Diário da Covid-19: homens idosos são as principais vítimas da pandemia

Casal de idosos tem a sua temperatura checada na entrada no Mercadão de Madureira. Foto Allan Carvalho/NurPhoto

Dados do Ministério da Saúde mostram que 72,9% dos mortos têm mais de 60 anos e a 58,8% são do sexo masculino

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 23 de junho de 2020 - 11:18 • Atualizada em 19 de dezembro de 2021 - 11:50

Casal de idosos tem a sua temperatura checada na entrada no Mercadão de Madureira. Foto Allan Carvalho/NurPhoto

A pandemia do Sars-CoV-2 tem um impacto muito diferenciado em termos de geração e gênero, tanto no agravamento dos casos, quanto no número de mortes. Apesar de infectar pessoas de todas as idades, a covid-19 é uma doença que tem matado principalmente homens e idosos e, entre os idosos, os muito idosos, com mais de 80 anos de idade. Isto acontece em todos os países, mas em proporções diferentes. O relatório da ONU, “The Impact of COVID-19 on older persons” mostra que as vítimas fatais do novo coronavírus representavam 80% dos idosos (60 anos e mais de idade) da China e 83% dos idosos da Itália. Na média mundial, morrem 51% de homens e 49% de mulheres.

Porém, no Brasil, a proporção de óbitos da covid-19 tem uma distribuição etária um pouco menos envelhecida e uma de proporção de homens mais acentuada. Para verificar o perfil de geração e gênero utilizamos os dados do Ministério da Saúde, que são oriundos do sistema e-SIVEP Gripe que registra os casos de hospitalizações de Síndrome Gripal, incluindo casos de Covid-19 (SRAG 2020 – Banco de Dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave – incluindo dados da COVID-19).

Segundo os dados registrados até 16/06/2020, do conjunto dos óbitos confirmados por covid-19 no Brasil, entre os que foram hospitalizados (41.580), em termos de gênero, 41,2% eram mulheres e 58,8% eram homens. Em termos de geração, 27,1% tinham menos de 60 anos e 72,9% eram idosos de 60 anos e mais de idade. Portanto, no Brasil, a covid-19 atinge uma proporção maior de homens e de pessoas não idosas do que a média mundial.

O gráfico abaixo mostra que a percentagem de óbitos masculinos supera os óbitos femininos em todas as idades, com exceção do grupo 0 a 19 anos (onde há empate) e no grupo 90 anos e mais, onde há uma maior proporção de óbitos femininos. No grupo etário 60 a 69 anos, 14,1% são homens e 8,8% são mulheres, uma diferença de 5,3% em termos de gênero neste grupo etário.

Indubitavelmente, o novo coronavírus é um patógeno que aumenta muito o risco de morte para as pessoas idosas. Os homens, em geral, estão mais expostos aos riscos de contágio e tratam menos das comorbidades crônicas. Assim, devido mais às questões sociais, do que às questões biológicas, os homens morrem mais do que as mulheres por conta da covid-19.

Este diferencial etário na mortalidade levou muitos analistas a considerar que as Unidades da Federação (UF) que possuem uma estrutura etária mais rejuvenescida teriam menor risco de contágio e morte, enquanto as maiores vítimas estariam localizadas naquelas UFs com maior proporção de idosos. Desta forma, a estrutura etária forneceria indicadores demográficos de vulnerabilidade e risco.

Contudo, a tabela abaixo mostra que a região Norte, que possui o menor Índice de Envelhecimento, é aquela que apresenta o maior coeficiente de mortalidade. A região Norte tem 8,8% da população brasileira e responde por 17,3% das mortes pela covid-19, tendo 468 óbitos por milhão de habitantes (muito acima da média brasileira de 239 óbitos por milhão). No extremo oposto, a região Sul, a mais envelhecida do país, como IE de 87 idosos para cada 100 jovens de 0 a 14 anos, tem um menor coeficiente de mortalidade com 37 óbitos por milhão (12,5 vezes menos do que a região Norte).

Outras regiões com coeficientes de mortalidade acima da média nacional são as regiões Sudeste (com 263 óbitos por milhão) e Nordeste (com 282 óbitos por milhão). Já a região Centro-Oeste tem um coeficiente de mortalidade (69 óbitos por milhão) pouco acima da região Sul, mas bem abaixo da média brasileira.

 

Em termos de Unidades da Federação, o contraste é acentuado entre o Amapá (AP) – que é o estado mais rejuvenescido do país – e o Rio Grande do Sul (RS) – que é o estado mais envelhecido do país. Segundo os dados do Ministério da Saúde, a população amapaense está estimada em 846 mil habitantes (sendo 7% de idosos). O Índice de Envelhecimento (IE) está em 25 idosos para cada 100 jovens de 0-14 anos. Já a população do Rio Grande do Sul, de 11,4 milhões de habitantes, (sendo 18,2% de idosos) tinha um IE de 103 idosos para cada 100 jovens de 0-14 anos.

Mas como mostra a tabela abaixo, no dia 22 de junho, enquanto o Amapá tinha coeficiente de incidência de 29.184 casos por milhão e coeficiente de mortalidade de 440 óbitos por milhão de habitantes, os coeficientes do Rio Grande do Sul são, respectivamente 1.732 casos por milhão e 40 óbitos por milhão. Portanto, a Unidade da Federação mais atingida pela covid-19 foi a mais rejuvenescida e não a mais envelhecida.

O Brasil passa por um processo de geronticídio?

Como a covid-19 é uma doença que atinge de forma proporcional os idosos, há quem diga que o Brasil, por conta da pandemia, vive um geronticídio (um genocídio de idosos). Evidentemente, é um exagero utilizar este termo, pois os idosos já possuem maiores taxas de morbidade e mortalidade muito antes da pandemia. A população de 60 anos e mais é, naturalmente, mais suscetível a doenças cardíacas, diabetes, neoplasias etc. As taxas de mortalidade específicas crescem com a idade e isto faz parte de uma realidade inexorável.

Usar o termo geronticídio, no contexto da pandemia do novo coronavírus, passa a ideia de que a população idosa vai ser eliminada, o que está absolutamente longe da verdade. O número de mortes pelo Sars-CoV-2 no Brasil está em 51 mil. Porém, mesmo que suba para 200 mil óbitos (como mostram algumas projeções), nem de longe chegaria a afetar a tendência do envelhecimento populacional do Brasil.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de idosos (de 60 anos e mais) no Brasil, por grupos etários, entre 1950 e 2020. O número de idosos passou de 2,6 milhões, em 1950, para 30 milhões de indivíduos em 2020, um crescimento de 11,3 vezes em 70 anos, ou de 3,5% ao ano. Os idosos eram 5% da população brasileira em 1950 e passaram para 14% da população em 2020.

Entre 1950 e 1955, o acréscimo foi de 475 mil idosos no Brasil e no quinquênio 2015 e 2020 o acréscimo quinquenal foi de 5,4 milhões de idosos. As projeções da ONU indicam que a população brasileira vai passar de 212 milhões de habitantes em 2020 para 219 milhões em 2025, com 36 milhões de idosos, representando 16,5% do total em 2025. Isto é, somente nos 12 meses de 2020 haverá um acréscimo de 1,25 milhão de idosos (de 60 anos e mais) no Brasil.

Portanto, por mais sofrimento e dor causados por cada morte evitável, a pandemia do novo coronavírus tem sido dramática, mas não ameaça reduzir o número absoluto de idosos no Brasil. A escala do envelhecimento populacional continua muitas vezes superior ao volume das vítimas da doença.

O fato é que a pandemia da covid-19 vai causar muito sofrimento humano e muitos danos econômicos, mas, com certeza, vai ser vencida. A humanidade vai superar este desafio e precisa aprender as lições, tanto em termos sociais, quanto ambientais. A civilização está seguindo um rumo insustentável, com uma Pegada Ecológica cada vez maior em relação à biocapacidade do Planeta. Ter uma relação harmônica com a natureza é uma condição necessária para a sobrevivência das futuras gerações.

Atualmente, todas as atenções estão voltadas para resolver a emergência sanitária e a emergência econômica. Mas, no longo prazo, a emergência climática e ambiental é a principal ameaça existencial à humanidade no século XXI, que deve afetar as pessoas de todas as idades, mas principalmente as novas gerações.

Desta forma, é preciso haver uma solidariedade intergeracional, pois estamos todos em um mesmo Planeta. Existem muitas dúvidas sobre como será o futuro da saúde, da economia e do meio ambiente. Mas do ponto de vista demográfico, uma coisa é certa: a população brasileira vai crescer nas próximas décadas e a estrutura etária será cada vez mais envelhecida (por conta disto não é sensato banalizar o termo geronticídio).

Em qualquer cenário, a união de todas as pessoas, de todas as idades é uma pré-condição para se criar os meios e as vias para enfrentar os diversos desafios que temos e teremos no processo de construção de um futuro melhor e mais justo.

Frase do dia 23 de junho de 2020

“O segredo de uma boa velhice é simplesmente um pacto honroso com a solidão”

Gabriel García Márquez (1927-2014)

Referência:

  1. Policy Brief: The Impact of COVID-19 on older persons, May 2020
José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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