Primeiro documentário totalmente brasileiro indicado ao Oscar (os outros três, “Raoni”, “Lixo extraordinário” e “O sal da terra”, são coproduções com outros países), “Democracia em vertigem” detalha a odisseia que começa com o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, passa pela prisão de Luiz Inácio Lula da Silva e termina na eleição de Jair Bolsonaro como presidente. Petra Costa, diretora, narradora e, de certa forma, protagonista, lidera produção ousada – disponível na Netflix -, realizada com o processo ainda sem o desfecho conhecido hoje. A presença do filme na maior premiação da indústria cinematográfica comprova, mais uma vez, que o Brasil está no centro dos acontecimentos mundiais da atualidade. E está longe de ser uma boa notícia.
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Veja o que já enviamosAqui, uma lista de motivos para se assistir a “Democracia em vertigem”, que explica a escolha da Academia.
1. A melancolia. Narrado pela própria diretora, sustenta um tom melancólico que começa pela voz dela e contamina toda a trilha sonora. É um lamento pelo país que se desmancha na falta de respeito à sua jovem democracia.
2. A indignação. Petra não faz por menos: denuncia sem meias palavras que a democracia brasileira está correndo (muito) risco, com a cumplicidade de uma parcela da sociedade.
3. As coisas no seu lugar. Sem medo de ter lado, o filme põe Lula no seu devido lugar histórico. Cita os números do governo petista e mostra a repercussão planetária do presidente – com direito à lendária cena do americano Barack Obama exaltando a popularidade do brasileiro.
4. As minúcias. A obra narra com detalhes a conspiração parlamentar que construiu o golpe contra Dilma Rousseff. Numa cuidadosa seleção de imagens do noticiário, Eduardo Cunha (o atual presidiário que presidia a Câmara) aparece descartando o impeachment.
5. A Lava Jato. “Democracia em vertigem” não deixa dúvidas sobre o papel político da Lava Jato em todo o processo. Aparece o constrangedor power point do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa dos cruzados de Curitiba, atribuindo tudo a Lula.
6. As críticas. O PT não sai sem arranhões da narrativa. A leniência nos acordos políticos recebe as devidas críticas.
7. Os golpistas. Não há dificuldade para o eleitorado da Academia entender a relevância dos acontecimentos retratados no documentário. Petra reproduz os grampos que mostram a intimidade de figuras como Michel Temer (o vice de Dilma que assumiu o poder pós-golpe) e figuras-chave do seu governo, como Romero Jucá. Estão lá frases que viraram história, como “Tem que manter isso aí” (de Temer) e “Com o Supremo, com tudo” (de Jucá).
8. A intolerância. A obra não dá grande espaço ao presidente Bolsonaro. Registra o início da ascensão do capitão da reserva, que cruzou a vida como deputado desimportante, nas pesquisas para 2018. Mas mostra como ele se transformou em fetiche da parcela intolerante da sociedade brasileira, nos gestos de “arminha” característicos dele, e repetidos nas manifestações pelas ruas.
9. O confronto familiar. A obra descreve a polarização política que invadiu as famílias brasileiras, a partir do clã da diretora/narradora. Seus pais, militantes de esquerda, foram perseguidos na ditadura; os avós estão entre os donos da Andrade Gutierrez, uma das empreiteiras mais tradicionais (em todos os sentidos) do país, e são eleitores empolgados de Bolsonaro.
10. Os donos do poder. As grandes construtoras, aliás, dominam o grande momento do filme: com imagens de um Palácio da Alvorada às escuras, Petra cita uma conversa entre um empreiteiro e um político, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista: “Você por aqui?”, admira-se o homem público. “Estou sempre por aqui. Quem muda são vocês”, responde o empresário. Em seguida, surgem placas de duas obras no palácio. A primeira, do governo Collor -, agradece Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht pela restauração; a segunda, da gestão de Lula, louva as mesmas empresas e várias outras.
11. Protagonista trágico. Ao fim da obra, enquanto Brasília desfila lentamente em imagens panorâmicas, surge a certeza de que o Brasil continua sendo protagonista. Só que agora, de um jeito muito errado.