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Daniel Alves, Robinho e as vitórias e derrotas do Violência Sexual FC

Fiança para ex-lateral e chororô machista do ex-atacante (e futuro presidiário), hoje estupradores condenados, ratificam que a misoginia segue invencível entre os boleiros

ODS 16ODS 5 • Publicada em 21 de março de 2024 - 07:24 • Atualizada em 24 de março de 2024 - 12:07

Ídolos de várias gerações de torcedores e jogadores, Daniel Alves e Robinho passaram a maior parte das suas carreiras na elite do futebol. Disputaram Copas do Mundo, atuaram por clubes como Real Madrid, Barcelona, Milan, Juventus, Manchester City e, por óbvio, acumularam fortunas delirantes. Hoje, jogam em outro time: o Violência Sexual FC, na posição de estupradores – o ex-lateral baiano condenado na Espanha a quatro anos e meio de prisão; o ex-atacante paulista sentenciado na Itália (e no Brasil) a nove anos de cadeia.

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Os lances de um e de outro para tentar driblar a justiça provam que a misoginia mantém-se invencível no planeta bola. Daniel Alves marcou seu gol, quando a justiça espanhola fixou em 1 milhão de euros a fiança do ex-capitão da seleção brasileira. Há eloquentes recados na decisão. Crimes, para os ricos, serão sempre mais brandos. A inominável violência contra uma mulher, fartamente provada, tem preço, provando que o verdadeiro delito é ser pobre. Aos endinheirados, acabará saindo barato.

Daniel Alves e o parça Neymar: camisa 10 abre o bolso para socorrer estuprador condenado na Espanha. Foto Jewel Samad/AFP
Daniel Alves e o parça Neymar: camisa 10 foi solidário ao estuprador. Foto Jewel Samad/AFP

Até o fim da semana, o estuprador, com os bens – avaliados em quase R$ 300 milhões – bloqueados, corria atrás dos recursos para deixar de ver o sol de Barcelona nascer quadrado. Um jornal anunciou que novamente Neymar abriria o bolso em socorro ao parça. Aconteceu antes: o camisa 10 pagou multa de 150 mil euros (R$ 800 mil, aproximadamente) para diminuir a pena. Agora, diante da repercussão negativa, desmentiu que pagaria a fiança.

“O estado estuprador neoliberal não quer punir; quer espetáculo e dinheiro. Pessoas muito ricas podem tudo, inclusive cometer crimes. (…) E o estupro tem um preço: cinco milhões e meio de reais. Você tem esse dinheiro? Você está no grupo dos que podem estuprar uma mulher”, constatou Milly Lacombe, em mais um texto brilhante, no UOL.

Ao longo da batalha judicial encerrada com a condenação, Daniel Alves deu seguidas provas de que apostava na condição de ídolo do Barcelona (clube da cidade onde se deu o crime) para escapar impune. Mudou pelo menos cinco vezes a versão dos fatos, ocorridos numa boate, sempre procurando rotular a vítima como aproveitadora. Pelo bolso do parça, conseguiu uma vitória.

Aqui, troca passes com um contemporâneo de seleção e elite da bola. Condenado à revelia na Itália pela barbárie de um estupro coletivo, Robinho tentou se refugiar no Brasil para escapar da cana, mas fracassou. A pressão crescente obrigou o encerramento da carreira, por falta de clubes para jogar; inviabilizou até idas a ambientes teoricamente controlados – semana passada, tentou ir a um churrasco no Santos, onde joga seu filho, e o mundo caiu-lhe na cabeça. Bem-feito.

Robinho, de branco, na entrevista à Record: tentativas de desqualificar vítima. Reprodução da TV

Diante do cerco que se fechava, o ex-craque das pedaladas lançou a carta do racismo. Vestido de branco, com ensaiado jeito de vítima, acusou, em entrevista à TV Record, a justiça italiana de preconceito – mas terminou vendo a apresentadora Carolina Ferraz confrontá-lo com uma torrente de evidências.

Como Daniel Alves, Robinho acusou a vítima, garantindo ter provas de sua inocência. Ignorou, entre muitas provas, os áudios exibidos no julgamento na Itália. “Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu”, comenta num deles. Em outro, diante da observação de um amigo – “Eu te vi quando colocava o pênis dentro da boca dela” –, esquiva-se num sofisma repulsivo: “Isso não significa transar”.

“As declarações [da vítima] encontraram na instrutória processual múltiplas confirmações, no relato das outras testemunhas e sobretudo nas conversas interceptadas”, escreveu a juíza Mariolina Panasiti, do Tribunal de Milão, na sentença. Nesta quinta-feira (20), o Superior Tribunal de Justiça do Brasil decretou a prisão do ex-jogador, para que a pena seja cumprida no país. O estuprador condenado ainda pode recorrer.

O momentaneamente vencedor Daniel Alves e o perdedor Robinho jogam no mesmo time do desprezo às mulheres, mazela disseminada entre os boleiros. Salvo exceções estatisticamente desprezíveis, jogadores de futebol enxergam todas (afora a mãe de cada um) como oportunistas em busca de dinheiro. Ainda hoje, em conversas de vestiários e concentrações, todas terminam rotuladas de “maria-chuteira”, ofensa autoexplicativa.

Vários astros da bola envolvem-se em casos semelhantes e têm, todos, a mesma atitude: tentar desqualificar a vítima. O hoje técnico Cuca amargou anos de desemprego, pela violência sexual contra uma menina de 13 anos, que teve sua presença, quando era jogador, num quarto de hotel em Berna, Suíça. Recentemente, ao assumir o Athletico-PR, leu diante dos jornalistas texto com exatas 598 palavras e estilo daqueles azeitados pelas mais caras assessorias de imprensa. “Quero e me comprometo a fazer parte da transformação”, recitou, contrito, sem explicar de que maneira.

Condenado pelo assassinato de Eliza Samúdio, mãe de seu filho, em 2013, o ex-goleiro do Flamengo Bruno até hoje nega o crime, escorado pelo fato de o corpo jamais ter sido encontrado. Sentenciado a 22 anos e três meses de prisão, foi para o regime semi-aberto em 2018 e ganhou liberdade condicional em 2023. Tentou, diversas vezes, retomar a vida no futebol, sem sucesso.

Aqui está o solitário avanço da sociedade em relação à misoginia dos jogadores: eles não encontram mais sossego em suas rotinas. “Os homens (no caso do esporte que é a minha área) nunca mais passarão ilesos ao diversos tipos de violência que cometem contra nós. Nunca mais ficarão sem questionamentos”, escreveu a comentarista Ana Thais Matos, do Sportv. “Daniel [Alves] vai sair da prisão e sentir a brisa quente da luta em movimento. Não estará preso, mas estará condenado. Sua vida não vai mais ser a mesma. E isso a gente também pode colocar na conta da luta feminista. Até que ele seja definitivamente preso e/ou passe por um rigoroso processo educativo e compreenda os horrores da violência de gênero, não descansaremos”, arrematou Milly Lacombe.

“Infelizmente existe esse movimento feminista”, confessou Robinho, em sincericida entrevista ao UOL, em 2020. O Violência Sexual FC, seu time, está sob ataque – e assim será. Oxalá seja o início da virada nesse jogo asqueroso.

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