A economia do cuidado, gerada pelo trabalho muitas vezes invisível das mães, representa um valor imenso e subestimado pela sociedade. E existe até mesmo uma matemática por trás dessa conta: segundo dados apresentados já em 2018 pelo Instituto Locomotiva, mulheres exercem cerca de 92 horas por mês em afazeres domésticos ou cuidando de outras pessoas. Se convertido em dinheiro, receberiam mais R$ 1 trilhão por ano.
Nesse cenário, iniciativas que buscam não apenas oferecer apoio, mas também impulsionar transformações estruturais e dar visibilidade a essa potência tornam-se faróis. É o caso da Mães Negras do Brasil, uma startup de impacto social fundada em 2023 pela engenheira mecatrônica Thais Lopes.
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A trajetória de Thais, combinando sua experiência profissional, a vivência da maternidade e o compromisso com a sustentabilidade, foram a faísca para a criação da plataforma. “Sempre tive objetivos profissionais voltados à construção de algo que fizesse sentido com a minha experiência e que se relacionasse também com um propósito de vida mesmo. Existe uma motivação ligada ao trabalho, mas, muito além disso, há uma dimensão pessoal muito forte”. Ser mãe durante a pandemia, isolada em São Paulo, longe da família, e não encontrar espaços de apoio onde se sentisse plenamente acolhida como mulher negra, foram pontos cruciais nessa jornada.
Foi a partir dessa busca e da percepção de uma lacuna — a falta de um espaço para falar dos “atravessamentos específicos das mães negras” — que nasceu a ideia. Thais notou que as pesquisas sobre maternidade negra no Brasil focavam apenas em dados sobre vulnerabilidade, algo que a “corta profundamente”. E questionava: “Será que a gente não pode sair desse lugar de vítima e ir para um lugar de potência e de construção”?
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Veja o que já enviamosO propósito da plataforma é claro: promover e ser a mudança, passando pela valorização das mães negras, além de impulsionar a equidade de gênero e raça no mercado de trabalho.
Os desafios enfrentados por mães negras no mercado de trabalho são, como aponta Thais, “estruturais e históricos”. Antes mesmo dos desafios atuais, é importante lembrar que o acesso à educação para mulheres negras é uma conquista recente na história do país. Historicamente, essas mulheres foram vistas e ocupadas em funções subalternizadas. Além das barreiras conhecidas como racismo e desigualdade salarial, há algo muito profundo: a ausência de espaço para sonhar, para desejar, para planejar um futuro diferente. “Às vezes, não é nem uma ‘dificuldade’ de olhar para si, mas sim a falta de permissão, o não ter sido estimulada a fazer isso ao longo da vida”, comenta.
Com quase duas mil integrantes em todo o país, muitas com ensino superior ou acima, a Mães Negras do Brasil convida essas mulheres a olharem para si mesmas. “Qual é o impacto de estar em um lugar seguro onde você é convidada a olhar para si mesma e se perguntar: ‘O que eu gostaria de fazer? Onde eu gostaria de estar?'”, diz Thaís, A partir desse autoconhecimento, constroem-se “novas possibilidades”.
Os serviços oferecidos pela plataforma, como mentorias, letramento racial, trilhas de carreira, marketplace e agenciamento para palestras, são ferramentas para essa construção.
Para combater a narrativa de que “não existe só vulnerabilidade em mães negras do Brasil”, a plataforma lançou em 08 de março de 2025 o Mapa de Profissionais da Mães Negras do Brasil. Essa iniciativa (que já existia internamente e surgiu de uma demanda orgânica por indicações), torna público e acessível o talento e a expertise dessas mulheres.
Pensa que parou por aí? Ainda para este ano, as metas são ambiciosas: alcançar 30 empresas associadas ao plano corporativo. Até 2030, ano da Agenda estipulada pela ONU, há no plano expandir o impacto nacional com embaixadoras em cada estado e escalar com tecnologia e dados, produzindo conhecimento a partir da sabedoria dessas mães.
A Mães Negras do Brasil personifica a virada da chave: do olhar para a ausência para a celebração da potência. E mais: às vésperas do Dia das Mães, é um lembrete poderoso de que, ao investirmos no cuidado e no desenvolvimento de mães – especialmente as negras – estamos construindo uma sociedade mais justa e economicamente vibrante para todos os filhos e filhas deste país.