Diário da Covid-19: Brasil tem os menores números em um ano. O que esperar pela frente?

Grafite em Nova Déli mostra a luta de todos os países do mundo contra a covid-19. Foto Sajjad Hussan/AFP

Experiência de outros países mostra que luta contra a pandemia requer ações de longo prazo e não dá para cantar vitória antes da hora

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 12 de setembro de 2021 - 09:30 • Atualizada em 20 de novembro de 2021 - 12:30

Grafite em Nova Déli mostra a luta de todos os países do mundo contra a covid-19. Foto Sajjad Hussan/AFP

A pandemia, felizmente, tem recuado no Brasil. A curva epidemiológica de infectados ficou abaixo de 16 mil casos diários e a curva de mortalidade ficou abaixo de 500 óbitos diários, na surpreendente semana dos 199 anos da Independência do país. Mas a caminhada do país não tem seguido uma trilha tranquila, retilínea e sem surpresas. As idas e vindas têm se alternado de forma abrupta e inesperada na política, na economia e também na pandemia. A marca fundamental do Brasil atual é a ambiguidade. As incertezas na economia têm reforçado as dúvidas na política e aumentado a imprevisibilidade quanto às ações para colocar fim à pandemia. As aglomerações do 7 de setembro, as concentrações de caminhoneiros e as generalizadas medidas de flexibilização do distanciamento social criam um campo fértil para a propagação do coronavírus e o surgimento de um novo surto de covid-19.

Leu essa? Por que os jovens se sentem mais seguros para falar online sobre suicídio?

Por conseguinte, qualquer comemoração em relação à redução dos casos e dos óbitos da covid-19 deve ser feita com moderação e precaução. Depois do pico da 1ª onda, que ocorreu em julho de 2020, a pandemia recuou para uma média diária de cerca de 16 mil casos e 330 óbitos, em meados de novembro do ano passado. Contudo, a queda foi temporária e foi sucedida por uma nova onda ainda mais forte do que a primeira. Olhar para o passado e para as experiências comparadas com outros países pode ajudar a evitar a repetição de erros no presente e no futuro.

O Brasil, em meados de maio de 2020, pela primeira vez ultrapassou 16 mil casos diários de covid-19 e voltou para esse nível somente em meados de novembro do ano passado, conforme mostra o gráfico abaixo. Em 2021, os números diários de casos ficaram sempre acima deste patamar, o que coloca o Brasil acima da média mundial de percentagem da população com diagnósticos positivos da covid-19. Segundo o Ministério da Saúde, no dia 11 de setembro, o número acumulado chegou a 20.989.164 casos e a média móvel de 7 dias ficou em 15.900 casos.

Comparando a difusão de casos de covid-19 no Brasil, nos Estados Unidos, no México, em Israel e no mundo, observa-se que a média global foi sempre inferior à média brasileira durante praticamente todo o ano de 2021, conforme mostra o gráfico abaixo. Se a queda continuar em setembro, existe a possibilidade do coeficiente diário de incidência do Brasil ficar abaixo do coeficiente global. Já os outros países conseguiram números abaixo da média mundial nos meses anteriores, sendo que Israel chegou a atingir média zero. Contudo, no dia 10/09, Israel, EUA e México apresentam coeficientes de incidência acima da média brasileira e mundial, mostrando que nenhum país está isento de surtos cíclicos, mesmo com inegáveis avanços do plano de imunização.

Considerando os coeficientes acumulados de incidência, Israel apresenta o maior número com 131 mil casos de covid-19 por milhão, EUA têm coeficiente de 123 mil casos por milhão e Brasil com coeficiente de 98 mil casos por milhão, os três países com números maiores do que o coeficiente global de 28 mil casos por milhão. Somente o México, com 27 mil casos por milhão de habitantes tem valor menor do que a média mundial.

A curva epidemiológica de mortalidade por covid-19 tem um formato bimodal, com o primeiro pico ocorrendo em julho de 2020, apresentando uma média pouco acima de 1 mil óbitos diários e o segundo pico modal ocorrendo em abril de 2021, apresentando média acima de 3 mil óbitos diários, conforme mostra o gráfico abaixo. No dia 09 de setembro o Brasil atingiu mais de 390 mil mortes, o dobro das 194,9 mil mortes de 2020. Porém, afortunadamente, o número de vidas perdidas vem se reduzindo nos últimos 5 meses. Segundo o Ministério da Saúde, no dia 11 de setembro, o número acumulado chegou a 586.558 óbitos e a média móvel de 7 dias ficou em 457 casos.

Na comparação da média de óbitos por covid-19 dos 4 países em questão e do mundo, nota-se que a média brasileira foi sempre superior à média global durante todo o ano de 2021, conforme mostra o gráfico abaixo. Todavia, se a diminuição continuar em setembro, existe também a possibilidade do coeficiente diário de mortalidade do Brasil ficar abaixo do coeficiente global. Já os outros países conseguiram números abaixo da média mundial nos meses anteriores, sendo que Israel chegou a zerar o número de mortes da covid-19. Todavia, no dia 10/09, EUA, México e Israel apresentam coeficientes de incidência acima da média brasileira e mundial, mostrando que a luta contra a pandemia requer ações de longo prazo e não dá para cantar vitória antes da hora.

Em relação aos coeficientes acumulados de mortalidade por covid-19, o Brasil apresenta o maior coeficiente com 2,74 mil óbitos por milhão, o México 2,1 mil óbitos por milhão, os EUA com 1,98 óbitos por milhão, Israel com 833 óbitos por milhão, todos acima do coeficiente mundial com 586 óbitos por milhão de habitantes.

A montanha pariu um rato

A semana de 05 a 11 de setembro foi muito tensa, pois havia enorme ansiedade na sociedade brasileira em relação ao que poderia acontecer no país no período das comemorações dos 199 anos da Independência. Mas, ao invés de uma tragédia, os desdobramentos ficaram mais próximos do script de uma comédia, como naquela famosa passagem das Fábulas do escritor grego Esopo (620 – 560 a.C.): “A montanha dava à luz, no meio de gemidos medonhos, imensa era nos povos a expectativa. Mas ela pariu um rato”.

No domingo, dia 05/09, o país passou por uma situação inusitada quando a partida entre Brasil e Argentina, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de Futebol, depois de muito diz-que-me-diz entre as autoridades futebolísticas dos dois países e do continente, foi interrompida pelos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). As autoridades de saúde mostraram determinação e a partida foi cancelada. Isto, na véspera de grandes concentrações públicas de pessoas sem máscara e no momento em que diversas Unidades da Federação estão liberando público presencial nos jogos locais, estaduais e nacionais de futebol.

Na segunda-feira, dia 06 de setembro, caminhoneiros e outros manifestantes que estavam parados na altura da estação rodoviária de Brasília pressionaram para ultrapassar o bloqueio estabelecido pelo esquema de segurança. Por volta das 23 horas, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro furaram o bloqueio policial e invadiram a Esplanada dos Ministérios e chegaram ao lado do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, nas proximidades do Congresso Nacional. Houve tentativa de invasão do Supremo Tribunal Federal (STF), mas os policiais conseguiram barrar a passagem, impedindo que os militantes mais ousados chegassem à Praça dos Três Poderes.

No dia 07 de setembro houve manifestações expressivas (embora aquém do previsto) a favor do presidente Bolsonaro, pedindo intervenção militar e atuando contra as instituições do Estado Democrático de Direito. Em discurso golpista, Bolsonaro questionou novamente a urna eletrônica e defendeu o voto no papel (embora tenha prometido para o presidente da Câmara respeitar a decisão do Congresso que rejeitou a volta do voto impresso). O presidente desafiou: “Quero dizer àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá”. Bolsonaro criticou o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso (sem citá-lo nominalmente) e afirmou: “Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”.

Mas as críticas mais duras foram direcionadas à “Suprema Corte”, conclamando o presidente do STF, Luiz Fux, a interferir nas decisões do ministro Alexandre de Moraes: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República”, afirmou Bolsonaro. Em São Paulo, o presidente da República chegou a citar Alexandre de Moraes nominalmente e o chamou de “canalha”, dizendo que “não pode mais admitir” que ele “continue açoitando o povo brasileiro”.

Na quarta-feira, um dia após os atos antidemocráticos, ocorridos na data da Independência, caminhoneiros a favor do governo de Jair Bolsonaro e contra os ministros do STF promovem manifestações e bloqueios de rodovias em 16 estados. Mas diante da possibilidade de desabastecimento e de agravamento do quadro inflacionário do país, o presidente Jair Bolsonaro iniciou um processo de recuo e gravou um áudio pedindo aos caminhoneiros que liberassem as estradas do país, dizendo que tal movimento “atrapalha a economia” e “prejudica todo mundo, em especial, os mais pobres”. Evidentemente, houve muito descontentamento na base de apoio governista. Neste clima, o Ibovespa caiu 2,3% e o dólar subiu 1,6% na semana, marcada pela tensão política.

Manifestantes favoráveis ao presidente Bolsonaro se aglomeram na Avenida Paulista, em São Paulo, pedindo o fechamento do STF. Foto Miguel Schincariol (AFP). Setembro/2021

Em contraposição, a primeira reação mais forte questionando as manifestações golpistas e as atitudes antidemocráticas da semana ocorreu, ainda no dia 08 de setembro, quando o ministro Luiz Fux, presidente do STF, afirmou que “ninguém fechará” a Corte e que o desprezo às decisões judiciais por parte de chefe de qualquer poder configura crime de responsabilidade. Ou seja, pode gerar um processo de impeachment. Ato contínuo, no dia seguinte (09/09) o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que a “democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la”. Disse também que “insulto não é argumento, ofensa não é coragem”. E completou: “A falta de compostura nos diminui perante nós mesmos. Não podemos permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral que estamos vivendo”. Os presidentes da Câmara e do Senado, mesmo que de forma mais moderada, também se manifestaram em defesa da democracia.

Por conseguinte, diante da reação da sociedade civil brasileira e das manifestações dos Poderes Judiciário e Legislativo, o Chefe do Executivo foi obrigado a recuar, pedindo ajuda ao ex-presidente Michel Temer. Em carta à nação, Bolsonaro disse que não tinha intenção de agredir os Poderes e declarou que seus destemperos verbais decorreram “do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”. Portanto, a rendição foi completa, pois além de elogiar as “qualidades como jurista e professor” do seu principal desafeto no STF, Bolsonaro conversou por telefone com o ministro Alexandre de Moraes. Para completar a virada, ainda no dia 09/09, o presidente Jair Bolsonaro abandonou as críticas à China e às vacinas chinesas e durante a 13ª Cúpula do BRICS, elogiou os laços bilaterais do Brasil com o gigante asiático e destacou que a parceria entre os dois países “tem se mostrado essencial para a gestão adequada da pandemia no Brasil”.

Assim, o dia 10 de setembro foi de reacomodação, sendo que a potencial guerra civil que não aconteceu, virou uma guerra de versões, com a oposição comemorando a rendição do presidente Bolsonaro e os bolsonaristas tentando justificar o recuo, construindo uma narrativa voltada aos apoiadores alegando que “não dá para ir para o tudo ou nada”. Para finalizar a semana, o dia 11 de setembro foi tomado pela onipresente retrospectiva dos 20 anos dos ataques terroristas de 2001 nos Estados Unidos.

Após toda a confusão ocorrida na semana mais tensa do ano, no domingo, 12 de setembro, o Brasil retoma o caminho do velho normal, que de tranquilo não tem nada. Toda a instabilidade política e as ameaças à democracia, além de enfraquecer a retomada da economia e o crescimento do emprego, fez a inflação apresentar elevada taxa (0,87%) em agosto, a maior dos últimos 20 anos (desde 11/09 de 2001). A seca tem provocado queimadas em todo o país e as crises hídrica e energética devem dominar o cenário nacional não só no restante do ano de 2021, mas em todo o ano de 2022. O quadriênio de 2019 a 2022 deve ser marcado pela redução da renda per capita brasileira, com aumento da pobreza e da fome.

A semana de 12 a 18 de setembro será marcada pela retomada da CPI da covid-19, que no começo tinha o objetivo de investigar os motivos pelos quais o governo federal assumiu uma postura negacionista diante da pandemia, defendendo medicamentos ineficazes contra o novo coronavírus. Mas, posteriormente, constatou a existência de irregularidades dentro do Ministério da Saúde, envolvendo altas autoridades do governo. A CPI da Pandemia retomará os trabalhos com 386 requerimentos prontos para entrar na pauta. São pedidos de convocações, quebras de sigilos, informações e audiências públicas que devem orientar a atuação do colegiado até o dia 5 de novembro, prazo final da comissão de inquérito.

Por fim e não menos importante, o Brasil terá que se preocupar com a difusão de novas cepas do novo coronavírus, como as variantes delta, mu e lambda. As duas últimas foram identificadas primeiro na América Latina. A variante delta, detectada inicialmente na Índia, ainda é a mais preocupante. Ela tem atingido populações não vacinadas e já comprovou ser capaz de infectar uma parcela maior de pessoas vacinadas do que as variantes predecessoras. A OMS classifica a delta como variante de preocupação. Ela é capaz de aumentar a transmissibilidade da covid-19, provocando doenças mais graves ou reduzindo a imunidade das vacinas e dos tratamentos. Mas independentemente de qualquer mudança, o montante de 600 mil vidas perdidas para a covid-19 deverá ser alcançado na primeira quinzena de outubro de 2021.

O Brasil conseguiu vencer uma semana atribulada. Mas vai precisar de muito mais força e ainda maior determinação para enfrentar os enormes desafios que se descortinam pela frente. O futuro é incerto, mas exatamente por mesmo motivo é necessário se manter firme em torno dos princípios da democracia, do bem-estar e da justiça para toda a população brasileira.

Frase do dia 12 de setembro de 2021

 “A humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum”

Edgar Morin (1921 – )

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile