Massacre dos visons é suspenso mas crueldade continua

Dinamarca suspende plano para matar 17 milhões de animais mas joga luz sobre terríveis condições das fazendas de peles

Por Oscar Valporto | ODS 15ODS 3 • Publicada em 10 de novembro de 2020 - 08:00 • Atualizada em 14 de novembro de 2020 - 11:04

Visons em cativeiro numa fazenda de peles da Dinamarca: decisão de matar 17 milhões de animais devido à ameaça de transmissão do novo coronavírus é suspensa (Foto: Mads Claus Rasmussen / Ritzau Scanpix / AFP)

Quarto no ranking mundial de desenvolvimento e entre os 10 países do mundo com maior PIB per capita, a Dinamarca anunciou, na quarta-feira (4/11), um plano para matar 17 milhões de visons – pequeno mamífero conhecido pelo valor de suas peles, usadas na confecção de luxuosos casacos e estolas. A decisão foi tomada após a transmissão de uma mutação do novo coronavírus dos animais para humanos em fazendas de peles dinamarquesas. O abate em massa chamou a atenção para as péssimas condições dos visons em cativeiros.

Nesta segunda (09/11), o governo dinamarquês desistiu da tentativa de aprovar uma legislação de emergência que lhe permitiria matar todos os visons do país. “Fazendas de peles imundas, repletas de visons doentes, estressados e feridos são criadouros de doenças”, alertou a Peta (People for Ethical Treatment of Animals – Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais), ONG mundial em manifestação após o anúncio dinamarquês. “Não podemos esperar melhores resultados – ou uma cura – se continuarmos no mesmo caminho. Ninguém precisa de um casaco de vison, mas precisamos de uma vacina! Vamos fechar as fazendas de peles. Agora.”, publicou a Peta em seu twitter.

De acordo com a entrevista da primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen (do Partido Social Democrata), todos os visons do país seriam eliminados devido ao temor de que uma mutação do coronavírus, passando do vison para os humanos, pudesse prejudicar as vacinas futuras. Outras críticas vieram rapidamente – mas não em defesa do bem estar dos animais. “Surgiram agora enormes dúvidas sobre se esta seleção tem base científica adequada”, disse Jakob Ellemann-Jensen, o líder do maior partido de oposição da Dinamarca, Venstre (Liberal). “Ao mesmo tempo, o governo está tirando o sustento de um grande número de pessoas sem realmente ter os direitos legais para fazê-lo”, acrescentou.

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Vison em jaula na Dinamarca: estudo para saber como e por que os animais foram capazes de contrair o vírus e espalhar a doença Mads Claus Rasmussen / Ritzau Scanpix / AFP)
Vison em jaula na Dinamarca: estudo para saber como e por que os animais foram capazes de contrair o vírus e espalhar a doença Mads Claus Rasmussen / Ritzau Scanpix / AFP)

A oposição ao abate ganhou força porque a agência de saúde pública da Dinamarca, o Statens Serum Institut (SSI), não encontrou evidências da cepa mutante por mais de um mês, enquanto vários especialistas dinamarqueses e internacionais questionaram se a mutação era realmente perigosa – até agora não há vítimas fatais entre os infectados pelos visons. A grande preocupação de saúde pública é que qualquer mutação no coronavírus que passa entre o vison e os humanos pode ser suficiente para impedir que as vacinas humanas funcionem – quando elas estiverem disponíveis.

A OMS confirmou que estão em andamento estudos para descobrir como e por que os visons foram capazes de contrair o vírus e espalhar a doença. O cientista chefe da OMS, Soumya Swaminathan, disse, em entrevista no fim de semana,  que é muito cedo para avaliar a ameaça da mutação encontrada nos visons. “Precisamos esperar e ver quais são as implicações, mas não acho que devemos chegar a nenhuma conclusão sobre se essa mutação em particular terá impacto na eficácia da vacina”, disse Swaminathan. “Não temos nenhuma evidência no momento de que teria impacto”.

A ameaça de massacre dos visons jogou luz sobre a indústria de peles de animais na Dinamarca; o país é o maior produtor mundial de pele de vison e seus principais mercados de exportação são a China e Hong Kong. Mais de mil fazendas criam visons em cativeiro na Dinamarca. No mundo inteiro, mais de 50 milhões de visons por ano são abatidos para a retirada de suas peles. Milhares de visons já foram sacrificados este ano depois do aparecimento dos primeiros casos de covid-19 entre os animais. Além da Dinamarca, foram registrados surtos em fazendas de peles também na Holanda, Espanha, Suécia e nos EUA.

Visons em suas pequenas jaulas na Dinamarca: ONG de defesa dos animais denunciam que “fazendas de peles imundas, repletas de visons doentes, estressados e feridos são criadouros de doença” Mads Claus Rasmussen / Ritzau Scanpix / AFP)

Os visons – assim como os furões, seus parentes próximos do ramo Mustela – são suscetíveis ao coronavírus e, como os humanos, podem apresentar uma variedade de sintomas: desde nenhum sinal de doença até problemas graves, como pneumonia. Foram os humanos que transmitiram o novo coronavírus para os visons. Mas trabalho investigativo genético mostrou que em um pequeno número de casos, na Holanda e agora na Dinamarca, o vírus parece ter mudado de direção: dos visons para os humanos.

Ataque à criação de animais para produzir peles

A pandemia de covid-19 já havia provocado a intensificação do movimento pelo fim da crueldade contra animais. “Os vírus que causam a SARS e a covid-19 infectaram pela primeira vez humanos que tiveram contato próximo com animais selvagens em cativeiro em mercados de animais vivos – o que representa um risco à saúde pública semelhante ao representado por fazendas de peles”, afirmou a Peta em seu comunicado.  “Prender animais na sujeira levou ao surgimento do novo coronavírus e, como prova este último surto na Dinamarca, também facilita as mutações”, acrescentou.

De acordo com a ONG, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos alerta que aproximadamente 75% das doenças infecciosas que afetam os seres humanos se originaram em outros animais. “Em fazendas de peles, animais são confinados em gaiolas de arame apertadas adjacentes umas às outras, tornando muito fácil a propagação de doenças infecciosas através da troca de urina e excrementos , pus e sangue”, denuncia a Peta. “Os humanos não têm o direito de aprisionar visons em jaulas  por toda a vida. Incapazes de desenvolver em um comportamento natural, os animais muitas vezes enlouquecem com o confinamento, e alguns até se autocanibalizam, mastigando seus próprios membros ou caudas como resultado do constante tormento psicológico e físico. Eles são mortos de maneiras horríveis, incluindo envenenamento, asfixia por gás, afogamento ou até mesmo esfolados vivos”, afirma a ONG.

Dezenas de visons mortos em fazenda de peles dinamarquesa após transmissão da covid-19 a humanos: matança foi suspensa mas crueldade continua (Foto: Mette Moerk / Ritzau Scanpix / AFP)

A covid-19 nos visons já provocou medidas para o fim da criação dos pequenos mamíferos para retirada de peles. Na Holanda, após casos de  disseminação do novo coronavírus dos visons para os humanos em fazenda de peles, o Parlamento votou, com grande maioria, pela proibição da criação de visons; as fazendas de peles devem ser fechadas até o final deste ano. Na Polônia, o Sejm (a câmara baixa de seu parlamento) votou a favor da proibição do cultivo de peles em setembro. Se o Senado e o Executivo  aprovarem a legislação, ela acabará com o sofrimento de aproximadamente seis milhões de visons, raposas e guaxinins. A Polônia é o terceiro maior produtor de peles do mundo.

A França também anunciou que deve acabar com a criação de visons para a retirada da pele até 2025 quando as quatro fazendas restantes do país serão fechadas, cortando também a segunda maior fonte de importação de peles do Reino Unido – os britânicos proíbem a criação de visons no país, mas permitem a importação de peles. Na Itália, a Peta lidera uma campanha apelando ao primeiro-ministro para fechar as 13 fazendas de visons restantes naquele país. “Se quisermos combater esse vírus e prevenir futuras pandemias, temos que fechar as fazendas de peles em todos os lugares. Elas são implacavelmente cruéis com os animais e representam uma séria ameaça à saúde humana”, afirma o comunicado da Peta.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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