Quando eu tinha lá pelos meus 14, 15 anos e morava em Três Rios (RJ), onde nasci, não sabia que muitos dos meus dilemas não vinham da natural ânsia adolescente de viver o mundo, ou do fato de estar numa cidade de cerca de 81 mil habitantes. Mas pelo simples fato de eu ser mulher – na época, uma menina.
Lembro-me bem de minha mãe, que nunca dirigiu – como eu, aliás – indo me buscar nas festinhas, e sempre destacando o quanto era perigoso para uma garota andar pela cidade sozinha à noite. Por inocência, ignorância ou ambos, ou talvez porque eu me sentia plenamente segura estando com a minha mãe, eu pensava, naquele tempo, que eu chegaria a uma idade em que enfim seria seguro circular à noite onde quer que fosse, afinal não seria mais “criança”. Jamais me passou pela cabeça que, quando voltávamos à noite de algum lugar, minha mãe, sem o escudo de um carro ou um homem, estava sob tanto risco quanto eu. Hoje sei o motivo. Não existe, ao contrário do que eu pensava, uma idade segura para nós. A gente luta diariamente contra a constatação avassaladora de que, aos olhos da sociedade, a idade certa para ser mulher é ser homem.
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Não importa o quão novas sejamos, meninas e adolescentes são ensinadas a se proteger contra violências que sequer têm a capacidade de entender. A maior taxa de estupro no Brasil é contra meninas de 10 e 13 anos, mais de 40 por dia, e mesmo bebês de 0 a 3 anos são violentadas sexualmente, diariamente, cerca de 24. “Não fica sozinha com o tio Fulano”, “melhor você não ir com essa roupa” e diversas frases que vamos ouvindo e cujo grau de complexidade aumenta conforme vamos envelhecendo: “mantenha seu copo com você e não tome dele de novo se sair de perto”, “evite sentar ao lado de homens no transporte público” e variantes. Frases que ouvimos de nossas mães, avós, e, com o passar do tempo, nossa própria consciência.
Enquanto isso, meninos se tornam homens que nunca precisaram se proteger apenas pelo fato de o serem, e tampouco foram ensinados a respeitar corpos e vidas de mulheres da mesma forma que ouvem regras gerais de “bom comportamento” como “respeite os mais velhos”, “comporte-se durante a aula”. E, a despeito de piadinhas machistas que ouvem impunemente desde sempre em casa, como “prenda suas cabras que meu bode tá solto”, a culpa pela falha em educar meninos que não agridem e não estupram recai sobre quem? Exatamente, sobre as mães.
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Veja o que já enviamosAliás, ter filhos é outro ponto cuja única idade correta é ser homem. Mães adolescentes são chamadas, no mínimo, de vagabundas, ao passo que pais adolescentes são vistos como “garotos sendo garotos”. A mãe, aos 20, está desperdiçando a carreira; aos 30, está desesperada pra segurar homem ou aproveitar o “tempo hábil”; aos 40, está sendo egoísta em ter filho “velha”. E se decide ter um filho sozinha, é vista como coitada ou louca. Quando é que chega o tempo em que a maternidade, tão cobrada das mulheres como se fosse seu único destino inquestionável, é “certa”? Em que idade a gente pode dizer que não quer ser mãe sem ouvirmos que “vamos mudar de ideia” ou sermos questionadas, com olhares de piedade, se “não podemos”? Alguém já perguntou isso pra algum homem?
Em situações profissionais, somos chamadas de “meninas” para sermos desmerecidas em nossas conquistas, até que magicamente passamos ao status de “velhas demais” para ocuparmos a posição em que estamos. Se falamos de sexo, não nos damos o respeito (isso é em qualquer idade mesmo), e, se questionamos violências e opressões, somos mal-comidas (também em qualquer idade). Nunca me esqueço do meu horror, quando ouvi de um ex, em tom de piada, que uma menina está “pronta” se já come um pão inteiro. Ou quando ouvi de amigos que seriam pais de meninas que agora passariam de “consumidores” a “fornecedores”.
Não existe idade certa para ser mulher. Todo ano que a gente vive, cada conquista que a gente tem, e a cada passo que damos “com medo mesmo”, vamos em frente apesar deste fato, principalmente quando há outras barreiras como ser preta, ser LGBTQIAPN+ e/ou ser pobre. Como disse antes, a idade certa, segura e impune para ser mulher é ser homem.
Por outro lado, um dos clichês com os quais tentam nos diminuir é igualmente verdadeiro: ainda bem, ainda que seja por sobrevivência, que somos teimosas. Teimosíssimas.