Em uma decisão histórica, os membros do Garrick Club, um dos mais antigos e exclusivos clubes de Londres só para homens, se renderam à pressão do escrutínio público e às acusações de misoginia, votando para permitir a adesão de mulheres pela primeira vez desde sua fundação em 1831. A votação aprovou a inclusão de mulheres com quase 60% dos votos a favor, refletindo uma mudança significativa em uma instituição que, até recentemente, era exclusivamente masculina.
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O caso ganhou destaque após a empresária de moda Emily Bendell ter sua adesão negada, provocando debates na mídia e manifestações de protesto. Bendell recorreu à assistência legal para argumentar que as regras do Garrick violavam a Lei da Igualdade de 2010, permitindo que mulheres frequentassem o local apenas como convidadas de homens, criando o maior alvoroço. “Mas foi apenas quando os homens foram nomeados e envergonhados publicamente que as mudanças aconteceram”, lamentou a empresária em entrevistas a veículos do Reino Unido.
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Veja o que já enviamosNo final de abril, às vésperas da votação que aprovou o ingresso de mulheres, músicos e importantes produtores e atores de teatro coassinaram uma carta alertando que seriam obrigados a renunciar às suas adesões ao clube caso o Garrick Club não aprovasse a admissão de mulheres. Entre os signatários, estavam os músicos Sting e Mark Knopfler, o ator Stephen Fry, o produtor de teatro do West End e da Broadway Karl Sydow, e Matthew Byam Shaw, produtor executivo da série de televisão The Crown e cofundador da companhia de produção teatral Playful West End.
A pressão para a mudança vinha crescendo, especialmente após a revelação da lista de membros que levou à renúncia do chefe do serviço civil Simon Case e do chefe do MI6 Richard Moore. Anteriormente, para que a questão da adesão feminina fosse aprovada, era necessário um quórum de dois terços dos votos. Contudo, uma análise mais amigável das regras concluiu que não havia impedimento na constituição do Garrick para a admissão de mulheres, já que a Lei de Propriedade de 1925 estipula que, em documentos legais, a palavra “ele” deve também ser lida como “ela”.
Para Emily Bendell, que, após essa exposição, se tornou uma ativista, a estrada para a igualdade de gênero é pavimentada com milhares de pequenas batalhas, e essa foi apenas uma delas. “Uma vitória é uma vitória. O caminho para a igualdade de gênero está pavimentado com milhares de pequenas batalhas, e mostrámos que mesmo a velha guarda de Garrick não pode escapar a esta longa marcha da história”, disse a empresária ao celebrar a aprovação das mulheres no clube.
A decisão de permitir a adesão feminina ao Garrick Club gerou amplo debate público devido à proeminência do clube no cenário do establishment de Londres. Com um grande número de juízes, desembargadores, altos servidores públicos e o próprio rei Charles, além de outros membros da família real, o clube não poderia ser considerado apenas outro clube privado. Essa popularidade e influência também provocaram constrangimento ao associar figuras públicas com a misoginia.
Num debate no programa de rádio Today da BBC, o ex-ministro da cultura Edward Vaizey comentou sobre o quão retrógrado o clube era, mencionando que “as mulheres nem podiam subir as escadas da frente ou jantar no salão principal”. “Felizmente”, ele enfatizou, essas regras mudaram há muito tempo. “O Garrick não é uma cabala secreta de homens que estão silenciosamente governando o país”, disse. “É apenas um lugar de convívio onde as pessoas vão para almoçar e jantar; e isso é tão válido para mulheres quanto para homens”. Seria mesmo?
A decisão também foi apoiada por membros pró-mulheres, que planejam nomear sete mulheres para se juntarem ao clube, incluindo a atriz Juliet Stevenson. “Por dezenas de anos o clube se dedicou à comunidade teatral e depois à comunidade artística em geral, portanto, por definição, deveria ser aberto a todos”, disse Stevenson ao Today, admitindo interesse em fazer parte do clube.
A mudança no Garrick é significativa não apenas pela inclusão de mulheres, mas também pela percepção geral sobre o papel dessas instituições na vida pública britânica. Como observou o colunista Simon Jenkins, do The Guardian, a influência do Garrick pode ser percebida como exagerada, mas a vulnerabilidade ao escrutínio público foi suficiente para forçar a mudança. Esta decisão também lança luz sobre outros clubes exclusivos de Londres que ainda excluem mulheres, como Brooks’s, Boodle’s, White’s, Travellers e Savile, gerando debates sobre a igualdade de gênero em associações privadas. A mudança no Garrick representa um avanço significativo em um contexto mais amplo no país em que as sufragistas são parte viva da história.
Clubes exclusivos – mas só para ‘cavalheiros’
O Garrick Club não era apenas mais um dos clubes “de cavalheiros” londrinos. Trata-se de um lugar onde as pessoas vão para relaxar e fazer conexões valiosas. Seus 1.500 sócios formam um catálogo de alguns dos membros mais influentes e poderosos do establishment britânico, com ênfase nas artes. Ali, entre um drink e outro, você pode esbarrar em ministros de estado, funcionários de alto escalão do governo e das cortes de Justiça, influentes artistas e produtores. Quem não quer fazer parte de uma networking dessas?
Quando falamos dos clubes privados de Londres, estamos falando de um conceito bem diferente do que estamos acostumados no Brasil. Enquanto nossos clubes têm piscinas, quadras de esportes e áreas de lazer, os clubes privados londrinos são focados na socialização refinada e em escolhas seletivas. Desde seus primórdios em 1693 até os dias de hoje, esses clubes têm sido o epicentro da vida social na capital. Geralmente, eles têm bares, restaurantes, salas de jogos e de leitura, e funcionam em prédios em zonas nobres da cidade. Em Londres, calcula-se haver mais de 400 desses lugares exclusivos, conceito que já foi usado em boates no Brasil, onde apenas sócios e seus convidados têm acesso.
O Annabel’s, por exemplo, pode ser visto como o primo rico – na verdade, riquíssimo – desse tipo de clube noturno. Embora nenhum clube privado revele o nome dos seus sócios, uma lista interminável de celebridades como Anna Wintour, Cara Delevingne, Charlotte Tilbury, Damien Hirst, Grace Jones, Princess Beatrice, Kate Moss, Lady Gaga, Mario Testino, Naomi Campbell, Sienna Miller e Tom Ford já foram fotografadas no clube. O Annabel’s oferece aos seus clientes acesso a quatro restaurantes e sete bares, além de uma sala de charutos, decoradas com pinturas de Modigliani e Picasso.
Como o Garrick, muitos desses clubes têm suas raízes na fervilhante West End dos teatros londrinos ou na vizinha St James’s, também conhecida como a “terra dos clubes”. Foi em St James’s que a tradição dos clubes de membros privados realmente decolou a partir do século 18. No início, esses clubes eram território exclusivo para os “cavalheiros” (gentlemen) da cidade, oferecendo-lhes um lugar para se reunir, discutir ideias e simplesmente relaxar longe dos olhares indiscretos. Como esses clubes de cavalheiros não aceitavam mulheres como membros, em 1883, um grupo de profissionais fundou o University Club for Ladies, atualmente University Women’s Club. Por sua própria definição, é um clube para “mulheres graduadas e profissionais de diferentes origens e interesses”. Os clubes para cavalheiros evoluíram ao longo dos anos e a maior parte da longa lista abriu filiação para mulheres, enquanto clubes exclusivamente femininos também surgiram.
Com a irreverência em seu DNA, estão o Black’s Club e o Groucho Club. Segundo a lenda, o Black’s foi criado em 1764 para ser a antítese do White’s, o mais-mais-mais de Londres. O nome Black’s teria outras explicações além de se opor a White’s: seria o clube para as ovelhas negras renegadas por bolas também pretas no White’s. Para ser membro do Black’s, o clube requer que os candidatos sejam “extraordinariamente interessantes e interessados”. Bem mais recente, aberto em 1985, o nome do Groucho Club é uma referência a famosa frase de Groucho Marx de que ele não queria ser membro de nenhum clube que o aceitasse.
Na linha mais contemporânea, a rede Soho House (que tem 30% de participação do bilionário Richard Caring, dono do Annabel’s entre outros clubes) é o mais conhecido. A localização original fica na 40 Greek Street, Soho, mas a rede já opera 42 locais de clubes em todo o mundo, com planos de abrir mais. Ele tem até uma loja de decoração na King’s Road para vender seus artigos.
Foi no Soho House que o príncipe Harry e Meghan Markle tiveram seus primeiros encontros em Londres, longe dos olhares indiscretos. A adesão é seletiva e os membros são principalmente provenientes das indústrias de mídia, arte e moda. Ele se apresenta como um clube para criativos. “Existimos para fornecer um lar para nossos membros se reunirem e pertencerem, onde quer que estejam no mundo”. Representando a criatividade brasileira, temos nosso Washington Ollivetto entre seus sócios.
Uma adaptação bem tropical desse conceito de exclusividade ainda vigora no Country Club do Rio de Janeiro, em Ipanema. Fundado por ingleses em 1916 sob o nome de The Rio de Janeiro Country Club, até hoje um grupo de conselheiros decide apontando entre bolinhas vermelhas ou pretas quem poderá ser sócios.
Os clubes do Bolinha de Londres:
White’s: Fundado em 1693, é o reduto exclusivamente masculino mais antigo de Londres. Considerado como o clube privado mais exclusivo da capital, é também o mais linha-dura. Mulher ali, nem como visita. Em janeiro de 2018, um grupo que se autodenominava ‘Mulheres de Branco’ se infiltrou no clube para protestar contra a política de sexo único. Uma delas conseguiu se infiltrar disfarçada de homem e abriu passagem para as outras. Foram todas removidas pela polícia. Os atuais membros notáveis incluem o rei Charles III e William, o Príncipe de Gales. O ex-primeiro ministro britânico David Cameron, atual ministro das Relações Exteriores, cujo pai Ian Cameron era presidente do clube, foi membro por quinze anos, mas renunciou em 2008, devido ao clube se recusar a admitir mulheres.
Boodle’s: Foi fundado em janeiro de 1762 por Lord Shelburne, posteriormente Primeiro Ministro do Reino Unido e então 1º Marquês de Lansdowne. Entre seus sócios célebres fizeram parte Winston Churchill e Charles Chaplin. Considerado um dos clubes mais prestigiosos de Londres, Boodle’s conta com muitos aristocratas britânicos e políticos notáveis em seus quadros. É o segundo clube mais antigo do mundo, sendo superado apenas pelo White’s. O Boodle’s Orange Fool é um prato tradicional do clube.
Brooks’s: Em resposta a terem tido suas adesões ao White’s vetadas, um pequeno grupo de cavalheiros fundou em 1762, em Pall Mall, uma sociedade que viria a dar origem ao Brooks’s e ao Boodle’s. O Brooks’s foi fundado em março de 1764 por vinte e sete nobres Whigs, partido com forte tendência aristocrata.
Buck’s: É outro clube exclusivamente masculino em Londres. Em seu livro The Gentlemen’s Clubs of London (1979), Anthony Lejeune comenta que “o Buck’s Club é o único clube de Londres fundado desde a Primeira Guerra Mundial que se equipara, em prestígio social e elegância, aos melhores clubes da Rua St James. É provavelmente mais conhecido pelo coquetel Buck’s Fizz, criado lá em 1921 pelo bartender McGarry.
The Bath & Racquets Club: É um clube privado de ginástica e squash em 49 Brook’s Mews, no distrito de Mayfair. O clube tem 300 membros e é a academia privada mais cara de Londres, quiçá do mundo.
Beefsteak Club: Nome de diversos clubes masculinos do século 18 e 19 na Grã-Bretanha e Austrália, que celebram o filé como símbolo de patriotismo em oposição ao absolutismo monárquico. Fundado em 1705 por representantes da arte e política, durou menos de uma década, depois reabriu de 1735 até 1867. Foi revivido em 1966, mantendo tradições originais que incluem trajes característicos e jantares semanais.