Linhas do Horizonte, Linhas do Rio, Linhas de Sampa, Linhas da Liberdade. Linhas do Sul, Linhas do Mar, Bordaluta… Elas são muitas e estão por toda parte, formando um grande novelo, de Norte a Sul do País. Marcam presença em atos públicos, manifestações e reuniões que celebram datas importantes e caras à militância de esquerda, como o Dia do Trabalhador e o Dia Internacional da Mulher. São as bordadeiras da resistência. Mulheres que usam os bordados como instrumentos de luta e conscientização política.
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Os grupos são autônomos e suprapartidários, mas todos têm um perfil de esquerda, abraçando igualmente as causas sociais. Em comum, a defesa da democracia, dos direitos humanos, do meio ambiente, a luta por saúde e educação de qualidade e o desejo de um país justo e soberano, com igualdade de oportunidades para todos. Recentemente, em 31 de março, se fizeram presentes nos protestos contra a ditadura militar, no Rio, Belo Horizonte e outras capitais.
Nessas ocasiões, distribuem “panfletos” em forma de pequenos quadrados de tecido, bordados com mensagens de luta, além de fitinhas que denominam “viés ideológico”. Mas os bordados também podem ser grandes, alguns gigantescos, como os painéis de mais de 40 metros utilizados em homenagem às vítimas da Covid-19 em atividades realizadas no Rio, São Paulo e Brasília.
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Veja o que já enviamosLinhas do Horizonte – o começo
“É uma nova forma de fazer política – mais leve, lúdica, que atrai as pessoas e reduz as hostilidades” – acredita a arquiteta e bordadeira Leda Lima Leonel, uma das coordenadoras do grupo que recebeu o sugestivo nome de Linhas do Horizonte. Pioneiro nessa modalidade de luta em todo o Brasil, o coletivo surgiu na capital mineira entre 2016 e 2017, período marcado por grandes tensões políticas. A ideia rapidamente se espalhou e fez surgir dezenas de outros grupos em todo o Brasil.
Leda explica que, à época, num clima nacional de crescente beligerância contra o PT, ela começou a se sentir extremamente incomodada com a forma como a ex-primeira dama Marisa Letícia, vinha sendo achincalhada na mídia e nas redes sociais, vítima de ofensas e fake news.
Inconformada, propôs a outra militante, a advogada Adriana Maria de Assis Rocha Ferreira, fazer um gesto de solidariedade, convidando a Dona Marisa para um café mineiro, ocasião em que entregariam a ela, como presente, uma toalha bordada a várias mãos. Em questão de horas, a proposta ganhou 84 adeptas. Estava criado o Linhas do Horizonte.
O convite não chegou a ser feito, porque dona Marisa adoeceu e veio a falecer. Na sequência, outros eventos ocorreram, atingindo em cheio os militantes de esquerda, como a prisão do então ex-presidente Lula. Quando ele foi solto, propuseram entregar-lhe, pessoalmente, a toalha bordada por muitas mãos, que não pode ser entregue a dona Marisa. Ao receber o presente – relata Leda – Lula comentou: “Vocês têm consciência de que inventaram uma nova forma de fazer política?”
A intenção do grupo sempre foi a de usar os bordados como instrumento de ação e conscientização. “Embora algumas mulheres bordem maravilhosamente, o grupo é aberto a qualquer pessoa, mesmo que não saiba dar um ponto”, explica. “O bordado virtuoso não é o nosso objetivo, mas a ação política”. Alguns integrantes participam apenas ajudando a militância nas ruas, distribuindo fitinhas e quadrados, não necessariamente bordando.
Reconhecimento internacional
Em seis anos de existência, o coletivo mineiro participou de inúmeras atividades, como o Fórum Social Mundial, em Salvador, em 2018, a marcha de apoio à causa indígena, em 2019, e a romaria “Mártires da Caminhada”. Promoveram também ações de apoio às religiões de matriz africana, além de manifestações em memória de Marielle Franco e de inúmeros outros protestos, atos públicos e “bordadaços”, sempre defendendo as causas sociais, junto do movimento de mulheres, movimento negro, MST (sem-terra) e MAB (atingidos por barragens).
A intensa atividade logo fez crescer o grupo, tornando-o reconhecido inclusive no exterior. O coletivo já expôs seus bordados no museu Rainha Sofia, em Madri, e no Museu Universitário de Arte Contemporânea (Muac), no México. No ano passado, foram chamadas a expor no MASP, o Museu de Arte de São Paulo, em mostra sobre os 200 anos da Independência. O MASP chegou a adquirir a peça para o seu acervo. Como a comercialização não é objetivo desses grupos, o dinheiro foi doado para as obras sociais do Padre Júlio Lancellotti, que atende moradores em situação de rua, em São Paulo. O coletivo expôs também no Museu da República, em Brasília.
Linhas do Rio e outras Linhas – o novelo
A partir de 2018, inspirados pelo grupo mineiro, outros coletivos surgiram em todo o país, como o Linhas do Rio, o Linhas de Sampa, o Linhas do Sul (RS), o Linhas do Ceará, o Linhas da Liberdade (Curitiba), o Linhas do Mar (Caraguatatuba, SP), o Linhas da Ilha (também do litoral paulista) e o Bordaluta (DF), entre tantos outros, formando assim “o coletivo dos coletivos”, chamado “novelo”. Embora autônomos, esses grupos, em muitas ocasiões, atuam conjuntamente, em projetos de abrangência nacional.
Foi o caso da campanha “Memória não Morrerá”, em homenagem às vítimas da Covid-19. A campanha durou dois anos e foi proposta pelo grupo Linhas do Rio, percorrendo várias capitais, com exposição de grandes painéis contendo os nomes de vítimas da pandemia. O movimento chegou até a CPI da Covid, no Senado, onde alguns painéis foram expostos na sessão de encerramento. As peças também foram exibidas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na orla marítima do Rio e na paróquia São Miguel, do Padre Júlio Lancellotti, em São Paulo.
O elo entre os coletivos de Belo Horizonte e Rio foi feito pela carioca Maria Else Leite, que tem muitos amigos em Minas. Algumas mulheres integram mais de um grupo, como é o caso da militante Maristela Scofield Pimenta, a Telinha, que participa dos coletivos do Rio e de BH, e de Lenira Machado, recentemente falecida, que integrava o Linhas de Sampa e o Linhas do Horizonte. As duas foram companheiras de prisão da ex-presidenta Dilma Roussef, durante a ditadura militar, conforme relata a historiadora Gláucia Garcia, do Linhas do Rio. “A maioria das bordadeiras, na verdade, carrega consigo um antigo histórico de militância”, conta Gláucia.
“Tenho uma admiração enorme por essas mulheres, que sempre batalharam pela democracia, sofreram tantos reveses e nunca perderam a esperança e o otimismo”, completa Maria Eugênia Castro Duque Estrada, uma das fundadoras do Linhas do Rio.
O grupo do Rio surgiu no bairro de Laranjeiras, tradicional reduto da esquerda carioca, e dali se expandiu para manifestações na Cinelândia, em Copacabana e outros pontos da cidade e do país. O grupo também promove oficinas de trabalho em espaços fechados, como escolas e sindicatos. Ao longo de 2019, trabalhou com crianças da rede pública estadual durante todo o ano letivo, abordando (e bordando) questões de gênero.
Em 2020, com a pandemia, sem possibilidade de atuar nas ruas, o coletivo carioca trocou os bordados pela confecção de máscaras entregues às comunidades carentes. A ideia foi muito bem recebida e adotada por outros coletivos.
Difícil é contabilizar o número de integrantes em cada grupo e o número de coletivos atualmente existentes no País, já que há uma geração espontânea desses grupos, que vão se criando e inspirando a criação de outros, em várias cidades e regiões. O número de membros é impreciso, porque flutuante. A maioria é mulher, mas alguns poucos homens participam.
Embora o movimento, no Brasil, seja relativamente recente, a atividade tem antecedentes, como o dos arpilleras chilenas, mulheres que, na década de 1970, protestavam contra a ditadura militar do seu país bordando em sacos de aninhagem. No Brasil, uma precursora importante foi a estilista mineira Zuzu Angel, que denunciou ao mundo o desaparecimento do filho, Stuart Angel Jones, e os crimes da ditadura militar, por meio de bordados nas roupas de suas coleções.