Terra Indígena dos Munduruku no Pará é reconhecida após 17 anos de luta

Lideranças comemoraram publicação pelo Ministério da Justiça da portaria declaratória da Terra Indígena Sawré Muybu, na região do médio Tapajós

Por Amazônia Real | ODS 16 • Publicada em 30 de setembro de 2024 - 10:16 • Atualizada em 2 de outubro de 2024 - 09:41

Indígenas Munduruku fazem ação de autodemarcação em seu território no Pará: reconhecimento pelo Ministério da Justiça após 17 anos de luta (Foto: Bárbara Dias / Cimi – 31/07/2018)

(Eliaíze Frias*) – Depois de 17 anos de espera, o Ministério da Justiça publicou a portaria declaratória da Terra Indígena Sawré Muybu, na região do médio Tapajós, no Pará. Reivindicação antiga, o território teve sua posse confirmada às comunidades Munduruku, com extensão de mais de 178,1 mil hectares entre os municípios de Itaituba e Trairão. “Nós Munduruku estamos muito felizes com essa vitória que tivemos. É uma informação que vamos levar pro território, pra juventude, pros adolescentes. Estão esperando a nossa chegada. Vai ser uma emoção muito grande na aldeia pelo tanto que a gente tem lutado”, afirmou o cacique Juarez Munduruku.

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A portaria de demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu foi assinada na quarta-feira (25/09) pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em solenidade, em Brasília, que contou com a presença do cacique Juarez Munduruku, que há vários anos alerta para a demora do reconhecimento territorial e os riscos de avanço de garimpo e desmatamento e outras lideranças dos Munduruku.

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O texto da Portaria 779/2024 declara a “posse permanente do Povo Indígena Munduruku a Terra Indígena Sawré Muybu, localizada nos Municípios de Itaituba e Trairão, Estado do Pará, com superfície aproximada de 178.173 hectares e perímetro também aproximado de 232 km (duzentos e trinta e dois quilômetros)” . Agora, a etapa seguinte é a homologação, que deve ser assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda não há data para isto acontecer.

Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, o cacique Juarez Munduruku – liderança histórica e principal porta-voz do território que, na luta pela demarcação, há anos participa de mobilizações no Brasil e em foruns internacionais – relatou a felicidade que sentia depois de tantas lutas e sofrimentos pelos quais passou, junto com outros guerreiros de seu povo. O cacique também descreveu o sentimento de tristeza, nesse momento histórico, pela ausência de lideranças que lutaram ao seu lado durante todos esses anos. Ele disse que disse que a demarcação é uma conquista coletiva, que contou com muitos apoios de indígenas do Alto Tapajós e aliados não indígenas.

“Depois de tanto tempo, estou muito feliz. Fiquei tão feliz que não tinha voz para falar. Mas um lado da minha parte se sentia triste. Porque a gente não viu guerreiros que estavam na luta desde o início na resistência conosco. Na hora da assinatura da portaria foi muito emocionante para mim por conta disso. Mas eles continuam com a gente em espírito, nos dando força. Mesmo não estando presente”.

Uma das ausências mais marcantes foi do cacique Suberalino, da aldeia Sawré Juybu, morto em 2021 em uma colisão de rabeta (botes) no rio Tapajós. “A gente sentiu muito a falta dessas pessoas que deixaram a gente. O cacique nos deixou e não viu a demarcação. Isso me deixou muito triste na hora em que o ministro assinou a portaria”.

O cacique Juarez agora aguarda o “terceiro passo” da demarcação, que é a homologação. “Espero que não seja demorada a homologação. Acredito que isso aconteça ainda no governo Lula. Tenho esperança”.

Mesmo com a conquista, ele não esqueceu da ameaças das atividades ilegais dentro de seu território, como é o caso do garimpo. Segundo Juarez, a notícia da demarcação vai causar revolta entre pessoas que exploram ouro dentro e nas proximidades da terra indígena e por isso ele continuará vigilante.

“A gente tem que ter muito cuidado, não temos segurança alguma. Nós estamos alegres, e as pessoas que trabalham com essas atividades estão com raiva, revoltadas”.

Nesta quinta-feira, Juarez se prepara para voltar ao seu território e anunciar a boa notícia ao seu povo. “Nós Munduruku estamos muito felizes com essa vitória que tivemos. É uma informação que vamos levar pro território, pra juventude, pros adolescentes. Estão esperando a nossa chegada. Vai ser uma emoção muito grande na aldeia pelo tanto que a gente tem lutado”.

À Amazônia Real, a liderança Alessandra Korap Munduruku afirmou que a portaria declaratória é resultado de uma luta de muitos anos. “A gente conhece nosso território. O povo conhece, os pajés conhecem. O que estava faltando era apenas a caneta da portaria. Isso é muito importante. O desafio não é fácil. Tem que persistir bastante. Agora é esperar que o Lula homologue o território”.

Alessandra afirmou que tem a sensação de dever cumprido e que divide o sentimento com lideranças, caciques e mulheres e com os que já se foram e não estão mais aqui para comemorar a assinatura.

“Fazia 17 anos que o povo já brigava. Fizemos a autodemarcação. Isso com todos os projetos [econômicos] que estavam sendo feitos em nosso território, para o nosso povo, para nossas cabeças, nossos rios. A gente estava no embate para brigar, para defender o território”, afirmou.

No governo Dilma Rousseff (PT), a TI Sawré Muybu corria risco de ser inundada pelas obras do Complexo de Hidrelétricas no rio Tapajós. Diante da grave ameaça e a resistência do então governo petista para demarcar, os Munduruku iniciaram em 2014 uma ação pioneira e emblemática, que foi a autodemarcação, com instalação de placas de identificação nos limites de seu território reconhecidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Além de ser um ato político, a ação tornou-se representativa da resistência dos povos indígenas. Ela foi realizada em diferentes etapas nos anos seguintes e chamou atenção do Brasil e do mundo. Também inspirou ações semelhantes em outros territórios indígenas do país que ainda não estão demarcados.

O cacique Juarez Munduruku (de cocar azul) e outras lideranças exibem o decreto de reconhecimento em solenidade no Ministério da Justiça: preocupação com ameaças ao território (Foto: Tiago Miotto / Cimi - 25/09/2024)
O cacique Juarez Munduruku (de cocar azul) e outras lideranças exibem o decreto de reconhecimento em solenidade no Ministério da Justiça: preocupação com ameaças ao território (Foto: Tiago Miotto / Cimi – 25/09/2024)

Com a demora da demarcação, Sawré Muybu presenciou também um avanço intenso de exploração de garimpo e desmatamento. A terra indígena passou a sofrer uma nova ameaça, com o projeto do Ferrogrão, empreendimento de grande impacto social e ambiental do governo federal para facilitar o transporte e exportação de grãos. O projeto afeta várias áreas florestais protegidas, assentamentos e terras indígenas, entre elas as do povo Munduruku.

Segundo o cacique Juarez Munduruku, o Ferrogrão fica a cerca de 10km dos limites de Sawré Muybu e representa ameaça ao futuro do território indígena. 30“O Ferrogrão é um empreendimento do governo que traz preocupação para nós. Mas a gente não pode baixar a cabeça e nem parar de lutar. A gente continua lutando contra esses empreendimentos. Se acontecer o impacto vai causar muitos problemas”, alerta Juarez Munduruku.

Em 2016, a Funai publicou no Diário Oficial da União os estudos de identificação e delimitação de quatro terras indígenas, reconhecendo a ocupação tradicional dos povos que vivem nas áreas. Entre elas, estava Sawré Muybu. Foram necessários mais sete anos para o governo federal assinar a etapa seguinte do processo de demarcação.

Em 2017, quando a terra indígena estava sob ameaça das obras de hidrelétricas, a Amazônia Real publicou reportagem sobre a luta dos Munduruku de Sawré Muybu. Na época, quando a reportagem esteve na aldeia, o cacique Juarez vivia sob intensa pressão e apreensão com o futuro de seu território.

“A gente pede que o governo homologue logo essa terra o mais rápido possível. Os invasores continuam entrando, garimpeiros e madeireiros. Eu não posso fazer mais nada. Eles nos ameaçam”, alertou Juarez Munduruku, em 2017.

No mesmo ano, a Amazônia Real produziu o mini doc “Pés de Anta”, que relata a luta de um coletivo audiovisual de mulheres Munduruku que acompanhou e lutou com os guerreiros nas ações de autodemarcação.

*Elaíze Farias, jornalista, é cofundadora e editora de conteúdo da Amazônia Real

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