Desmatamento, covid e letalidade policial: o Brasil mal na foto dos direitos humanos

Bolsonaro sobre o número crescente de mortos no Brasil: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Arte Claudio Duarte

Relatório da Human Rights Watch acusa Bolsonaro de sabotar combate à pandemia, aponta aumento de pressão internacional devido a Amazônia e critica mortes pela polícia

Por Liana Melo | ODS 16 • Publicada em 13 de janeiro de 2021 - 14:36 • Atualizada em 18 de janeiro de 2021 - 11:29

Bolsonaro sobre o número crescente de mortos no Brasil: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Arte Claudio Duarte

A insistência em enfraquecer a fiscalização ambiental, dando “sinal verde às redes criminosas” envolvidas no desmatamento ilegal na Amazônia, vai expor o presidente Jair Bolsonaro a um aumento da pressão política que virá de Washington após a posse do novo presidente americano, Joe Biden. É que “Bolsonaro perdeu seu amiguinho na Casa Branca”, ironizou Kenneth Roth, diretor executivo da organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch, ao comentar a 31ª edição do Relatório Mundial 2021 da entidade, lançado nesta quarta, 13 de janeiro.

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Bolsonaro pode esperar uma hostilidade grande de Washington, por ser identificado como aliado político de Trump

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“Bolsonaro pode esperar uma hostilidade grande de Washington, por ser identificado como aliado político de Trump”, acrescentou Roth, antecipando que prevê “dias difíceis para Bolsonaro com Biden”. A relação com os países da União Europeia também não será fácil. Em conversa com o presidente francês, Roth ouviu de Emmanuel Macron que é “zero” a chance do acordo União Europeia e Mercosul sair do papel, enquanto o desmatamento não for contido na Amazônia.

O relatório chama a atenção para a insistência de Bolsonaro, nestes dois primeiros anos do seu governo, em acusar “sem qualquer prova” indígenas e ONGs de serem responsáveis ​​pela destruição da floresta. Os jornalistas também foram alvos de ataques do governo.

O calhamaço de 761 páginas (na versão em inglês) analisa a situação dos direitos humanos em mais de 100 países. O capítulo sobre o Brasil enumera as ações do governo para “sabotar” medidas contra a disseminação da Covid-19 no Brasil e lista o conjunto de políticas que comprometeu os direitos humanos no país, o que levou o governo a ser confrontado pelas instituições democráticas. Ao longo da pandemia, comentou a diretora adjunta da HRW no Brasil, Anna Lívia Arida, a vida e a saúde dos brasileiros foi exposta a “grandes riscos”.

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Supremo Tribunal Federal e outras instituições se empenharam para proteger os brasileiros e para barrar muitas, embora não todas, as políticas anti-direitos de Bolsonaro

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A situação só não foi ainda mais dramática porque o “Supremo Tribunal Federal e outras instituições se empenharam para proteger os brasileiros e para barrar muitas, embora não todas, as políticas anti-direitos de Bolsonaro”. O  STF decidiu contra as tentativas do governo Bolsonaro de retirar dos estados a competência de restringir a circulação de pessoas para conter a propagação da Covid-19; de, na prática, suspender a lei de acesso à informação; e de deixar de publicar dados completos sobre a Covid-19.

Ainda que o Congresso tenha aprovado um projeto de lei obrigando o governo a fornecer cuidados de saúde emergenciais para os povos indígenas, e o STF tenha ordenado que o governo Bolsonaro elaborasse um plano para combater a disseminação da Covid-19 para povos indígenas, até agora o documento não foi aprovado. As duas versões apresentadas foram consideradas genéricas demais, chamou a atenção Roth, comentando que ainda não foram apresentadas medidas efetivas para proteger a população indígena.

Manifestação contra violência policial no Rio de Janeiro, em 31 de maio de 2020: relatório da Human Rights Watch denuncia brutalidade da polícia brasileira (Foto: Mauro Pimentel/AFP)
Manifestação contra violência policial no Rio de Janeiro, em 31 de maio de 2020: relatório da Human Rights Watch denuncia brutalidade da polícia brasileira (Foto: Mauro Pimentel/AFP)

Nos próximos dias, o relatório será entregue aos governos dos países. No caso brasileiro, o procedimento foi adotado no ano passado, mas as conversas com o então ministro da Justiça Sérgio Moro e com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram consideradas improdutivas.

A violência policial recebeu destaque no relatório. As mortes violentas aumentaram 13,3%, o que coloca o país entre aqueles que protagonizam as maiores taxas de mortes pela polícia no mundo. O estado líder da letalidade policial é o Rio de Janeiro, onde a violência policial aumentou 30%. São Paulo ficou em quarto lugar, com um aumento 21%.  A polícia matou 6.357 pessoas, sendo 80% delas negras. O relatório chama a atenção para o fato de as mortes causadas por policiais terem aumentado 6% no primeiro semestre de 2020. “É uma estratégia falida”, comentou Cesar Munhoz, pesquisador sênior da HRW ao falar sobre o projeto de lei do governo que diminui os poderes dos governadores sobre o comando das Polícias Militares.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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