Racismo e exclusão por CEP são preconceitos que andam de mãos dadas no mundo todo, e não apenas no Brasil. Os faveladas da França, aqueles com arquétipo de banlieusard – como são chamados os imigrantes africanos e mais, recentemente, os sírios, que vivem nos banlieues, os subúrbios de Paris, especialmente o distrito de Seine Saint-Demis, também conhecido como 93 –, sofrem do mesmo problema. Com um agravante: se soma a cor da pele e ao endereço, a antipatia em relação à religião. No rol das discriminações, entram falas, comportamentos e atitudes contra árabes e muçulmanos.
Leu essa? Da Índia aos EUA, as desigualdades de renda entre os países do G20
Seja no Brasil, na França ou na Suécia (sim, em Estocolmo tem favela, ainda que com características diferentes) … não importa a localização no mapa mundi: é abissal a distância que separa os líderes mundiais das populações periféricas, o que impõe uma mudança urgente na governança global. Todos os anos, quando os líderes mundiais se reúnem para discutir desigualdade, racismo e direitos humanos no G20, os mais impactados por esses temas não estão presentes e nunca são ouvidos. Este ano, vai ser diferente. Os líderes globais receberão um documento com as demandas das pessoas pretas e periféricas do mundo todo.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos“Se os problemas são globais, as soluções também devem ser”, costuma defender Celso Athayde, criador da Central Única das Favelas (Cufa) e um dos idealizadores do G20 Favelas. Junto com a Frente Nacional Antirracista (FNA) e a Frente Parlamentar em Defesa das Favelas, a Cufa criou o IFC20, na tradução para o inglês International Favela´s Conferences 20. A iniciativa ganhou o endosso da Unesco. Os encontros ocorreram durante o ano todo em favelas de 26 estados brasileiros, mais o Distrito Federal. Além de reuniões em outras regiões do mundo, como Américas, África e Europa. Tudo começou no Complexo da Penha, que norteou todos os outros encontros em favelas daqui e lá de fora.
“Aqui no Brasil, os favelados estão discutindo os problemas e as soluções e os encontros ocorreram em comunidades ribeirinhas, quilombolas, indígenas, além de terreiros de candomblé, igrejas evangélicas”, conta Letícia Gabriela, coordenadora nacional do G20 Favelas, comentando sobre a enorme diversidade retratada nas conferências estaduais. “Essa é uma chance de transformar a realidade e mostrar que nossas vozes são fundamentais para o futuro das políticas globais. Juntos, podemos fazer a diferença e garantir que as nossas necessidades sejam ouvidas e atendidas”.
No último sábado, dia 24 de agosto, ocorreram pouco mais do que duas dezenas conferências estaduais do G20 Favelas. As soluções apresentadas no encontro serão discutidas num evento nacional, que acontecerá no Fórum Mundial das Favelas, em outubro, e as propostas mais destacadas serão apresentadas aos líderes do G20, juntamente com as demandas das favelas do exterior. Uma das propostas que saiu do encontro do G20 Favelas, no último sábado, foi criação do F30, um conjunto de contribuições para a agenda climática de 2025. É sabido que os mais afetados pela crise do clima são as comunidades mais vulneráveis como a população periférica, os povos indígenas, as comunidades de baixa renda, mulheres e países em desenvolvimento. O tema da justiça climática vai engrossar a pauta das soluções que será apresentada pelo G20 Favelas.
A sinalização de que o G20 de 2024 seria totalmente diferente dos anteriores foi dada em Nova Délhi, na Índia, quando Lula assumiu a presidência do bloco e anunciou a criação da Cúpula do G20 Social – uma indicação clara de que a sociedade civil é parte fundamental no processo de construção das políticas públicas. O objetivo é ampliar a participação de atores não-governamentais nas atividades e nos processos decisórios do G20.
Perifa é potência
“A perifa é um território de serviço”, resume Karina Tavares, diretora da Cufa Global e da Expo Favela Innovation Paris – a primeira edição do encontro no Exterior, que será realizada este ano, em outubro próximo. Ou, como costuma dizer o Celso Athayde: “favela é potência”. Karina coordenou os encontros das favelas em Paris, que ocorreram, em junho último, na School Lab – uma incubadora de starups. Participaram do encontro cerca de 50 pessoas.
Karina, que foi morar em Paris para estudar Sociologia, na Sorbonne, está à frente da Cufa Paris desde 2006. Ela esteve em Estocolmo onde se reuniu com moradores de periferia. “Ninguém imagina que tenha favela lá, mas tem”, conta, comentando que os imigrantes são recém-chegados, enquanto em outros países, como na França, já estão na terceira geração. Ela endossa uma análise que costuma ser feita por Athayde: “As favelas existem em razão das anomalias sociais”.
No caso brasileiro, essa potência se traduz em 148 milhões de pessoas, que vivem espalhadas por 11,4 mil favelas e movimentam R$ 200 milhões, segundo o último levantamento do Data Favela, um instituto de pesquisa criado pela Cufa. Desde que foi criada, a Cufa vem trabalhando para ressignificar o nome favela. Em 2023, conseguiu um duplo feito. Juntou o Data Favela com ao IBGE, que passou a contar com a ajuda da instituição para levantar dados para o Censo nas favelas. E, paralelamente, influenciou para uma mudança no vocabulário do IBGE: que passou a usar favela no seu levantamento estatístico e não mais “aglomeração subnormal”.
O G20 Favelas está centrando as discussões nos eixos definidos pelo próprio G20: redução das desigualdades, com foco em fome e pobreza, direitos humanos, raça e gênero, e sustentabilidade e desafios globais enfrentados pelas favelas e periferias. Como as favelas têm demandas específicas, a lista de temas foi ampliada, passando a incluir discriminação, intolerância religiosa, saneamento básico e combate ao racismo.