Cresci vendo a internet se tornar o que é hoje. De lan houses a smartphones que cabem no bolso, testemunhei a revolução digital correr solta a partir das vielas. Naquele instante, como muitos da periferia de uma geração a qual pertenço, encontrei nas redes sociais um espaço de voz e conexão. Mas, nos últimos tempos, o que era ponte virou trincheira. A recente decisão da Meta de acabar com a checagem de fatos ressoa como mais um baque para quem já lutava e luta contra a correnteza.
Leu essa? Organizações de checagem rebatem Mark Zuckerberg: “Verdade alimenta a liberdade de expressão”
A mudança na Meta (proprietária do Instagram, do Facebbok, e do WhatsApp), que transfere a responsabilidade para “notas da comunidade”, levanta sérias dúvidas sobre a capacidade de combater a desinformação, um problema já grave nesses territórios. A dimensão chega a outras camadas, quando escuto, da cientista da computação Nina da Hora, preocupação. ‘’Ele (Mark Zuckerberg), de fato, coloca tudo o que conseguimos conquistar de 2018 para cá por água abaixo’’, comentou no J10, da GloboNews.
O ato, que mais parece uma estratégia para agradar certos grupos políticos do que uma preocupação genuína com a pluralidade de vozes, se firma como um acordo pra se ter ainda mais poder. Mas não é de hoje que isso é dado: foi o geógrafo negro Milton Santos quem já havia previsto o poder das redes sociais, como a Meta, ainda em 1996.
Receba as colunas de Edu Carvalho no seu e-mail
Veja o que já enviamosO filósofo argumentava que as corporações que controlassem as tecnologias da informação seriam extremamente poderosas e influentes, capazes de direcionar as percepções e decisões das pessoas. Quase três décadas após, a Meta – que também agora poderia ser chamada de Minta -, com seu vasto alcance e controle sobre dados, exemplifica esse poder. As mudanças estabelecidas por Mark Zuckerberg, que enfraquecem a moderação de conteúdo, abrem espaço para que essa influência seja usada de maneira irresponsável.
Volto ao passado. Criança, mas já atuante, lembro das rodas de conversa, de como ‘’os meus’’ começavam a se conectar no Facebook e, mais tarde, no WhatsApp. Do tiroteio das notícias que rolavam de boca em boca e que agora miravam o ambiente ‘novo’ e integrador. E de como o jornalismo local, aquele que saia direto dos becos, tinha como ideal integrar, fazer interagir e ser uma espécie de bloqueio para o que era mentira a quem não tinha acesso aos jornais. Justamente onde teorias conspiratórias e a desinformação multiplicam-se aos montes, com consequências sempre devastadoras.
Essa espécie de instrumento de defesa, o jornalismo local, será ainda mais prejudicado. ‘’Seguiremos contando histórias que humanizam, desmentindo fake news e usando as ferramentas que ainda temos para informar quem precisa. Mas é impossível não sentir que estamos sendo empurrados para lutar em um campo ainda mais inclinado contra nós’’, comentou Michel Silva em um texto publicado no Fala Roça.
As redes sociais chegaram até nós com a promessa de um mundo mais justo, e o que temos hoje é o sonho sequestrado por interesses econômicos e políticos. “Dar voz às pessoas” passou a ser sinônimo de desinformação. Liberdade de expressão vigora sem responsabilidade.
O que está em jogo é a continuidade da confusão e do caos, e a gente já sabe quem pagará o preço mais alto por isso. Temos chance de lutar?