Izabel Santos*
Desde o dia 26 abril, data de divulgação dos dois primeiros casos de Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira (AM), o número de infectados aumentou 4.850% à média de seis novos casos por dia. De acordo com o boletim da prefeitura, nesta segunda-feira (11), foram registrados no acumulado 97 notificações da doença e dez mortes. Outras 297 pessoas estão sendo monitoradas com suspeita da doença. São Gabriel da Cachoeira fica a 850 quilômetros de Manaus, na região do Alto Rio Negro. A maioria dos 45 mil habitantes é indígena: são 23 etnias, entre elas, Tukano, Baré, Baniwa, Desana, Arapaso.
Devido a incidência da pandemia na região, a Prefeitura de São Gabriel decretou lockdown, que é proibição da circulação da população nas ruas e de atividades não essenciais de 9 a 19 de maio. O decreto foi assinado pelo prefeito em exercício Pascoal Gomes Alcântara (PT), porque o prefeito Clóvis Saldanha (PT), está com Covid-19 e afastado das funções desde o dia 2.
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Veja o que já enviamosO médico infectologista Bernardino Albuquerque, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), avalia que as medidas de isolamento social mais rígidas, como o lockdown, só devem funcionar se levarem em conta questões culturais de São Gabriel da Cachoeira. “Essas medidas podem realmente ser efetivas. Mas vai depender muito do contexto em que isso vai acontecer, porque mudar uma cultura, um hábito, de imediato, é muito difícil. Tem todo um contexto socioeconômico que precisa ser levado em consideração”, disse o especialista à Amazônia Real.
O lockdown na cidade proíbe a circulação e aglomerações de pessoas nas vias públicas, estabelecimentos comerciais, instituições bancárias e lotéricas da cidade nos horários de 6h às 15h. A exceções são casos de atendimento em saúde, estabelecimentos comerciais, servidores da segurança pública e saúde, serviços essenciais (luz, água, telefonia e internet) e entregas na modalidade delivery, que deve funcionar até às 20h. Quem desobedecer ao decreto está sujeito à autuação.
O infectologista da UFAM avalia que os deslocamentos realizados todos os meses por indígenas de comunidades adjacentes também deveria ter sido pensado como uma das peculiaridades locais. “No caso de São Gabriel da Cachoeira, quase 90% da população é de indígenas e de várias etnias. Além disso, tem a questão dos deslocamentos e como as comunidades ao redor da cidade se comunicam com a sede do município. Todos os meses, no final do mês, centenas de pessoas vêm a cidade receber benefícios. Na atual situação, eles precisam ainda mais desse recurso”, acrescentou Albuquerque.
[g1_quote author_name=”Marivelton Baré” author_description=”presidente do Comitê Municipal de Enfrentamento à Covid-19″ author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Tivemos uma explosão de casos. Aqui em São Gabriel da Cachoeira, a unidade hospitalar, assim como todo o sistema de saúde do município, já entrou em colapso. Precisamos de outras medidas, mudar a rotina e vetar as entradas da cidade.
[/g1_quote]Presidente do Comitê Central de Combate à Covid-19 da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o infectologista criticou a falta de planejamento e sensibilidade em relação ao enfrentamento à pandemia em São Gabriel da Cachoeira, que tem fronteira com Colômbia e Venezuela. “Fica uma situação muito difícil no que diz respeito à atenção [em saúde]. Sabemos que na sede do município tem um hospital militar, mas que tem limitações de espaço físico, equipamentos e recursos humanos que precisam ser reforçadas”, destacou Albuquerque.
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No sábado (9), faltou oxigênio no Hospital de Guarnição do Exército, única unidade hospitalar do município, mas que não tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e conta apenas com sete respiradores para o tratamento de pacientes de Covid-19. Cobrado pelo Ministério Público, o governo do Amazonas enviou 30 cilindros ao hospital com apoio de aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB).
O médico Bernardino Albuquerque disse que a criação de polos de atendimento em pontos estratégicos do município seria uma alternativa aos indígenas que moram longe da cidade. “Uma outra coisa que precisa realmente ser considerada é como se vai dar uma atenção diferenciada a quem vive nas comunidades, que têm um deslocamento muito difícil. O deslocamento aéreo não satisfaz em todas as situações. Um exemplo disso é o que está acontecendo no Alto Solimões”, lembrou, referindo-se a região com mais casos de Covid-19 entre indígenas no Brasil. O Alto Solimões tem 100 casos confirmados e dez mortes.
Número de casos avança entre indígenas
A pandemia de coronavírus tem se agravado nas comunidades indígenas mais distantes da sede de São Gabriel da Cachoeira, onde vivem mais de 25 mil pessoas. Segundo o presidente do Comitê Municipal de Enfrentamento à Covid-19, Marivelton Baré, é necessário um plano de ação diferenciado para o local, que tem a maior parte da sua população em comunidades afastadas e terras indígenas mais distantes ainda da sede do município.
“Tivemos uma explosão de casos. Aqui em São Gabriel da Cachoeira, a unidade hospitalar, assim como todo o sistema de saúde do município, já entrou em colapso. Precisamos de outras medidas, mudar a rotina e vetar as entradas da cidade. Ainda temos uma aglomeração muito grande na cidade. Somado a isso, faltam máscaras, testes rápidos para testar todo mundo, e EPIs adequados”, alertou.
Na quinta-feira (8), uma pessoa foi transferida às pressas da comunidade Cucuí para a sede do município. Ela tinha ido visitar um parente no local há dez dias e adoeceu. Por um acaso, funcionários do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Negro foram ao local fazer testagens em pessoas que tiveram contato com uma pessoa infectada e se depararam com a situação. A pessoa foi transferida de helicóptero para o Hospital de Guarnição do Exército.
Com a falta de assistência por parte da Secretaria de Estado de Saúde (Susam), o município está contando com o apoio de profissionais de saúde das organizações não governamentais estrangeiras. A reportagem apurou que há enfermeiros de agentes de saúde (AIS) doentes e na quarentena. Faltam também Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), sabão, máscaras, alimentos nas comunidades, além de água potável.
Marivelton Baré contou como o foi o esforço para chegar novos médicos na região. “A saúde está sobrecarregada, pois ainda faltam profissionais de Manaus virem para cá. Conseguimos trazer alguns com o apoio de Greenpeace, que fizeram em um voo de quatro pessoas, também tivemos uma ajuda dos Médicos Sem Fronteiras. Esses profissionais vão nos ajudar a pensar em uma estratégia, um plano melhor, de combate”, acrescentou o líde indígena, também presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
A palavra das autoridades
A reportagem procurou o governo do Amazonas e o Comando Militar da Amazônia, que é responsável pelo Hospital de Guarnição do Exército, mas nenhuma autoridade quis comentar a situação dos pacientes de São Gabriel da Cachoeira. Em nota publicada no sábado (9), Governo do Amazonas informou que enviou 30 cilindros de oxigênio para o Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira “a fim de atender à demanda de pacientes com Covid-19 no município”. O texto diz que mais 50 cilindros seriam enviados no dia seguinte, domingo, 10 de maio. Os insumos foram transportados pela Força Aérea Brasileira (FAB).
Além do oxigênio, o governo diz já ter enviado, anteriormente, 790 testes rápidos, em cinco remessas, e 49,7 mil Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Fora isso, a Susam informou que o município recebeu R$ 515,4 mil do Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas (FTI) para serem usados no enfrentamento ao novo coronavírus.
A Amazônia Real procurou à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para ela informar a quantidade de EPIs enviados ao Dsei Alto Rio Negro e dizer o número de profissionais com coronavírus e que estão no isolamento, mas a assessoria não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.
No dia 8 de maio, após a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira decretar o lockdown na cidade, o Dsei Alto Rio anunciou a suspensão da entrada de profissionais da saúde nos territórios indígenas. “Reforçamos que este é um momento que pede mais união, compromisso e disposição para continuarmos garantindo assistência aos parentes indígenas aldeados. Pedimos que continuem seguindo todas as orientações sobre o isolamento obrigatório no domicílio, permanecem em quarentena até as próximas entradas!”, disse o comunicado assinado por Fátima Firmo Nascimento, chefe da Divisão de Atenção à Saúde Indígena (Diasi).