Ministro da balbúrdia cai e as universidades resistem

Depois de 14 meses de ataques às instituições públicas de ensino e à educação brasileira, Abraham Weintraub perde cargo

Por Oscar Valporto | ODS 4 • Publicada em 18 de junho de 2020 - 18:18 • Atualizada em 22 de junho de 2020 - 09:21

Abraham Weintraub dá adeus ao Ministério da Educação: ataques às universidades públicas e ao STF (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Depois de 14 meses promovendo a balbúrdia na educação brasileira, o economista Abraham Weintraub anunciou nesta quinta (18/06) que está deixando o governo. O agora ex-ministro da Educação passou a maior parte do seu tempo atacando as universidades federais e o ensino público numa gestão marcada pelos cortes de verbas e cancelamento de bolsas. Pouco depois de assumir em substituição ao professor Ricardo Velez, demitido após disputas internas no ministério, Weintraub fez seu primeiro ataque, acusando as universidades federais de serem centros de balbúrdia. Aqui, no #Colabora, começamos a série 100 Dias de Balbúrdia Federal, com o objetivo de mostrar, contrariando o ministro, as pesquisas e outras iniciativas importantes produzidas nas instituições públicas.

Apesar de todos os ataques a professores, estudantes e a instituições de ensino, o ministro deixou o governo pelos seus recentes rompantes contra o STF, defendo a prisão dos integrantes do Supremo e chamando os ministros de vagabundos e participando de manifestação que pedia o fechamento da corte e do Congresso Nacional. Weintraub despediu-se do governo ao lado do presidente Bolsonaro. As ameaças às universidades públicas, à ciência e ao conhecimento, portanto, não foram afastadas. Mas é natural que a comunidade acadêmica esteja celebrando a saída de um ministro que, além de escrever imprecionante e paralização em seus lamentavelmente famosos posts nas redes sociais, comportou-se como inimigo da educação como mostram essa lista de declarações reunidas aqui.

“Muitas universidades federais promovem balbúrdia e eventos ridículos” – abril/2019 (antes de anunciar o contingenciamento das verbas para as instituições federais)

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Veja o que já enviamos

“Eu não quero falar com a UNE, eles não são eleitos. Eu nunca fui filiado à UNE” – maio/2019 (recusando-se a dialogar com lideranças estudantis na Câmara)

“O sonho das pessoas é colocar os filhos no sistema privado, não no público” junho/2019 (criticando o ensino público em entrevista)

“A gente tem um problema grave com as universidades federais, pois elas são muito caras para os resultados que entregam. O objetivo é salvá-las. Queremos jogar uma boia para elas” – julhpo2019 (no lançamento do Future-se)

“Após almoçar, olhando pela janela, vejo a lápide da educação em frente ao MEC e penso: achava impossível, mas Paulo Freire visto do alto é ainda mais feio” – outubro de 2019 (no twitter, debochando da homenagem ao patrono da educação brasileira)

“A gente vai quebrar mais uma das máfias do Brasil: tirar R$ 500 milhões da tigrada da UNE” – novembro/2019 (anunciando mudança nas carteiras de estudantes)

“Há plantações extensivas de maconha em algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico” – novembro/2019 (em entrevista a site de extrema direita)

“As plantações de maconha são reflexo de um consumo exagerado, fora de controle, nas universidades.” – dezembro 2019 (reiterando a acusação em audiência no Congresso)

“Nas universidades, os traficantes encontram refúgio; a PM não pode entrar nos campi. Eu sou 100% a favor de total autonomia de pesquisa, total autonomia de ensino nas universidades, você pode falar o que quiser e pesquisar o que quiser, mas roubo, estupro e consumo de drogas ilícitas, não pode ter e a PM tem que entrar nos campi” – dezembro/2019

“O país vive a maior revolução na área do ensino dos últimos 20 anos. O símbolo máximo disso é que sai o kit gay e entram livros para as crianças lerem com os pais” – dezembro/2019 (defendendo sua gestão com citação de fake news)

“Para fechar o bloco de informações sobre Priscila Cruz e sua ONG ‘Todos pela Educação’: CORONAVÍRUS!” – março/2020 (atacando a presidente do Todos pela Educação que cancelou evento por estar com suspeita de ter contraído a doença)

“Os governadores devem planejar o retorno das aulas, tirar as nádegas da cadeira e REBOLAR atrás do prejuízo!”  – abril/2020 (criticando os governadores e defendendo a volta às aulas)

“Hoje foi o dia da infâmia, VERGONHA NACIONAL, e será lembrado como a Noite dos Cristais brasileira. Profanaram nossos lares e estão nos sufocando. Sabem o que a grande imprensa oligarca/socialista dirá? SIEG HEIL!” – maio/2020  (twitter criticando operação contra difusores de fake news que foi duramente criticado pela comunidade judaica)

Protesto de estudantes universitários contra os cortes nas verbas da educação e as declarações do ministro Abraham Weintraub em 2019: pesquisa não é balbúrdia (Foto: Cris Faga/NurPhoto)

Weintraub perdeu o discurso contra as universidades federais com a visibilidade ganha pelas instituições de ensino com a pandemia de covid-19, quando elas tomaram à frente das pesquisas para prevenir e tratar a doença. Levantamento divulgado em maio pela Andifes (Associações Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior) apontou que estavam sendo desenvolvidas mais de 800 pesquisas sobre a pandemia nas instituições federais. São trabalhos que vão da identificação do genoma do vírus para o desenvolvimento de medicamentos e criação de vacina contra a Covid-19 a estudos com sistemas informatizados sobre georreferenciamento para mapear o avanço da doença. O levantamento listou ainda 79 parcerias das universidades federais com governos estaduais e 198 com administrações municipais. O levantamento constatou que as universidades já tinham promovido 697 campanhas educativas e 341 ações solidárias.

Leia todas as reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal

Após os primeiros ataques do ministro da Educação, o #Colabora deu início à série 100 Dias de Balbúrdia Federal: inicialmente, foram publicadas 100 reportagens diárias consecutivas com pesquisas, projetos de extensão e trabalhos em parceria com a sociedade realizados pelas instituições federais de todo o país: de veículos elétricos e movidos à energia solar a tratamentos contra zika, chikungunya, diabetes, Parkinson, doenças respiratórias; de pesquisas sobre biodiversidade e ameaças ambientais na Amazônia e outros biomas a projetos para aplicação na indústria nacional. Nestes 100 primeiros dias, de maio a agosto de 2019, o #Colabora mobilizou mais de 40 jornalistas em todo o país para mostrar a diversidade da produção acadêmica brasileira que continuou sob ataque do governo com cortes de verbas para manutenção e de bolsas de pesquisa.

A série #100diasdebalbúrdiafederal terminou, mas o #Colabora decidiu manter seu compromisso de divulgar a produção científica e deixar sempre claro que pesquisa não é balbúrdia. De agosto até agora, foram mais 43 reportagens – com periodicidade semanal – sobre trabalhos realizados pelas universidades públicas, agora em parceria com as próprias instituições e agências de divulgação científica. No total, em um ano, o #Colabora publicou matérias sobre pesquisas e projetos de mais de 40 universidades, de 24 estados brasileiros e do Distrito Federal. Desde março, temos destacado as iniciativas das instituições públicas no combate à pandemia da covid-19.

Abraham Weintraub deixa o Ministério da Educação coberto de fracassos. O Enem sob sua administração foi marcado por erros e confusões. O programa Future-se, lançado com estardalhaço em julho de 2019 com o objetivo anunciado de mudar o financiamento das universidades, foi rejeitado pela grande maioria dos conselhos universitários das federais: o projeto estabelecendo o programa só foi enviado ao Congresso no começo deste mês, quase um ano depois. A MP 914/2019, editada na véspera de Natal com mudança nas regras sobre o processo de escolha dos dirigentes das universidades federais, dos institutos federais e do Colégio Pedro II, foi ignorada pela Câmara e caducou sem ser votada. Na semana passada, nova medida provisória foi enviada dando a Weintraub o poder de nomear reitores durante a pandemia – o governo passou a vergonha de ver a MP devolvida.

Antes de ser demitido, Weintraub promoveu uma última balbúrdia contra o ensino: revogou portaria do Ministério da Educação que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. As universidades federais e a educação brasileira ficam livres de um inimigo público. O #Colabora encerra mais uma fase de sua série sobre as iniciativas das instituições públicas de ensino. Mas vamos continuar divulgando as pesquisas científicas e a produção de conhecimento nas universidades – a maravilhosa balbúrdia que o demitido ministro detestava.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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