Receba as colunas de Júlia Pessôa no seu e-mail

Veja o que já enviamos

O passado é uma roupa que não serve mais em Carrie Bradshaw

Depois de três temporadas horrorosas e muitas críticas dos fãs, o spin-off de Sex and the City foi finalmente cancelado — já vai tarde!

ODS 5 • Publicada em 5 de agosto de 2025 - 09:02 • Atualizada em 5 de agosto de 2025 - 12:26

Como fã de Sex and the City, igual a outras mulheres como eu, na faixa dos seus 40, eu tenho me submetido à humilhação semanal de assistir ao spin-off da série que chegou, inacreditavelmente, à sua terceira temporada. Como se as duas primeiras não fossem ruins o suficiente e os filmes não fossem absolutamente vergonhosos, a terceira está mais difícil de engolir do que uma colher de sopa cheinha de farinha de trigo, sem nem um copinho d’água pra ajudar. Quando o cancelamento da série foi anunciado, confesso que senti alívio. Mas também uma micropontada de lamento por perder meu hate-watching favorito.

Atenção: Alerta de spoilers sobre a série e os filmes Sex and the City (embora todos tenham mais de dez anos) e também do desastroso spin-off And Just Like That…

A verdade é que And Just Like That… jamais deveria ter existido. A série encerra sua terceira temporada careta, arrastada e desconectada do espírito original; virou uma colcha de retalhos emocionalmente vazia, presa a um passado que insiste em se repetir – e não no bom sentido.

Leu essa? Na vida, quem é que quer te ver melhor? – uma improvável lição de Bridget Jones

Para começar, acho que é um retrato injusto das mulheres com mais de 50 anos. Ao contrário da série original, que abordava questões cotidianas da vida de uma mulher com seus 30 e poucos, des pequenos dilemas como a roupa para um date até grandes ponderações, como aborto, câncer, envelhecimento e a importância das amizades, a continuação trata as protagonistas como piada pronta. Retratadas com um quê de ridículo que se pretende engraçadinho. Para mim, soa como se a série estivesse dizendo: “o tempo destas mulheres passou”. Uma afirmação que não poderia estar mais errada, pois as mulheres 50+ estão cada vez maiores: nas carreiras, no consumo, em sua independência, suas decisões, sua vida.

Cynthia Nixon (Miranda), Sarah Jessica Parker (Carrie) e Kristin Davis (Charlotte) nas gravações de And Just Like That: série tenta convencer mulheres de 50+ de que suas chances no amor estão no passado; que não há mais espaço pra reinvenção, apenas para reprises (Foto: Divulgação)

Das três protagonistas, Carrie se recusa a tirar os saltos dentro da própria casa e isso vira, ridiculamente, um “símbolo de liberdade”. Miranda, advogada brilhante e linda, é pintada como uma desesperada a quem resta a xepa da noite, e vai parar na cama com uma freira virgem. Já Charlotte descobre que tem labirintite e vira alívio cômico, com tombos a la Didi Mocó. Um horror, mesmo pra quem faz piada de tudo, como eu.

Dito tudo isso, é natural perguntar por que me submeti à tortura de continuar a assistir a essa produção horrorosa. E, além de nostalgia e apego ao original, infelizmente não tenho resposta melhor do que “para poder meter o pau”.

Mas hoje vim falar da minha primeira alegria real desde que comecei meu autoflagelo semanal com And Just Like That…: o possível fim – agora sim definitivo, amém – de Aidan Shaw. Porque de longe, a maior vitória é saber que Aidan está morto e sepultado. Sem chances de ressuscitar (mais uma vez) no terceiro dia.

Antes de fandom ser palavra popular, fãs de Sex and the City já tinham lado: Time Aidan ou Time Big. E, embora Mr. Big não fosse um paladino de caráter, a forma como o Aidan era vendido e comprado como o “homem ideal” sempre me incomodou. Se And Just Like That… serviu pra algo, foi para escancarar que ele sempre foi, no máximo, um boy lixo com cara de bom moço. (E, aos cinquenta e tantos, virou um senhor lixo).

Ele nunca amou Carrie. Amava a ideia de uma mulher moldada ao que ele esperava: caseira, não fumante, submissa, que amasse a roça e pronta pra abrir mão de tudo em nome do relacionamento. O que ela nunca foi. E aí vem o discursinho mequetrefe de que “ela devia ficar com ele porque ele é legal”. E eu pergunto: isso não devia ser o mínimo? Ser um cara legal? (Que, na real, ELE NEM É)

Na cena em que se despede (Deus queira que de vez), ele diz que precisa de alguém que se doe 100%. A mulher abriu mão de tudo: casa, trabalho, liberdade, convicções. E ainda assim levou um par de chifres. E isso nem é o problema, para mim, em si, mas pelo fato de que ele é absolutamente ciumento em relação a qualquer homem que se aproxime da Carrie. Porque o cowboy da caminhonete – que quer relacionamento aberto, mas só pra ele – não queria de fato uma parceira: queria uma projeção.

O retorno de Aidan também escancara o egoísmo de Carrie, que abandona as amigas (que sempre foram o coração da série) pra girar em torno dele. Com ele fora de cena, torcemos para que ele volte de vez pra sua fazenda, seus filhos e seus móveis de pinho de riga reciclado. E que nunca mais jogue um pedregulho em nossas janelas, nem com flores, nem com e-mails, nem com uma última ligação lamentável de dentro do carro .

É cruel que a série tente convencer mulheres de 50+ de que suas chances no amor estão no passado, em homens que já passaram por sua vida. Que não há mais espaço pra reinvenção, apenas para reprises. Como se o único futuro possível fosse aquele que já foi. Um remake de si mesmas. Um spin-off mal escrito.

Sex and the City nem é um primor televisivo. Mas é, sim, um refúgio afetivo de muitas mulheres millenials. A série original, com todas as críticas possíveis, trouxe conversas sobre sexualidade, amizade e autonomia num tempo em que quase ninguém fazia isso na TV. Mas And Just Like That…, cada episódio parece um acinte às boas memórias que guardamos vendo quatro mulheres desbravando a si e a Nova York.

Finalmente Carrie Bradshaw poderá voltar ter a maior das liberdades que uma mulher (e qualquer pessoa, na verdade), pode aspirar: o direito ao futuro. Porque esse spin-off não deixou dúvida: o passado, minha amiga Carrie, é uma roupa que pode até ser de grife, mas não te serve mais.

Apoie o #Colabora

Queremos seguir apostando em grandes reportagens, mostrando o Brasil invisível, que se esconde atrás de suas mazelas. Contamos com você para seguir investindo em um jornalismo independente e de qualidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile