Bromance, ou sem rodeios, “romance dos bróder”, é o tipo de camaradagem que ultrapassa a amizade para criar um pacto de lealdade entre homens. Os efeitos disso vão para além de um simples elo entre os caras, e são desastrosos, principalmente se os “bróder” são poderosos. No mundo político e corporativo, o bromance se disfarça de racionalidade e pragmatismo, mas serve apenas para reforçar um sistema que beneficia sempre os mesmos: homens, brancos, ricos.
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Como tivemos o desprazer de ver nesse janeiro eterno, a posse de Donald Trump reuniu o alto escalão das big techs num retrato perfeito desse círculo fechado. Mark Zuckerberg (Meta), Elon Musk (Tesla e X), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Tim Cook (Apple) estavam lá, ocupando assentos de destaque e selando alianças que vão muito além dos interesses individuais. As grandes empresas de tecnologia, que já foram críticas de Trump, agora se dobram a ele, enquanto ele, em troca, desmonta regulações, afrouxa leis antitruste e facilita a concentração de poder. Musk, por exemplo, doou US$ 300 milhões para a campanha do republicano e defendeu a extrema-direita alemã, minimizando os horrores do nazismo e mostrando ao mundo todo, num gesto abertamente hitleriano feito durante a posse.
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Veja o que já enviamosO que une Trump e os bilionários da tecnologia é uma visão de mundo que exalta a força, a competição desleal e o monopólio, enquanto desdenha de regulação, transparência e diversidade. É a institucionalização da masculinidade tóxica e predatória, que despreza o debate e impõe a violência como ferramenta de poder. É também profundamente misógina e racista: mulheres e pessoas não brancas são preteridas, silenciadas e excluídas das grandes decisões que moldam o mundo.
Esse pensamento, legitimado no cargo mais alto do planeta, reverbera globalmente. No Brasil, homens que jamais seriam aceitos pela panelinha de bilionários reproduzem essa lógica em uma ilusão de pertencimento. Políticos latino-americanos, não brancos e economicamente inferiores a seus “bróders” do Norte replicam essa retórica, defendendo um sistema que os tritura. A periferia do mundo, ilustradas com caricaturas como Mileis e Bolsonaros, se ajoelha diante dos novos senhores feudais do Vale do Silício.
No Brasil, essa lógica do bromance se infiltra nos discursos de lideranças políticas e empresariais que, ao invés de combater a desigualdade, reforçam os pilares que as mantêm. A masculinidade predatória se expressa no sucateamento de direitos trabalhistas, na militarização da polícia e na flexibilização da posse de armas, medidas que favorecem o controle social pelo medo e pelo apagamento de grupos vulnerabilizados. É um espelho distorcido do que acontece nos Estados Unidos, onde a força bruta é glorificada e a empatia é vista como fraqueza.
E se para esses homens o preço da subserviência é a própria anulação, para as mulheres — sobretudo não brancas, empobrecidas e LGBTQIA+— o buraco é ainda mais embaixo. Elas sofrem sob o peso duplo da opressão: a dos que realmente detêm o poder e a dos simulacros que se prestam a sustentá-lo.
Existem masculinidades (pasme!) a serem exaltadas, mas, como apontou Raewynn Connell, mas elas são sistematicamente apagadas pelos exercícios de hegemonia. E é por isso que ecoam menos. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, escreveu uma carta em resposta à supertarifação de produtos colombianos e à deportação de imigrantes, que deveria estar pichada em muros pelo mundo inteiro: “Derrube-me, presidente, e as Américas e a humanidade responderão”, disse ele em um trecho que reverbera a força de uma América Latina que não ser curva. Em algum momento, Petro esbraveja contra o proverbial viralatismo atribuído ao Sul global: “Morro sob minha lei.”
Eu, pessoalmente, gostaria de ter estatura suficiente para tatuar a íntegra da carta nas costas, caso elas fossem compridas o bastante.
Há quem diga que os feminismos odeiam homens e querem sua destruição, uma generalização burra e inverídica. Mas confesso: eu puxaria um balde de pipocas para ver a aniquilação completa dessa masculinidade dos bróder. Porque ela é a raiz de quase tudo que é mau: feminicídios, negacionismo climático, racismos, fascismos, guerras, pobreza, xenofobia e tantas outras desgraças [insira aqui qualquer uma].