A realidade da vacinação em um país desigual

Em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, um dos piores IDHs do país, cobertura vacinal total ficou abaixo de 20%

Por Elizabeth Oliveira | ODS 3 • Publicada em 31 de outubro de 2021 - 11:39 • Atualizada em 22 de dezembro de 2021 - 14:12

Os três filhos menores do pescador Gilciney Lopes Gomes, de camisa branca, morador de Caxias, Rio de janeiro, não completaram o programa de imunização e estão com doses atrasadas. Foto Marco Antonio Rezende/Colabora.

Os três filhos menores do pescador Gilciney Lopes Gomes, de camisa branca, morador de Caxias, Rio de janeiro, não completaram o programa de imunização e estão com doses atrasadas. Foto Marco Antonio Rezende/Colabora.

Em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, um dos piores IDHs do país, cobertura vacinal total ficou abaixo de 20%

Por Elizabeth Oliveira | ODS 3 • Publicada em 31 de outubro de 2021 - 11:39 • Atualizada em 22 de dezembro de 2021 - 14:12

A jornalista Elisa Torres conta que precisava atualizar algumas vacinas do filho Miguel Torres Farias, 12 anos, que ficaram em atraso devido às restrições impostas pela pandemia entre 2020 e 2021. Durante a campanha de multivacinação, o adolescente foi levado a um posto de saúde no bairro da Tijuca, zona norte do Rio, onde conseguiu atualizar a caderneta com vacinas contra tétano e HPV. “Agora está tudo certo. A minha mãe era assistente social e eu cresci indo ao posto, participando de todas as campanhas. Acho muito importante”, afirma.

Ela relata que buscou divulgar, o máximo possível, a importância desta campanha campanha de vacinação como um período de atenção especial à prevenção de outras doenças transmissíveis, depois do enfrentamento do cenário mais grave da pandemia, quando as pessoas se recolheram em casa e ficaram muito assustadas. “A gente também evitou e foi deixando um pouco de lado as outras vacinas já que a prioridade nos postos era para a vacina da covid-19,” comenta.

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Passado o período em que avançou mais a vacinação contra covid-19 para idosos, grupos prioritários, adolescentes e jovens, Elisa considera que é fundamental as famílias tentarem dar atenção especial às vacinas que estão pendentes. “O meu conselho é para que vão aos postos de saúde para atualizar as cadernetas. Eu fiz isso com o meu filho”, reitera a jornalista. Ela ainda destacou o risco de retorno de doenças erradicadas, lembrando sobre o exemplo do registro de sarampo que, em 2020, provocou a morte de uma criança, no Rio de Janeiro, depois de duas décadas de controle.

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Um território onde tudo falta

Morador de Capivari, em Duque de Caxias, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o pescador Gilciney Lopes tem enfrentado dificuldades para atualizar a caderneta de vacinação dos três filhos de 9, 8 e 5 anos. Ele conta que a ida até o posto de saúde mais próximo exige deslocamento de ônibus e que com a oferta precária de transporte coletivo, a espera nessa localidade pode levar até duas horas. Essa limitação, somada às dificuldades da luta diária pela sobrevivência familiar e à pandemia, tem contribuído para que as principais vacinas das crianças estejam atrasadas, segundo relata.

O pescador Gilciney Lopes Gomes, de camisa branca, morador de Caxias, Rio de janeiro, observa as filhas Camila Vitoria Dantas, 9 anos e Emanuela Dantas Gomes, 5 que estão com as vacinas atrasadas. Foto Marco Antonio Rezende/Colabora

“Não temos serviços de saúde, água, saneamento ou asfalto nas ruas. Se uma criança ficar doente, a gente tem que buscar socorro no Hospital Infantil, no Centro de Caxias, ou no posto de saúde mais próximo, em Saracuruna. Mas nada é perto e depender de ônibus é terrível por aqui. A espera no ponto pode levar até duas horas se a gente perder uma condução que acabou de passar. É tudo precário. Vivemos da falta de tudo, sem amparo do poder público”, afirma sobre a realidade da localidade onde vive há cerca de 15 anos.

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Não temos serviços de saúde, água, saneamento ou asfalto nas ruas. É tudo precário. Vivemos da falta de tudo, sem amparo do poder público

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Mesmo sem infraestrutura adequada na área periférica onde vive, como presidente da Colônia de Pesca de Duque de Caxias, o pescador tem liderado inúmeros movimentos pela proteção dos rios e manguezais que, no passado, garantiam a sobrevivência da pesca para ele e outras famílias locais. Nos últimos anos, a degradação desses ambientes, causada pela poluição industrial e pelo despejo de esgoto doméstico não tratado, dentre outros resíduos urbanos, fez desaparecer peixes e crustáceos nesse trecho da Baía de Guanabara.

Além de lutar na Justiça por reparação de danos causados por empresas que atuam na região, Lopes percorre diariamente o entorno poluído, com seu barco, em busca de materiais recicláveis para vender e garantir o sustento da família. Nessa busca cotidiana pela sobrevivência, ele reitera que faltam tempo, energia física e condições financeiras para cuidar mais da saúde da família e da sua também.

Duque de Caxias é um município de inúmeras contradições sobre a vacinação. Embora seja sede de um polo petroquímico que conta com grandes empreendimentos industriais, dentre os quais uma refinaria da Petrobras, além de ocupar a posição 1.574 no ranking nacional com IDH municipal de 0,711 (índice alto), é habitado por famílias como a de Gilciney Lopes que enfrentam inúmeras dificuldades por demandas coletivas negligenciadas pelo poder público. Em 2020, a cidade alcançou somente 19,46% de cobertura vacinal total (incluindo nessa contabilidade, vacinas importantes para a infância como poliomielite, 23,73%, e 30,02% para a tríplice viral, primeira dose). Em 2019, a cobertura vacinal total tinha alcançado 74,34% (com 93,56% para poliomielite e 120,33% para a tríplice viral, primeira dose).

(*) Esta reportagem só foi possível graças ao projeto “Primeira Infância é Prioridade” da ANDI/Rede Nacional Primeira Infância em parceria com a Petrobras.

Elizabeth Oliveira

Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.

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