O copo meio cheio e meio vazio da eleição

Indígena Kambeba mostra o título de leitor da janela de casa, à beira do Rio Negro, no Amazonas. Foto Michael Dantas/AFP

Votação de domingo apresenta resultados previsíveis, demonstrações de força e surpresas, permitindo visões otimistas e pessimistas, a gosto do eleitor

Por Aydano André Motta | ODS 16 • Publicada em 4 de outubro de 2022 - 19:59 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 09:15

Indígena Kambeba mostra o título de leitor da janela de casa, à beira do Rio Negro, no Amazonas. Foto Michael Dantas/AFP

O Brasil pós-primeiro turno da eleição mergulha numa polarização psicológica, oscilando entre a euforia e a depressão. Os eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva sonharam acordados com a vitória em primeiro turno, e caíram das nuvens com a votação de Bolsonaro além do que previam as pesquisas. O pessoal da camisa da seleção tomou um susto com o petista pertinho do “metade mais um” necessário para encerrar a disputa na primeira metade.

Leu essa? Medo é o primeiro vencedor da eleição de 2022

De outro lado, os seguidores do ex-presidente materializaram votação recorde e cristalizaram o Nordeste como a nação vermelha. Os bolsonaristas ganharam o governo de dois estados importantes – Minas Gerais e Rio de Janeiro – e surpreenderam com viradas em São Paulo e Rio Grande do Sul. A Câmara terá, pela primeira vez, deputadas trans e importantes líderes indígenas – mas o conservador PL conquistou a maior bancada no Senado.

Assim, o copo cívico está meio cheio – e meio vazio. Aqui, cinco itens para cada lado, na perspectiva do que defende e deseja o #Colabora.

O copo meio cheio:

Lula bate recorde

Lula sorri e exibe o comprovante de votação: popularidade. Foto Rovena Rosa/Agência Brasil
Lula sorri e exibe o comprovante de votação: popularidade. Foto Rovena Rosa/Agência Brasil

Pela primeira vez, o candidato de oposição termina o primeiro turno com mais votos do que o postulante à reeleição. Os 57.259.504 eleitores que afundaram o dedo no 13 ratificam Lula como o maior líder popular da história brasileira. Além disso, o percentual – 48,4% – deixa o ex-presidente muito próximo de chegar pela terceira vez ao Planalto.

Trans federais

Erika Hilton e Duda Salabert (à direita): transexuais chegam ao Congresso. Reprodução

Pela primeira vez, o Congresso Nacional terá duas parlamentares transexuais. Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG) conquistaram suas vagas, ampliando o sucesso da eleição de 2020, quando se tornaram vereadoras em São Paulo e Belo Horizonte, respectivamente. Apesar dos inúmeros pesares, a diversidade caminha no Brasil.

Milhão de votos para o líder sem teto

Guilherme Boulos (PSOL) em campanha: liderança para o futuro da esquerda. Foto Ettore Chiereguini/AGIF/AFP

Nome mais conhecido do Movimento dos Sem Teto, Guilherme Boulos elegeu-se deputado federal pelo PSOL com o apoio de 1.001.453, a maior votação de São Paulo. Ele só não foi o maior do Brasil, por causa do fenômeno bolsonarista Nikolas Ferreira, em Minas – mas sai da eleição como a grande liderança progressista do país no pós-Lula.

A bancada do cocar. E a volta de Marina Silva

Sônia Guajajara (à esquerda) e Célia Xakriabá: luta indígena no Legislativo. Reprodução

Sônia Guajajara (escolhida pela Times uma das personalidades mais influentes do mundo) e Celia Xakriabá estarão na Câmara dos Deputados pelos próximos quatro anos, respectivamente por São Paulo e Minas Gerais. São as primeiras parlamentares indígenas dos dois estados. A luta ambiental terá reforço luxuoso a partir de 2023 – Marina Silva, a ex-ministra do Meio Ambiente, ex-senadora e ex-candidata a presidente, também conquistou uma vaga de deputada.

Depois do medo, o sossego para votar

Fila de votação em frente à Rocinha, no Rio: dia tranquilo, com seções eleitorais lotadas mas em convivência pacífica. Foto André Borges/AFP

O ambiente de medo e violência criado pelos bolsonaristas ao longo da campanha se esvaneceu no domingo do voto. Não houve registro de ocorrências nem tumultos nas zonas eleitorais, que foram ocupadas em paz por cidadãos de vermelho e amarelo, embrulhados em toalhas e bandeiras. As filas foram imensas na maior parte das cidades, e a abstenção foi a maior desde 1998.

O copo meio vazio:

Bolsonarismo sobrevive

Bolsonaro na entrevista depois da votação, em Brasília: prova de força e resiliência. Foto Evaristo Sá/AFP

A votação de Bolsonaro acima do estimado nas pesquisas e a eleição de governadores em Minas Gerais e Rio de Janeiro e de senadores em São Paulo, Rio, Distrito Federal e Rio Grande do Sul atestam que a ultradireita não foi uma tempestade de verão. Ao contrário, está viva e forte, ameaçando a democracia e o meio ambiente.

Senado conservador

Os eleitos pelo PL: conservadorismo, fisiologismo e alguma fidelidade a Bolsonaro. Fotos de divulgação

Partido de Bolsonaro, o PL elegeu oito senadores e ocupará 15 das 81 cadeiras da Casa, transformando-se na maior bancada. A renovação de um terço da casa ampliou o perfil conservador, sinalizando relação difícil com o Executivo, caso Lula confirme o favoritismo no segundo turno presidencial.

Desmatador vota em Bolsonaro

Arco do Desmatamento no mapa da votação pelo Brasil: apoio ao capitão. Reprodução do Twitter

O mapa eleitoral é muito claro: a área conhecida como Arco do Desmatamento votou com força em Bolsonaro. A extensa região onde os biomas são destruídos pelo garimpo ilegal, a monocultura agrícola e a pecuária avalizou a desastrosa política ambiental do atual governo.

Mais policiais no Congresso

Um festival de coronel fulano delegado sicrano, tenente beltrano ampliou a bancada da segurança na Câmara. Militares (incluindo o surrealista General “logística” Pazuello, o ex-ministro da Saúde, eleito no Rio) e policiais cresceram 21,4%, segundo as contas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Eram 28, agora são 34 – 16 deles, do PL bolsonarista.

Governador das chacinas ganha de lavada

Claudio Castro: consagração no Rio de Janeiro. Foto Mauro Pimentel/AFP

Desconhecido cantor gospel, vereador inexpressivo e vice de Wilson “tiro na cabecinha” Witzel, o breve, Claudio Castro foi reeleito governador do Rio no primeiro turno. Aval da maioria dos fluminenses ao fisiologismo e à violência como política de segurança. Sob comando do vencedor, aconteceram três das cinco chacinas mais numerosas produzidas por homens da lei, no Jacarezinho (28 mortos), na Vila Cruzeiro (24) e no Alemão (18).

Aydano André Motta

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!

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