Edvania Toledo era profissional de saúde, vivia em Recife e tinha 39 anos quando recebeu a notícia que mudaria completamente a sua vida. Seu filho Gabriel, então com pouco mais de 4 anos, foi diagnosticado com um câncer raro na cabeça, aparentemente incurável. A médica que o atendeu estimou que ele teria apenas mais três meses de vida. Mas havia um fio de esperança: “Se ele for para o Rio de Janeiro talvez haja uma saída”. A médica, então, liga para um cirurgião do INCA (Instituto Nacional do Câncer) e Edvania ouve o primeiro não de uma série de muitos que ouviria nos meses seguintes: “Ele disse que não adianta você viajar, fora de possibilidade, para que tentar se não há o que fazer?”, explicou.
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Com o coração apertado e uma certeza absoluta de que não podia desistir, no dia 22 de julho de 2005, a mãe do pequeno Gabriel juntou o dinheiro que não tinha, ganhou passagens só de ida e foi para o Rio. No dia seguinte, já estava no INCA, vencendo burocracias, contando meias verdades e iniciando o tratamento do filho. Mas ele precisava de uma cirurgia. Em Copacabana, no consultório do cirurgião, aquele mesmo que disse o primeiro não, Edvania ouviu mais um: “Não posso fazer nada pela senhora, ele vai morrer na mesa de operações”. Melhor voltar para Recife? Claro que não. Um novo dia e uma nova ida ao INCA, desta vez para pedir à pediatra do Instituto que encaminhasse o filho para um cirurgião. Advinha qual? Ele mesmo.
Ciente de que não se livraria facilmente de Edvania e de Gabriel, o médico aquiesceu, seguiu todos os protocolos, sugeriu tratamentos, mas ainda se recusava a operar: “Não há que fazer”. O tempo passava e a doença do menino só fazia piorar. Os tais três meses de vida já tinham virado nove. Até que Edvania resolveu dar um xeque mate no cirurgião. Talvez a melhor expressão seja um rabo de arraia: “Doutor, o senhor já me disse várias vezes que o meu filho vai morrer. Então vamos fazer um acordo. Eu dou o corpo do meu filho para a ciência, para estudos. Já que ele vai morrer mesmo, o senhor pode usar o caso dele para ajudar outras crianças. Mas antes o senhor vai ter que operar o menino”.
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Veja o que já enviamosO médico, que Edvania se recusa a dizer quem é, mas que virou amigo da família, pediu que a mãe arretada repetisse três vezes o que havia dito antes de dizer o primeiro sim. Resultado: a sonhada cirurgia de cabeça e pescoço demorou 14 horas e foi um sucesso. Depois dela, Gabriel se submeteu a mais 6 ou 7 intervenções cirúrgicas, médias e pequenas. Nessa altura, a estimativa de que ele teria só 3 meses de vida já tinha mudado um bocado: “Se ele não morrer até os 18 anos, não morrerá mais de câncer”, disse o médico. Hoje, Gabriel Toledo tem 23 anos, é um jovem esperto e saudável e está no sétimo período do curso de Jornalismo nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA). Edvania virou empreendedora e criou uma Cooperativa de Cuidadoras de Idosos, que emprega mais de 200 pessoas.
Mas essa história não acaba aqui. Edvania me fez prometer que falaria também dos sim que recebeu. O primeiro deles foi de Sonia Neves, presidente da Casa Ronald McDonald, que acolheu mãe e filho assim que chegaram assustados de Recife. A casa, que existe há 28 anos, tem o papel de hospedar, alimentar (cinco refeições por dia) e transportar, explica Sonia Neves, que trabalha como voluntária desde que perdeu o filho Marcos para o câncer. No fundo, o principal papel do espaço é dar tranquilidade e segurança para crianças e pais seguirem com os tratamentos sem se preocuparem com o básico. Edvania diz que nada do que fez seria possível sem o apoio de Sonia e dos voluntários, mais de 200, que doam 3 horas do seu tempo para a casa de azulejos azuis e brancos no Maracanã.
Por conta do nome, muita gente pensa que a Casa Ronald McDonald é totalmente financiada pela rede de lanchonetes. Não é. O McDia Feliz é importante, fundamental mesmo para a sobrevivência do espaço, mas não paga todas as contas. Com a pandemia, a organização e as crianças sofreram muito. Faltaram dinheiro e voluntários que, por motivos óbvios, não puderam aparecer com a mesma frequência. Agora o espaço está sendo reaberto à visitação pública – segundas, terças, quintas e sábados. Antes da covid-19 a casa tinha capacidade para atender 57 crianças mais os seus acompanhantes. Agora são 39 pacientes, mais acompanhantes, mas a intenção de Sonia Neves é voltar à capacidade normal o mais brevemente possível. Todas as famílias são carentes.
Hoje, 15 de fevereiro, é o Dia Internacional de Combate ao Câncer Infantil, que foi criado em 2001 pela Childhood Cancer International (CCI). Este ano, o slogan da campanha é “A maior taxa de sobrevivência é alcançável através das mãos deles”, pais, amigos, médicos, enfermeiros e voluntários. No Brasil, o câncer já representa a primeira causa de morte (8% do total) por doença entre crianças e jovens de 1 a 19 anos. A cada 3 minutos uma criança morre de câncer no mundo. Mas este não é o único lado da moeda, também há muita esperança e superação, como mostra a história de Edvania e Gabriel. De todas as crianças que passaram pela Casa Ronald McDonald, em seus 28 anos de existência, cerca de 80% sobreviveram. Ontem, na conversa com o #Colabora, em uma mistura de alegria e emoção, Sonia e Edvania recordaram alguns desses casos: “Tem a Madalena, casada com cinco filhos, tem a Antonieta, também casada, a filha já está uma mocinha, o Eduardo, lembra?, que trabalha como segurança, a Vanessa que foi a primeira a sofrer transplante de medula, hoje está ótima, é linda e maravilhosa…”