Receba as colunas de Júlia Pessôa no seu e-mail

Veja o que já enviamos

Na vida, quem é que quer te ver melhor? – uma improvável lição de Bridget Jones

Estabelecer limites e distâncias é tarefa difícil, mas quem realmente importa, fica

ODS 5 • Publicada em 18 de fevereiro de 2025 - 09:23 • Atualizada em 20 de fevereiro de 2025 - 08:58

Ao contrário da moda da magreza extrema e as calças de cintura baixa, um hit dos anos 2000 cujo retorno realmente me deixou feliz foi mais um filme da franquia Bridget Jones. Apesar de boa parte das mulheres da minha geração terem herdado algum transtorno alimentar ou psicológico da era de ouro das comédias românticas, além de uma ideia completamente equivocada do amor romântico, eu nunca escondi minha obsessão pela série de filmes inspirada nos livros de Helen Fielding – que devorei, também, um por um.

No último fim de semana, promovi um meet and greet do Matheus com Miss Jones, e maratonamos os filmes da franquia, o novo, inclusive. Não darei spoilers sobre o lançamento, mas antes do final dos créditos iniciais, eu já estava chorando (e depois rindo).

Leu essa? Pesquisa mostra que perdão e gratidão ajudam a reduzir riscos de infarto e AVC

Eu sinto como se os filmes fossem como nós, millenials: fomos nos adaptando, entendendo que o mundo muda e muda rápido, e, com o passar dos anos, fomos aprendendo os termos adequados para nomear as coisas, e parando de fazer piadas de gosto duvidoso por mero entretenimento. (Ou nos esforçando pra tudo isso, no mínimo).

Bridget Jones (Renée Zellweger) com os amigos Shazzer Sally Phillips, Tom (James Callis) e Jude (Shirley Henderson) numa cena do filme: na vida, quem é seu elenco de apoio? (Foto: Universal Pictures / Divulgação)
Bridget Jones (Renée Zellweger) com os amigos Shazzer Sally Phillips, Tom (James Callis) e Jude (Shirley Henderson) numa cena do filme: na vida, quem é seu elenco de apoio? (Foto: Universal Pictures / Divulgação)

Outra coisa que me encanta na “saga Bridget” é o retorno garantido de personagens que aparecem desde o primeiro filme, mais emblematicamente três amigos da protagonista: Tom, Shazzer e Jude. Os personagens em si nem são tão bons, e os conselhos que dão a Bridget quase nunca são os melhores. Mas o que eles representam é mais importante: entra ano, sai ano, e eles ainda estão ali – com perdão do trocadilho. Com o tempo passando e a vida se transformando, a gente vê, ao longo da série, diversas mudanças nas vidas do grupo, mas a amizade entre eles é uma constante, seja lá o que esteja acontecendo individualmente com cada um e cada uma.

Receba as colunas de Júlia Pessôa no seu e-mail

Veja o que já enviamos

Eu acho engraçado quando vejo alguma arte de Canva circulando por aí como se estivesse espalhando uma grande novidade de que “amizades também podem ser o amor de nossas vidas”, em variações deste texto. Mesmo tendo me tornado adulta ratíssima de comédia romântica e claro, com uma visão bem deturpada de autoestima e do amor romântico, eu sempre soube que amigas e amigos são grandes amores, sempre. Venho de uma família em que amigos e amigas foram sendo agregados ao nosso DNA, e que eu cresci chamando de tio e tia. Hoje, adulta, sei que os filhos que eu não tenho colecionam tias e tios, meus irmãos e irmãs colecionados pelo caminho.

E, como no amor pintado nos filmes que minha geração adora, também é possível sofrer desilusões amorosas, pés na bunda e toda sorte de coração partido por causa de amizades. Vinícius cantou que “o amor só é bom se doer”, o que se casa perfeitamente com paixões loucas e dificílimas ilustradas no cinema, como se perrengue fosse atestado de legitimidade e “força”. No amor e na amizade, é fundamental sabermos quando é a hora de deixar ir embora alguém que já amamos e que também nos amou – ou pelo menos assim achamos.

Hoje cedo, vi um post no Instagram da esposa de um paciente de câncer, falando sobre as atrocidades que eles leem a cada vez que viajam, cuidam de seu cachorrinho ou fazem qualquer coisa que não seja viver em função da doença dele. O casal abriu uma vaquinha on-line e frequentemente é bombardeado por comentários como “ué, para viajar tem dinheiro?”, “eu jamais trabalharia se meu marido estivesse doente…” e coisas do tipo. No post, ela também conta que conteúdos do marido no hospital ou que evidenciem que o marido está doente sempre fazem o número de seguidores crescer. É como se fosse preciso apresentar um comprovante de sofrimento, e que estar vivendo, e não só sobrevivendo, não fosse “câncer o suficiente”.

Como paciente oncológica, entendo bem o sentimento. Uma boa parte das pessoas realmente parece querer só “fazer a coisa certa” e se manifestar sobre uma doença assustadora com a qual eles (acreditam que) não terão que lidar. Uma caridade egoísta, que se alimenta de enviar “se precisar de qualquer coisa, avisa”, mas tem validade somente – se é que tem – quando a gente está careca, anêmica, na cama de um hospital ou visivelmente em situação “de dar pena”. É uma face cruel, solitária e recorrente do câncer, mas que só se conhece realmente vivendo.

“As pessoas até querem te ver bem, mas não querem te ver melhor”. Desde que ouvi essa frase, ela não me sai da cabeça. Somos criadas pela sociedade – principalmente nós, mulheres – para agradar, para sermos disponíveis e gentis, para valorizar o “amor” que vem das dificuldades, como a gente vê em tantos posts constrangedores de aniversário em que alguém do casal “homenageia” a outra pessoa em frases como “obrigada por me aturar”, e muitos “apesar de”. Mesma coisa pro outro amor, o das amizades, nas quais a gente tem sempre um pano quilométrico de “compreensão” para passar, justificando com “mas é meu amigo”, “mas é minha amiga”.

Mas, na verdade, tá tudo bem o amor, na modalidade que for, ser condicional, e a gente impor os limites de que precisamos para que ele se mantenha saudável. Doação incondicional e, principalmente, de mão única, é o embrião do abuso. E a vida é muito curta pra gente se cercar de quem até quer nos ver bem, mas nunca melhor.

No seu filme, quem é o elenco de apoio que volta em todas as sequências, não importa o que aconteça?

Apoie o #Colabora

Queremos seguir apostando em grandes reportagens, mostrando o Brasil invisível, que se esconde atrás de suas mazelas. Contamos com você para seguir investindo em um jornalismo independente e de qualidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile