assinaturas em uma época em que não existia a internet.  Assim nasceu o Projeto Tietê, um dos maiores planos de recuperação ambiental do país. O então governador do estado, Luiz Antônio Fleury, se comprometeu a despoluir o rio até 2005 e disse que iria até beber a sua água.

[g1_quote author_name=”Malu Ribeiro” author_description=”Especialista em água do SOS Mata Atlântica” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

O grande volume de chuvas levou à abertura de barragens e a mudanças operativas no Sistema Alto Tietê, com exportação de enorme carga de poluição, de sedimentos e de toneladas de resíduos sólidos retidos nos reservatórios do Sistema para o Médio Tietê. Por conta disso, a prefeitura do município de Salto retirou mais de 40 toneladas de lixo do Parque Municipal de Lavras e do complexo turístico do Tietê, e ruas foram atingidas por espumas e lama contaminada

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Os dados são do relatório Observando o Tietê 2019 – O retrato da qualidade da água e a evolução dos indicadores de impacto do Projeto Tietê revelam uma situação bem diferente: a condição ambiental do rio Tietê está imprópria para o uso, com a qualidade de água ruim ou péssima em 28,3% (os 163 km) da extensão monitorada, que totaliza 576 km – de Salesópolis, na sua nascente, até a jusante da eclusa de Barra Bonita, na hidrovia Tietê-Paraná. Segundo Malu Ribeiro, especialista em água da SOS Mata Atlântica, a ampliação da mancha de poluição sobre o rio reflete os impactos da urbanização intensa, da falta de saneamento ambiental, da perda de cobertura florestal, da insuficiência de áreas protegidas e de fontes difusas de poluição.

Jacaré teimoso, simbolo campanha pela despoluição do Rio Tiete nos anos 90 (Foto: Florência Costa)

O atual governador do estado de São Paulo, João Dória (PSDB), também já fez a sua promessa: despoluir o Rio Pinheiros até 2022, justamente o ano em que haverá eleições para governador e para presidente da República. Ele também prometeu limpar o Tietê em oito anos. O Projeto Novo Rio Pinheiros _  que faz parte do Projeto Tietê _  prevê intervenções em áreas de todas as sub-bacias dos grandes afluentes do rio, onde vivem cerca de 3,3 milhões de pessoas. Os trabalhos começaram em junho e visam retirar 1,2 milhão de metros cúbicos de resíduos.

Impacto do clima

Malu Ribeiro explica que os problemas que levaram a ampliação da mancha de poluição foram agravados por uma situação hidrológica crítica – as chuvas, entre setembro de 2018 e agosto de 2019 (período do levantamento) nas bacias do Alto e Médio Tietê registraram volumes 20% inferiores à média dos últimos 23 anos. Com isso, houve redução da carga de poluição difusa, proveniente de lixo e resíduos sólidos não coletados nos municípios, agrotóxicos, erosão e fuligem de veículos, entre outros. Porém, com menor volume e vazão, reservatórios e rios também perderam a capacidade de diluir esses poluentes, o que resultou no agravamento das condições ambientais e na perda de qualidade da água. “Esse problema é um dos fatores que contribuiu para a piora nos índices de qualidade da água na região do Alto Tietê, no trecho da cabeceira, entre os municípios e Mogi e Suzano”, afirma a especialista do SOS Mata Atlântica.

Malu Ribeiro destaca ainda que dois episódios atípicos – registrados em fevereiro e julho deste ano, após temporais que ocorreram na região metropolitana de São Paulo – também agravaram a condição ambiental do Tietê. “O grande volume de chuvas nesses episódios levou à abertura de barragens e a mudanças operativas no Sistema Alto Tietê, com exportação de enorme carga de poluição, de sedimentos e de toneladas de resíduos sólidos retidos nos reservatórios do Sistema para o Médio Tietê. Por conta disso, a prefeitura do município de Salto retirou mais de 40 toneladas de lixo do Parque Municipal de Lavras e do complexo turístico do Tietê, e ruas foram atingidas por espumas e lama contaminada”, lembra.

[g1_quote author_name=”Benedito Braga” author_description=”Presidente da Sabesp” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Ninguém está falando de um rio que vai estar disponível para natação, para esportes de contato direto com a água. Estamos falando de um rio que tenha 100% do tempo condições aeróbias. Dessa maneira, ele deixa de cheirar mal

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O estudo foi lançado na semana em que é comemorado o Dia do Tietê (22 de setembro) e seguindo pelo debate “Rios por um triz: despoluição dos rios Pinheiros e Tietê” promovido pela SOS Mata Atlântica no Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia, que abriga atualmente a exposição  “Ambiental: Arte e Movimentos”, em parceria com a própria ONG. Nos jardins do museu, um imenso jacaré, o chamado Teimoso, símbolo da campanha dos anos 90, lembrava que a luta pela limpeza do Tietê, com seus 1.100 km de extensão, continua mais atual do que nunca. Na mesma semana, para alertar a sociedade sobre a degradação das águas do Tietê, o artista Eduardo Srur instalou no rio um pintado flutuante de 30 metros de comprimento. O pintado é uma espécie que vivia na região antes da poluição das águas.  A enorme boca aberta do peixe representa um grito de socorro: ele quer respirar.

Pinheiros sem cheiro?

No debate, os responsáveis Projeto Novo Rio Pinheiros alertaram que a limpeza será suficiente apenas para que ele paire de cheirar mal, para que possa ser navegável, e para que algumas espécies de peixes, como cascudo e bagre, nada nobres, possam procriar. “Ninguém está falando de um rio que vai estar disponível para natação, para esportes de contato direto com a água. Estamos falando de um rio que tenha 100% do tempo condições aeróbias. Dessa maneira, ele deixa de cheirar mal”, explicou Benedito Braga, presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), lembrando o que aconteceu com os rios Tâmisa (Londres) e Sena (Paris).

O presidente da Sabesp, Benedito Braga, no debate Rios Por um Triz: R$ 1,5 bilhão para despoluir o Pinheiros em três anos (Foto: Florência Costa)

O governo estadual não vai tentar despoluir o rio Pinheiro diretamente, mas seus córregos.  Vai ser preciso também aumentar a profundidade do rio para três metros, sendo que em alguns trechos ele tem apenas 70 cm. Para isso, foram lançados neste ano 14 pacotes de licitação no valor de R$ 1.5 bilhão. O projeto tornaria possível a exploração turística do entorno dos rios, com construção de áreas de lazer, restaurantes, bares e passeios de barco. Desta vez, o governo vai agir de forma integrada com várias áreas, não apenas focar na limpeza: estão sendo estudadas formas de dar incentivos financeiros para que a população de comunidades leve seus lixos até os locais de recolhimento, explicou Braga.

A maior parte dos detritos dos rios é de origem doméstica. Mas há também dejetos de pequenas empresas de fundo de quintal e a chamada “carga difusa”, a sujeira das ruas que é levada pela chuva para os córregos. Ações de desassoreamento do rio Pinheiros ocorrem desde agosto.

Especialistas demonstraram ceticismo com o projeto, já que o prazo é curto: apenas três anos. Pérola de Castro Vasconcellos , professora do Instituto de Química da USP e integrante do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia de Energia e Ambiente, observou que a recuperação de um curso d´água deve envolver a recuperação do ecossistema. “As ações são onerosas, devem envolver tempo e educação ambiental. É factível esse projeto em tão pouco tempo?”, duvidou.

Malu Ribeiro, do SOS Mata Atlântica, lembrou que os estudos indicam que a qualidade da água é melhor onde há maior cobertura vegetal. “É preciso ter uma boa infraestrutura verde porque só a limpeza do rio não vai adiantar”, frisou, acrescentando que o desafio precisa ser encarado pelos governos e pela sociedade.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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