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Feminicídio: os crimes da Rocinha e a epidemia nacional

ODS 16ODS 5 • Publicada em 13 de janeiro de 2023 - 09:13 • Atualizada em 16 de janeiro de 2023 - 10:04

Foi preciso o acúmulo de apenas 12 dias para a maior favela do país, a Rocinha, contabilizar, na passagem de 2022 para 2023, quatro casos de feminicídio. Dados que são números e mais que isso: pessoas.

Na terça-feira (10), a juíza Mariana Tavares Shu converteu em audiência de custódia a prisão em flagrante para preventiva de Rios Loureiro de Souza Sablich, acusado pelo crime de feminicídio contra a ex-mulher Daniela Barros Soares, de 29 anos. Daniela foi encontrada baleada na cabeça em cima de uma cama, chegou a ser socorrida no Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea, mas não resistiu.

Logo depois do crime, Rios Sablich, conhecido como Kinho, se apresentou na Cidade da Polícia, Zona Norte do Rio, confessando a autoria do crime, algo que só fez por ter medo de uma punição mais severa por parte de civis armados na comunidade.

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A dona de casa Carmem Dias da Silva, também de 29 anos, foi encontrada com sinais de esfaqueamento e sem vida. Ela havia marcado, segundo sua família, um encontro com um homem e foi morta na casa dele. Wendel Luka da Silva Virgílio foi preso em flagrante.

É estarrecedor o que está acontecendo. O que me deixa mais perplexa é justamente continuar sendo o próprio companheiro, um fator importantíssimo a ser levado em consideração. É o ex-namorado, ex-marido, o atual, o cara que conheceu ontem e levou pra casa

Luiza Brunet
Ativista, empresária e ex-modelo

O caso foi registrado no último domingo (8/1), na Rua 2, parte alta da Rocinha. Carmem era sobrinha de outra figura marcada pela violência: o pedreiro Amarildo Souza, torturado até a morte por PMs da UPP da Rocinha há uma década. Sua prisão em flagrante foi convertida em preventiva pela juíza Rachel Assad da Cunha.

Além delas, Francisca Analice Ferreira Mendes, de 20 anos, e Estephany Alves de Paiva, de 19 – encontradas mortas no dia 29. O marido de Analice, Armando Mendes, está preso pelo crime.

O drama e persistência da violência escancarada ali não é diferente nas demais regiões do país. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, só no primeiro semestre, o Brasil registrou 700 casos de feminicídio. O texto de apresentação assinado por Juliana Martins, Amanda Lagreca e Samira Bueno é cirúrgico: “Ainda estamos lidando com números que traduzem uma violência cotidiana, que acontece principalmente dentro das casas dessas mulheres e, infelizmente, cometida por pessoas conhecidas, com as quais têm ou tiveram algum tipo de vínculo afetivo”.

Estephany, Analice, Daniela e Carmem: quatro vítimas de feminicídio na Rocinha em 12 dias (Fotos: reprodução das redes sociais)
Estephany, Analice, Daniela e Carmem: quatro vítimas de feminicídio na Rocinha em 12 dias (Fotos: reprodução das redes sociais)

E continua. “Nos parece inacreditável estarmos abordando, em mais um Anuário Brasileiro de Segurança Pública, tantos casos em que mulheres são assassinadas provavelmente porque decidem romper uma relação, ou começar um novo trabalho ou ter novos amigos. Paradoxalmente, é justamente quando as mulheres rompem com os papéis sociais de gênero esperados que são cumpridos por elas, que se encontram em maior vulnerabilidade”.

“O fim de uma relação ruim é o feminicídio. Eu já sabia e queria interromper isso”, resumiu Luiza Brunet, empresária, ex-modelo e ativista, numa entrevista feita pelo jornalista Márcio Vieira ao Portal Vox. À época, completava-se seis anos daquele 21 de maio de 2016, onde o rosto de uma das mulheres mais conhecidas do país apresentava “o olho roxo, símbolo da violência contra a mulher”.

Luiza teve e tinha voz, reverberada aos quatro cantos e, nos últimos anos, fez dela um serviço prestado para que mais mulheres rompam ciclos viciosos e possam não chegar nesse patamar.

À coluna, demonstrou sua indignação pela sequência dos episódios na Rocinha. “É estarrecedor o que está acontecendo. O que me deixa mais perplexa é justamente continuar sendo o próprio companheiro, que é um fator importantíssimo a ser levado em consideração. É o ex-namorado, ex-marido, atual, o cara que conheceu ontem e levou pra casa. Três foram presos, mas isso não minimiza a dor da família, das crianças, dos filhos, do impacto que se causa na sociedade, onde as mulheres ficam com medo de serem a próxima vítima”.

A força de quem também passou pelo drama da violência e hoje encoraja suas pares não esmorece, esperançando medidas mais eficazes do governo recém-eleito. “Uma gestão poderosa de políticas públicas contundentes e verdadeiras. Se a gente começar pela educação e punição, isso vai reverberar em outros setores”.

Para este sábado (14), está marcado um encontro às 16h, na Biblioteca Parque da Rocinha (Estrada da Gávea, 454), para que moradores da Rocinha e de diversas partes da cidade possam traçar saídas para acabar com a violência contra as mulheres na comunidade. O objetivo é um só: contribuir para que Luizas e todas as outras mulheres, na favela ou no asfalto, possam continuar. Vivas.

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